sexta-feira, 5 de junho de 2009

FOOTING E AS JOVENS TARDES DE DOMINGO

Saudosos anos dourados
***
Edward de Souza
_____*_____
Faz bem o lembrar, o recordar dos anos 60, a década que marcou o final da adolescência e o início da vida adulta dos que hoje beiram ou já alcançaram os sessenta anos de idade. Era uma época de delicadeza e ingenuidade (mas nem tanto). As mulheres eram mais recatadas e os homens mais ousados.
Exemplo recente dessa evolução e de sucessivas transgressões dos costumes é o carnaval, com mulheres desfilando praticamente nuas nas avenidas e nos salões. Nesses anos, predominavam as fantasias singelas, com pierrôs e colombinas e as músicas ingênuas:
Vou beijar-te agora
não me leve a mal
pois é Carnaval....
Os mais endinheirados utilizavam o lança-perfume – um produto elegante e de bom-tom – para jogar no dorso nu da mulher cobiçada. Muitos extrapolavam, umedeciam o lenço e aspiravam o líquido, com sensação de leve torpor. A desconfiança de que o lança-perfume poderia estar sendo utilizado como droga entorpecente levou o então presidente Jânio Quadros a proibir a sua produção e comercialização em todo o país.
O footing nas praças era uma característica de Franca e de outras cidades do interior, com destaque para as de menor densidade populacional. Em Franca, na Praça Nossa Senhora da Conceição e na Praça Sabino Loureiro, mais conhecida como Praça da Estação, moças passeavam pelas calçadas em sentido contrário ao dos rapazes e a sedução consistia em olhares, gestos e no auto-convite do jovem para acompanhar a pretendente. Se tudo desse certo começava o namoro e a procura por um banco (banco de jardim), doado por algum estabelecimento comercial e, de preferência, nos locais menos iluminados e com menor número de pessoas. A Praça da Estação dispunha de serviço de alto-falante, que transmitia recados amorosos, dedicava músicas.... Os mais velhos, à época, preferiam Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Moacyr Franco. O mais pedido, no entanto, era o Nelsão:
Boêmia, aqui me tens de regresso
e suplicante lhe peço
a minha nova inscrição...
Já os mais jovens, idolatravam o novo ídolo Roberto Carlos:
Quero que você me aqueça neste inverno
e que tudo o mais vá pro inferno...
O footing se estendia também aos corredores dos cinemas. Antes de começar a projeção do filme, rapazes desfilavam a procura de um par, jovem que "guardava" uma cadeira vazia para o eventual pretendente.
Ah, os bailes, os bailes... Não havia um final de semana sem as reuniões musicais dançantes na AEC no centro de Franca. Quando não era na AEC, as brincadeiras dançantes, depois do cinema, eram realizadas no Salão Rosa do Hotel Francano, abrilhantadas pelos famosos discos de vinil, ou então eram improvisadas em salas e quintais domésticos. A bebida da moda: Cuba Libre (rum com Coca-Cola), Hi-Fi (gim com água tônica), peper man (?) e, para os mais resistentes Fogo Paulista ou conhaque Dreher com Martini doce.
Os bailes nos salões eram os mais animados e sofisticados, prestigiados por conjuntos musicais de capacidade reconhecida. O preferido de todos era Ray Conniff e sua Orquestra, famoso pela execução das canções dançantes de Glenn Miller.
As jovens tardes de domingo, programa comandado por Roberto Carlos, com apoio de Erasmo Carlos e da ternurinha Wanderléa, eram imperdíveis – como imperdível e objeto do desejo de 101 a 100 jovens as mini-saias ostentadas pela Ternurinha.
Uma outra ala musical, que chegava a rivalizar com a representada pela Jovem Guarda, tinha Elis Regina, Jair Rodrigues, Geraldo Vandré, Chico Buarque...
Parece que o início dessa mudança teve impulso no Brasil, em conseqüência da Revolução Cultural, eclodida em 1968, em Paris. Jovens saíram às ruas ditando palavras de ordem, exigiam liberdade sexual, mesma época em que a pílula anticoncepcional deixava o guarda-roupa e se popularizava. Para reforçar, os Beatles irrompiam, falando de amor e protestando contra a morte de jovens norte-americanos e vietnamitas numa guerra fria e cruel. E, pela primeira vez na História, o homem pisava na Lua.
"Um pequeno passo para o homem, mas um salto gigantesco para a Humanidade", registraria para o mundo o astronauta Neil Armstrong.
No Brasil, o governo militar que se implantara em 1o de abril de 1964, quatro anos depois, com a decretação do AI 5 (Ato Institucional n° 5), fechava o Congresso, cerceava a liberdade de pensamento, apertavam o cerco aos movimentos urbanos e rurais do país, que reivindicavam o restabelecimento do estado de direito. Surgiriam, assim, Vinicius de Moraes e Toquinho, cobrindo o Circuito Universitário. Vinicius apresentaria uma linguagem musical mais elevada. Um de seus primeiros sucessos foi Garota de Ipanema:
Veja que coisa mais linda
Mais cheia de graça
Que vem e que passa
Num doce balanço
A caminho do mar...
Mas retirando essa névoa de obscurantismo, os anos 60 foram de alegria, de muitas manifestações culturais e artísticas. Foi, também e, sobretudo, uma década brejeira, de doçura, de encanto com a vida. Uma década que os sessentões de hoje jamais esquecerão....
____________________________________________________________
*Edward de Souza é Jornalista e radialista. Trabalhou nos jornais, Correio Metropolitano, Folha Metropolitana, Diário do Grande ABC e O Repórter, da Região do ABC Paulista. Em São Paulo, na Folha da Tarde, Gazeta Esportiva, Sucursal de "O Globo", Diário Popular e Notícias Populares, entre outros. Atuou nas Rádios: Difusora de Franca, Brasiliense de Ribeirão Preto, Rádio Emissora ABC, Diário do Grande ABC, Clube de Santo André, Excelsior, Jovem Pan, Record, Globo - CBN e TV Globo de São Paulo. Participou de diversas antologias de contos e ensaios. Assina atualmente uma coluna no Jornal Comércio da Franca, um dos mais tradicionais do interior de São Paulo.
_____________________________________________________________