terça-feira, 8 de setembro de 2009

PAIS SEM FILHOS... FILHOS SEM PAIS

OSWALDO LAVRADO
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A maioria dos brasileiros sensatos, verdade, não são muitos, demonstra séria preocupação com o futuro das crianças - libertas num 7 de Setembro às margens plácidas do Ipiranga - que irão, mais à frente, dirigir nossa nação. Seria maravilhoso encontrar o ponto de equilíbrio desta geração, não fosse utópica e, em muitos casos, hipócrita a cantilena dos que apenas apontam o cisco em olho alheio, mas recusam-se a soprar. Não fica difícil constatar que na atualidade qualquer recanto tupiniquim conta com considerável número de pais e mães, cuja idade não supera os 18 anos. Também não é complicado perceber que nesses casos, a situação econômica dos neófitos pais é, em sua grande maioria, paupérrima e degradante. Nesse contexto, como criar as próximas gerações como pessoas íntegras, cultas, inteligentes, comedidas e de moral ilibada para substituir os que estão no balaio atual e que comandam a nação? Certamente, fome, pobreza, falta de cultura e expectativa de futuro não serão alavancas para lapidar caráter e dignidade. Os presídios e as ditas casas de recuperação de menores (as antigas Febens e atuais Fundação Casa) com gente saindo e entrando pelo ladrão (sem trocadilho), comprova que a rigidez familiar na conduta e comportamento da juventude não é a principal preocupação dos pais da geração atual. O problema é muito mais amplo e angustiante
para que apenas uma "penada" governamental resolva a curto, médio e, sem ser muito pessimista, longo prazo. Como exemplo, que não poderá ser considerado caso isolado, basta lembrar o caso da menina morta por uma bala perdida, semana passada, na favela Heliópolis, a maior de São Paulo e aqui pertinho do ABC. A garota, estudante é verdade, mas com apenas 17 anos, estava grávida. Atentem para o noticiário do cotidiano, nas ações policiais, quantas meninas na faixa 14/20 anos carregam vários rebentos, alguns nos braços, outros no ventre. Todas, sem exceção, vivendo na mais completa penúria.
Lembro, apenas como ilustração, ou constatação, de três irmãos que conheço. Eles "olham" carros na Avenida Kennedy, point noturno de São Bernardo e bem próximo ao prédio onde resido. Por motivos óbvios, os nomes dos meninos serão omitidos, mas eles residem com a mãe, que tem apenas 35 anos, (o pai, não sabem onde anda) num barraco na favela Imigrantes, uma das mais carentes e degradadas de São Bernardo. O
mais velho, agora com 18 anos, me disse no final de 2007: "Cara tô feliz da vida, ontem nasceu meu filho". A mãe é uma menina de 16 anos, moradora num casebre na mesma comunidade. Em meados de 2008, o outro irmão, então com 17 anos, também alardeava que há dois meses era pai de uma menina, resultado de uma relação com uma garota de 14 anos. Por fim, há questão de um mês, encontrei o terceiro irmão agora com 16 anos. Orgulhoso, disse que seu filho nasceu há dez dias. A mãe, segundo ele, tem 14 anos. "È, mano, sou "home" e se meus irmãos têm filhos eu também sou pai", disse todo feliz. "Parabéns" limitei-me a dizer e, por acaso, haveria alternativa?
Nos três casos, os meninos justificaram: "sou homem cara, e pretendo dar aos meus filhos o que nunca tive: brinquedos, roupas boas, estudo e uma vida diferente da minha". O trio, como disse acima, "cuida" de carros na Kennedy somente as sextas, sábados e domingos à noite (nos outros dias não fazem nada) e apenas um deles completou o ensino fundamental. Falam em carros, motos, andam com celular a tira-colo (mesmo sem crédito) e demonstram não estar preocupados com mais nada a não ser
com o momento em que precisam batalhar o pão de cada dia. São solidários, já que dividem o diminuto espaço do barraco com a mãe, avó de seus rebentos. Os filhos dos três garotos estão com a família das respectivas mulheres, adolescentes como eles e igualmente paupérrimas.
Este relato dos meninos reflete a atualidade da criança e do adolescente brasileiro, que mutilam a infância e a juventude e abreviam a maturidade por absoluta falta de conhecimento e orientação familiar, cujos pais, causa e efeitos de uma geração também desequilibrada, deixam, como legado consciente, filhos sem nenhum piso sustentável. Em todos os rincões desta Nação, existe este quadro desalentador. Nas grandes áreas metropolitanas as armas e as drogas auxiliam, em sentido inverso, os meninos e meninas suportarem a ausência dos pais, mas no agreste e caatingas a fome amarra o respeito dos filhos aos genitores. A estrutura social, mambembe e flexível desde país, oriunda de um passado que congrega pelo menos mais duas gerações, sugere que a tendência é conduzir os filhos dos filhos dos filhos ao patamar mais baixo da dilapidação do caráter, humilhação e dignidade.
O garoto mais velho do relato acima está preso num dos CDPs - Centro de Detenção Provisória - aqui na Grande São Paulo, e seu terceiro filho, fruto de relações com uma segunda mulher nas visitas íntimas na cadeia, nasceu há questão de um mês. Consequência de um assalto a mão armada, o rapaz foi condenado a 8 anos de prisão.
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Oswaldo Lavrado é jornalista e radialista na região do ABC Paulista.
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