domingo, 19 de julho de 2009

BARRA DOS GARÇAS, A BOCA DO SERTÃO

UMA PESCARIA FRACASSADA
PARTE FINAL

J. MORGADO

Bem amigos (as), no final do capítulo de ontem já estávamos em Aragarças, às margens do ainda tímido Rio Araguaia. Iniciava-se alí a segunda parte de nossa aventura. Barra do Garças, na época, era uma cidade em ebulição. Pequenos municípios e lugarejos num raio de centenas de quilômetros dependiam daquela que poderia se chamar “boca do sertão”.
Não gostei quando o amigo dos meus companheiros ficou surpreso com nossa presença. Notava-se pela expressão de seu rosto que ele havia exagerado na dose, ou seja, nos barcos prometidos, na condução para chegar até o local, etc. De qualquer forma, ele nos atendeu com presteza. Hospedou-nos em sua casa e desapareceu por algum tempo!
Horas depois disse que estava tudo arrumado. No dia seguinte, com uma camionete emprestada, depois de providenciarmos combustível e alimentos, entre outros itens, iniciamos a viagem. Cerca de 150 ou 170 quilômetros nos separavam da barranca do rio Corrente, na região de Nova Xavantina. Engolimos um bocado de pó. Quatro ou cinco horas de viagem e lá estávamos. Passamos por algumas fazendas em formação. Gaúchos, paranaenses e mineiros. A derribada do cerrado para o plantio de arroz e soja começava. Os mineiros se contentavam com a criação extensiva de gado bovino. O rio Corrente que não consta na maioria dos mapas, é um afluente do rio Pindaíba que por sua vez desemboca no das Mortes. Na barranca do rio, dois barcos, um em péssimas condições e o outro em condições ruins. O tal amigo disse que apesar do aspecto, as embarcações davam para viajar. Olhamos um para o outro e, mudamente resolvemos arriscar! Só os fanáticos caçadores e pescadores para se expor a perigos imprevisíveis como esse!
A paisagem e a beleza do rio nos enfeitiçaram. O amigo da onça ali nos deixou com a promessa de voltar uma semana depois. Acampamos. Partiríamos no dia seguinte. Ali mesmo, pegamos alguns pacus, pequenos na verdade, mas que deram um ótimo jantar. Pela manhã, o motor foi engatado no melhor dos barcos. O outro seguiria corrente abaixo com o controle de varejões. A correnteza era razoavelmente forte, as águas transparentes e o fundo do rio pedregoso. Na volta, o barco seria rebocado. Eu segui com o italiano, que pilotava o barco. Apesar de meus avisos, o companheiro insistia em manter uma velocidade acima do que a situação permitia. De quando em quando, fazíamos uma parada para esperar o outro barco. A carga estava dividida. Barraca e toda uma parafernália para o mínimo de conforto. A viagem ia bem até que o apressado do piloteiro, com sua incompetência e desatenção aprontou!
O pequeno rio era cheio de curvas. Corrente forte (daí seu nome), apresentava muitas galhadas e paus avançando das margens. E foi numa dessas curvas que uma dessas galhadas nos surpreendeu! O barco bateu feio! O canal se apresentava violento! Praticamente quase toda a água descia por um estreito de pouco mais de seis ou sete metros. O piloteiro (o italiano) caiu e ficou na parte rasa. Eu, não tive a mesma sorte. O barco afundou! Agarrei-me a galhada! Queria sair nadando, mas estava por demais vestido, coisa que sempre evitava quando embarcado. Porém havia parado algum tempo antes a fim de caçar um mutum que havia piado. A caça seria o jantar daquele dia. Botas, cinturão com cartuchos, entre outras coisas, atrapalhavam meus movimentos! Domênico, já na margem direita, buscava uma forma de me socorrer! Foi ai que encontrou um cipó salvador! Lançou-o, uma, duas vezes. Na terceira consegui agarrá-lo, saindo daquela situação desagradável. O outro barco com os outros dois companheiros chegaram logo em seguida. Juntos, com cordas e muito esforço, conseguimos içar o barco afundado. Comestíveis, material de pesca, meu óculos entre outros itens ali ficaram. Ainda bem que tínhamos dividido o material. Assim, o combustível e mantimentos tinham sido preservados, O café? Foi pro fundo daquela “linda” correnteza.
Não podíamos mais prosseguir viagem. O motor precisava ser desmontado. Era necessário secar suas peças. Coisa de alguns dias. Restou-nos escolher uma barranca alta logo abaixo e ali acampar. Sem material de pesca e com poucos cartuchos intactos de munição que teriam de ser gastos parcimoniosamente ali ficamos jogando truco, esperando que o motor estivesse em condições de nos levar de volta.
Uma manhã, um lindo espetáculo se nos deparou. Uma subida de cacharas (pintados) tomava todo o leito do rio. Os peixes pareciam ter o mesmo tamanho (cerca de 40 a 50 centímetros). As águas límpidas e rasas daquela corrente eram como uma tela de cinema passando um filme sobre belezas naturais. Uma fisga de quatro dentes de aço tinha sido salva. E foi com ela que fisgamos um bom número de peixes. O cardápio enriquecia-se com aquela pescaria tão oportuna.
Finalmente, o motor voltou a funcionar. Desmontado o acampamento e carregado os barcos, começamos a subir o rio. Foi um sacrifício insano. O rio muito baixo dificultava a ação do motor. Da partida até a chegada ao nosso destino inicial, 39 pinos se quebraram. Cada vez que um pino se quebrava tínhamos que descer e segurar o barco para a troca. Era perigoso! Apesar de um rio de águas claras e correntosas, podia se avistar vez ou outra, as perigosas e venenosas arraias.
Finalmente chegamos! E agora? Cadê o tal amigo? Acampamos. Em lugar não muito distante, na vinda, encontramos uma fazenda. O Oswaldo e o Lúcio saíram em busca de ajuda. Horas depois, voltaram com uma camionete dirigida por um dos fazendeiros. Alegria! Tralha embarcada, e lá fomos nós para a fazenda. Ao chegarmos, fomos atendidos por uma senhora bastante gentil. A casa, toda de madeira, era bem típica de quem está começando uma fazenda. Fogão à lenha, amplos cômodos. Gaúchos que estavam se estabelecendo. A mulher, prontamente nos serviu um café em canequinhas de ágata. Eu, cara de pau, há uma semana sem tomar café (o nosso se perdeu no naufrágio), corri em direção a minha mochila e de lá peguei minha caneca de ¼ de litro. Com olhos de peixe-morto, roguei à cabocla: ”por favor, encha minha caneca”.
Acampamos ali e, no dia seguinte, retornamos a Barra do Garças de carona, graças a boa vontade daquela gente boa. Ao chegarmos a Barra, nos dirigimos até a casa do tal amigo. Adivinhem o que estava acontecendo? O cara estava internado no hospital com um ataque de malária! Nós o visitamos, agradecemos e nos despedimos. A volta se deu por outras estradas, passando por Goiânia, capital daquele lindo Estado. Lindas paisagens, a balsa sobre o rio Claro, etc. Não há fotos desta aventura. A máquina, uma Olympus, ficou danificada ao mergulhar junto com o barco. Restaram as lembranças de uma aventura e de pessoas que conhecemos nessa pescaria desastrada!
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*J. Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. Morgado escreve quinzenalmente neste blog, sempre às sextas-feiras. E-mails sobre esse artigo podem ser postados no blog ou enviados para o autor, nesse endereço eletrônico:
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