segunda-feira, 6 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

INÉDITO
PARTE XVII
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SÉRIE
“TRAPALHADAS DE UM FOCA”
CAPÍTULO IV
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O repórter policial que tinha
medo de cadáveres
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Edward de Souza
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Foca na redação é sempre motivo de boas risadas. São tantos os casos que daria um livro. Bom lembrar que foca é o codinome que se dá ao jornalista novato que chega às redações. Nos Estados Unidos, pra quem não sabe, foca é cub, que em inglês significa filhote. Pois bem. O foca, quando chega pela primeira vez a uma redação de jornal e recebe uma pauta para fazer determinada matéria se inquieta: por onde começar? Depois dos primeiros telefonemas, a dúvida: será que escolheu o caminho certo? Como fazer as perguntas adequadas, na hora da entrevista? E se esquecer uma questão crucial? Antes de voltar à redação, a angústia não cessa: estará a apuração correta? Como escrever? Será que o texto vai ser mudado pelo redator? Se estiver errado, quem vai lhe apontar os erros? Até então, acaba encarando essas dificuldades e segue em frente. Dificil é quando um foca decide ser repórter de polícia e tem medo de cadáver.
É esse o caso que vou lhes contar hoje, de um grande amigo jornalista que foi um dia um foca, como todos nós. Uma pessoa extraordinária que chamava a atenção de todos pelo seu peso e tamanho. Conheci o Luiz Antonio, que mais tarde receberia o apelido de “Bola”, nos anos 70. Nessa época o Diário do Grande ABC tinha três repórteres policiais. Renato Campos, que acumulava a função de editor de polícia, o Arlindo Ribeiro, mais conhecido como Ligeirinho e eu. Pouco para um jornal que cobria as sete cidades da região. A direção do jornal resolveu contratar mais um repórter policial para nos ajudar. Lembro-me que numa segunda-feira entrou na redação um jovem com dois metros de altura e pesando cerca de 140 quilos, barbudo, procurando pelo Renato Campos. Era candidato a vaga de repórter de polícia, fiquei sabendo ao conversar com ele. No mesmo dia esse repórter saiu com um fotógrafo, sorte dele, não era o João Colovatti, para cumprir uma pauta que serviria como teste para sua contratação, caso fosse aprovado o seu trabalho. Com o seu tamanho, impressionou o delegado de plantão no distrito central de Santo André, o saudoso amigo William Sanches Lino. Brincalhão, o doutor William levantou-se da cadeira para o jovem repórter se sentar, fiquei sabendo mais tarde. E justificou: “vai que ele fica bravo e parte pra cima de mim, nem minha automática vai dar conta dele.” Luiz Antonio seria batizado naquele dia, no distrito, pelo delegado Sanches Lino, que me ligou na redação perguntando: Edward, quem é esse “Bola” que vocês mandaram aqui na delegacia?” Comecei a rir e quando o jovem repórter chegou passou a ser chamado de "Bola", por mim e pelo Renato. Tranquilo e sorridente, assumiu o apelido numa boa. Foi contratado, não pela sua capacidade como repórter de polícia, mas pelo seu jeito camarada e amigo que conquistou toda a redação. Estávamos dispostos a ajudá-lo e, com o tempo, certamente seria um bom repórter de polícia. Um belo dia ocorreu um tiroteio entre policiais e bandidos. Três marginais foram mortos e seus corpos estavam caídos num terreno baldio, na Vila Luzita, em Santo André. O “Bola” estava de plantão e foi incumbido pelo Renato Campos de correr com o fotógrafo para flagrar detalhes antes da chegada do carro funerário. Enrolou, ficou vermelho e começou a passar mal. Aquele brutamontes correu ao banheiro e começou a vomitar. Sem alternativa, eu e o “Ligeirinho” não estávamos na redação, Renato Campos foi cobrir a matéria. Mais tarde, interrogando o “Bola”, Renato ficou sabendo que sua nova contratação tinha medo de cadáver. Aproximar-se de um morto, nem pensar!
Essa agora, pensou Renato. Um repórter de polícia com medo de cadáver. Como todo bom carioca, Renato Campos era e é até hoje um brincalhão. Passou a escalar o “Bola” apenas para cobrir acidentes de carros e motos, sem vítimas fatais claro, e copiar ocorrências em distritos policiais. Colocou na cabeça que tiraria do “Bola”, aquele bruta homenzarrão, o medo de se aproximar de um cadáver. Certo dia o jornal foi convidado para participar das solenidades da inauguração do IML de São Bernardo. A pauta foi enviada à Editoria de Polícia. Era a chance que Renato esperava. Dias antes foi ao IML e conversou um bom tempo com o médico legista que iria comandar essas novas instalações naquela cidade. Mesmo antes da inauguração, o IML já recebia cadáveres, não tinha como aguardar o corte simbólico da fita para então começar a funcionar. “Bola” foi escalado para cobrir a inauguração. Para que não se melindrasse só de ouvir o nome IML, fomos juntos com o “Bola”, eu e o Renato Campos, com a desculpa de que iríamos apenas participar do coquetel que aconteceria depois da inauguração. Quando chegamos o ambiente era festivo, com a presença do Prefeito da cidade e muitos políticos. Animado, “Bola” acabou se descontraindo e ficou à vontade. Tanto que aceitou o convite do legista-chefe para conhecer outras dependências do IML. Os dois entraram na sala onde ficam as gavetas, destinadas a cadáveres sem identificação. Eu e o Renato, disfarçados, seguimos os passos do “Bola” e do legista. O então jovem foca imaginava que, por ser a inauguração, nenhum cadáver tinha sido levado para lá, até então. Para demonstrar uma coragem que não tinha, se aproximou das gavetas. Era a “deixa” esperada pelo legista, de acordo com o combinado com Renato Campos. O médico acionou um dispositivo e as gavetas com cadáveres saltaram, chegando a bater nos joelhos do pobre repórter. Apavorado, “Bola” soltou um grito que ecoou pelas instalações do IML, assustando todos os presentes. Em seguida, jogando tudo o que carregava nas mãos ao solo, empreendeu uma corrida digna de um queniano, campeão da São Silvestre. Derrubou mesas e cadeiras e desapareceu. Dois dias depois foi ao jornal, pedir demissão. Renato Campos não aceitou e encaminhou “Bola” para outra editoria do jornal, onde se deu bem na nova função e seguiu uma brilhante carreira.
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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista. Escreve aos sábados no Divã do Masini e às quintas-feiras no Jornal Comércio da Franca.
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Oswaldo Lavrado lembra, no capítulo de amanhã, o caso do foca Mazzola que resolveu aumentar o número de mortos num acidente durante a construção da Rodovia dos Imigrantes. Deu o que falar!
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