quinta-feira, 26 de agosto de 2010


O CINISMO E SEUS REQUINTES


Filosofia surgida na Grécia antiga, o cinismo caracterizava-se pelo desprezo às convenções sociais e a procura da felicidade através de uma vida reta e virtuosa, liberta da servidão dos costumes e instituições humanas. Com o tempo, o termo adquiriu conotação pejorativa, pela contradição verificada entre o ideal ascético divulgado e o hedonismo vivido. O cinismo despreza todas as fórmulas da decência e da ética e parece que tem aumentado muito o seu séquito de seguidores nos tempos atuais. No Brasil, então, nem se fala! Os nossos políticos exibem um cinismo profundo cada vez que precisam defender-se, negando até mesmo a própria realidade que, muitas vezes, aparece, escancarada.

Os cínicos são malandros da pior espécie, hábeis e ousados, experientes na arte de mentir e encontrar desculpas para o seu ultrajante comportamento, mesmo que lhes seja impossível ocultar a verdade, porém, sempre há um jeitinho, uma manobra, um acordo de compadres, geralmente celebrado com o apoio de seus pares, sejam do governo ou da oposição, mostrando que o corporativismo reina nas instâncias do poder e, como sempre, uma mão lava a outra...

Certo é que o cinismo demonstrado pelos políticos corrobora a máxima, mais cínica ainda, de que “a mentira muitas vezes contada, se transforma em verdade” ou, “a acusação, muitas vezes negada, inocenta o acusado”. Está claro que nada vai mudar esse inferno ético e moral em que vivemos enquanto não for afastada, definitivamente, a certeza da impunidade, o mal do século (ou do milênio), alegria e inspiração dos corruptos.

Estamos em plena campanha eleitoral e pressinto, com temor, que está em marcha, maquiavélica e cuidadosamente arquitetada, uma farsa destinada a institucionalizar o populismo, de fundo messiânico, em que o pai de todos entrega o povo para a mãe de todos, como se a sociedade não tivesse querer e nem escolha. De certa maneira, não tem, mesmo, porque a mentira, tantas vezes reiterada, acaba sendo a única verdade.

Pior mesmo é perceber que esse festival de cinismo e frouxidão moral acabou por contaminar toda a sociedade. Decência, honradez, honestidade, lealdade e competência já não são consideradas qualidades que podem levar uma pessoa ao sucesso, seja em que seara for. Agora, oportunismo, hipocrisia, esperteza, má-fé e mais uma lista infindável de safadezas, estas sim, são atributos que asseguram carreira meteórica, por mais inexpressivo que seja o cidadão. O que vale é o pendor para a venalidade, essa sim, considerada uma competência sine qua non para o êxito de qualquer empreendimento.

Como parece impossível combater a corrupção e bastante difícil acabar com a impunidade na atual conjuntura, parece que o combate à retórica do cinismo passa por conservarmos, a todo custo, uma mídia livre e autônoma, que privilegie a liberdade de informação e continue denunciando os cínicos de plantão e de ofício. Entretanto, percebo, desolada, que aquela mídia combativa e incorruptível até há pouco tempo está sucumbindo, em troca de um punhado de moedas, assegurada pela veiculação de anúncios institucionais, gordos financiamentos para expansão e rolagem sine die de dívidas. Bem poucos resistem e continuam autônomos, éticos e honrados. Prefiro continuar nesta trincheira e me nego a usar o véu do cinismo fundamentalista que está contaminando o último bastião da democracia.

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*Nivia Andres é jornalista e licenciada em Letra. Suas experiências e vivências estão no blog Interface Ativa! Dê uma espiadinha em http://niviaandres.blogspot.com
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