segunda-feira, 24 de agosto de 2009

CONTOS DO VIGÁRIO - VELHOS E CRIATIVOS

A série que iniciamos hoje no blog escrevi nos anos 70 na revista "Realidade", uma das melhores publicações do Brasil naquela época. Depois, devido ao grande sucesso que fez em todo o País, foi reapresentada no Jornal Notícias Populares e anos depois no Diário do Grande ABC, arquivo levantado pelo amigo jornalista Ademir Medici, onde consta toda a série que assinei. Vale a pena a leitura para se saber como começou o conto do vigário no Brasil e conhecer golpes criativos, alguns maldosos, além de outros engraçados, como o "conto-do-violino", da "guitarra" e do "cleptomaníaco"...
VIGARISTAS ANTIGOS ERAM REFINADOS
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PRIMEIRO CAPÍTULO
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Antonio Teodoro, que chegou ao Brasil em 1814, vindo de Portugal, foi um dos primeiros batizar o "conto-do-vigário". A escola fundada por ele encontrou nos malandros que agiam junto às classes baixas, muita imaginação, criando contos simples, quase infantis, mas cuja eficácia era tanta que são usados até hoje em todo o Brasil. Os vigaristas fizeram muitos ditados, entre eles, um que diz assim: " enquanto existir cavalo, São Jorge não anda a pé". Tem ainda outro ditado conhecido: "quando a esmola é grande o santo desconfia". Será verdade? Nem sempre. Por isso, não é dificil encontrar alguém em qualquer canto desse País que não tenha caído pelo menos uma vez em um "conto-do-vigário".
Sempre existiram vigaristas, ladrões e gente gananciosa, mas antigamente até eles eram muito, mas muito mais refinados. Existem dezenas de golpes sendo aplicados na praça ainda hoje e o número de vítimas aumenta a cada ano. Sempre vão surgindo golpes novos, enquanto os antigos retornam com nova roupagem, como os que estão sendo aplicados com a ajuda da tecnologia. Antigamente bastava uma boa conversa - o velho 171 – para ludibriar alguém. Atualmente os malandros usam celulares, computadores, internet, fax, anúncios classificados, etc... Convencem as pessoas a entregar o dinheiro, o cheque ou a senha do cartão magnético com lábia e criatividade. Contam histórias tão mirabolantes que, depois que vão embora, as vítimas chegam a sentir vergonha de prestar queixa à polícia.

O PRIMEIRO CONTO DO VIGÁRIO - Com gestos de grande cavalheiro e fala macia, o português Antonio Teodoro introduziu, em 1814, o "conto-do-vigário" no Brasil. Assim que chegou de Portugal, Teodoro conseguiu aos poucos a amizade das famílias tradicionais cariocas e dos comerciantes mais prósperos. Participando dos grandes acontecimentos sociais daquela época, foi contando a razão de sua vinda ao Brasil. Explicava a todos que era o único herdeiro de um tio muito rico, falecido em Portugal, havia pouco tempo. Por estar sendo pressionado pelos parentes interessados na fortuna, foi obrigado a deixar Lisboa, onde um procurador trataria de seus interesses. Em pouco tempo sua história se espalhou na alta roda e todos esperavam, mais dia, menos dia, que Antonio Teodoro recebesse baús e arcas carregados de moedas de ouro.
Contando sempre a mesma história, o português conseguiu se manter no Brasil quase um ano, quando começou a sentir as primeiras dificuldades financeiras. Demonstrando sua preocupação pela demora do procurador, segredou aos amigos importantes que tinha conseguido no Rio de Janeiro, suas dificuldades. Não demorou muito e começou a receber ajuda de todos. O moço de fala macia foi aceitando e vivendo como um milionário durante mais um ano, na promessa do tio vigário. Observando o que se passava, um major da polícia resolveu escrever para Portugal, solicitando informações sobre o português. A resposta não se fez demorar: "antigo malandro, muito conhecido na Rua do Ouro, aqui em Lisboa". Teodoro foi preso no mesmo dia, mas o "conto-do-vigário" tinha sido batizado.

O GOLPE MAIS APLICADO - Juntamente com a Loteria Federal, surgiu o conto do bilhete. Por incrível que possa parecer, ainda é o golpe mais aplicado no Brasil, apesar de ser antigo. Ainda é um caipira que aborda a vítima na rua: "doutor, onde posso descontar esse bilhete? Foi premiado e vim de uma fazenda onde trabalho apanhar esse dinheiro". A vítima vai responder, quando aparece, a poucos passos, um cúmplice do falso caipira, que então os convida para verem de quanto é o prêmio, aproveitando-se de uma falsa lista. O cúmplice vê o número, percorre a lista e devolve o bilhete, sorrindo e dizendo que está premiado. O "caipira" pergunta onde deverá recebê-lo e ouve a resposta que só poderá retirar o dinheiro no dia seguinte, pois está tudo fechado. O cúmplice vai embora e o "caipira" fica chorando as mágoas para o "doutor". Explica que tem que voltar à fazenda para levar remédios para os filhos e que tem medo de perder o emprego, mesmo tendo esse dinheiro para receber da loteria. Depois de muito implorar, diz que entrega o bilhete pela metade do preço e que, num dia qualquer volta para pegar o restante. A vítima oferece-lhe o que tem no bolso. E o "caipira", depois de muito pensar, resolve aceitar. No dia seguinte, a vítima tenta receber o dinheiro e vem a desilusão. A data do bilhete é falsa ou a lista do "cambista" foi alterada.
Na maioria das vezes o que faz um golpe desses dar certo é o fato de muita gente querer se dar bem com um "negócio da China." Ou é por ganância ou por ingenuidade. Alguns golpes são fraudes cometidas para garantir a execução de um crime em seguida. Nunca é demais lembrar que comprar bilhetes de loteria é uma das maneiras mais conhecidas de se lavar dinheiro. Exceto, claro, no caso do falecido deputado João Alves que ganhou mais de duzentas vezes por pura sorte, conforme acreditou a CPI dos Anões do Orçamento. Outro golpe antigo que continua sendo praticado no Brasil é o do dinheiro falso, aplicado na maioria das vezes em comerciantes.

AMANHÃ NESTE BLOG - Não deixe de acompanhar nesta terça-feira o segundo capítulo da série "Contos-do-vigário do passado e do presente". Você vai conhecer os grandes golpes praticados no Brasil, alguns inteligentes, outros engraçados, mas que sempre faziam vítimas. Muitas variações já se tornaram folclóricas e outras, adaptadas aos novos tempos, mostram que o repertório dos vigaristas se renova a cada dia.

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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista
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