quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011




Ouço ainda as súplicas de minha mãe, 40 anos depois, implorando para que eu desistisse dos planos de deixar minha cidade Natal com a intenção de tentar a sorte numa cidade grande. Com 20 anos de idade eu estava decidido. Iria procurar emprego numa emissora grande de São Paulo. Percebia que em Franca não teria futuro algum em minha carreira como radialista. Tinha ainda o sonho de cursar uma faculdade de jornalismo que me ajudaria na carreira, e na minha pequena cidade, no final dos anos 60, isso seria impossível. Franca tinha então cerca de 80 mil habitantes e a única faculdade que possuía era de advocacia. Hoje, com quase 400 mil habitantes, possui várias, além de uma universidade que atende 10 mil estudantes da cidade e região.
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Meu pai, homem honesto e trabalhador, nunca deixou faltar nada, financiando os estudos dos filhos sem nunca ter exigido que o ajudássemos nas despesas da casa. Foi assim que estudei no Instituto Adventista de Campinas, cursando o ginasial num prestigiado estabelecimento de ensino, cujas mensalidades eram caríssimas. Sentia a falta dos irmãos, da minha casa, do carinho e das comidas gostosas da mamãe, mas com o tempo aprendi a viver só. Era ainda uma criança, tinha apenas 13 anos.

Em Franca, três anos depois, por obra do destino, aos 16 anos de idade comecei a trabalhar numa emissora de rádio, então pertencente à Rede Piratininga. Escondido do meu pai, a princípio. Queria ele que eu apenas estudasse e buscasse trabalho depois. E foi engraçado como tudo aconteceu. Um vizinho, Abrahão Facury, falecido ano passado, próspero comerciante em Franca, pediu-me que levasse um recado ao filho, Luiz Carlos, gerente da Rádio Piratininga de Franca. Essa emissora é a atual Difusora, pertence ao GCN - Grupo Corrêa Neves - proprietário do Jornal “O Comércio da Franca”.

.Assim que entrei no prédio, ouvi gritos e palavrões. Um locutor conhecido do horário desentendeu-se com o gerente da rádio e praticamente foi jogado para fora do prédio. Esperei a poeira assentar e procurei Luiz Carlos Facury, que ainda estava muito agitado e nervoso, para lhe entregar o recado do pai. O gerente da rádio sabia que eu e um amigo, Paulo Roberto Verzola, (foto acima), locutor hoje conhecido na cidade, por algum tempo apresentamos um programa estudantil na rádio. Sem ninguém no horário, não hesitou. Praticamente arrastou-me ao estúdio, entregou-me uma pasta com comerciais, a lista da programação musical que estava sobre a mesa do estúdio e gentilmente disse: “você tem boa voz, é inteligente, toque o programa”.


Não decepcionei. Não só comandei o programa como ainda criei frases e brincadeiras que agradaram os ouvintes. Várias ligações ocorreram no período em que eu estava no ar, atendidas pelo gerente da rádio, elogiando o seu novo “profissional”. Eu não tinha nenhuma ilusão, sabia que estava ali como “tampão” e seria substituído no dia seguinte, com a volta do profissional brigão ou com a contratação de outro radialista. Enganei-me. Assim que saí, Facury me esperava. Cumprimentou-me e pediu-me que voltasse no dia seguinte, o horário das 14 às 17 horas era meu, caso aceitasse o salário oferecido por ele.

Assim comecei em rádio e aprendi muito nestes quatro anos que exerci a profissão em Franca. Apresentei noticiários, fiz reportagens, narrei futebol e, acreditem, trabalhei em novelas, sucesso naqueles tempos em que a TV era objeto raro nas residências. Foi o meu primeiro registro na Carteira Profissional como radialista.

Devo destacar que desde pequeno meu pai incentivou-me a ler. Assinava o Diário de São Paulo (Diários Associados) e o Comércio da Franca. Anos depois, coincidentemente, assinei uma coluna no Comércio, na minha volta a Franca. Papai possuía enormes coleções de Machado de Assis, José de Alencar, entre outros. Quando saia para o trabalho entregava-me um livro e a noite queria ouvir a minha opinião sobre a leitura. Li todos os livros de sua coleção e, ainda pequeno, fiquei encantado com “O Guarani”, obra de José de Alencar.

Final dos anos 60. Enfrentando forte oposição de minha mãe, ouvi apenas alguns conselhos dados pelo meu pai, (foto recente), enquanto arrumava a mala para partir em busca dos meus sonhos, combustível essencial para enfrentarmos com motivação e esperança a difícil caminhada da vida. Por mais dura que ela pareça ser, é possível acreditar numa vida de realizações se sonharmos diariamente com os nossos projetos, os nossos ousados planos, nossos desejos de conquistas materiais e pessoais. O que difere pessoas bem sucedidas de outras fracassadas é a capacidade de sonhar. Você conquistará grandes coisas se tiver grandes sonhos. Mas deixará de conquistar tantas outras se não sonhar. Decidido e contando com a ajuda de tios que moravam em Santo André e não tinham filhos, parti com a certeza que conseguiria atingir meus objetivos. Sabia que a luta seria árdua numa cidade grande e estranha. Mas, tinha confiança e lutaria para vencer.
Recebido com carinho pelos tios, ele irmão de meu pai, ela irmã de minha mãe, eu estava em casa e minha mãe tranquilizou-se. Sabia onde eu estava e teria notícias minhas sempre. Meus tios são falecidos, ela, Dionir, morreu ano passado, ele, Ivan, faz muitos anos. Foram como pais e devo muito a eles, jamais esquecerei.

No dia seguinte, depois de bem acomodado na casa dos tios, sai pela manhã em busca de trabalho. De preferência numa rádio grande em São Paulo, por isso, bem cedo, eu estava na portaria da TV Tupi, que ocupava a quadra rodeada pelas ruas Piracicaba, Av. Professor Alfonso Bovero, Travessa Xangô e Catalão, no Sumaré. Havia uma padaria embaixo do prédio que abrigava a rádio e a TV e ali tomei um gostoso chocolate enquanto esperava o início da movimentação de pessoas na portaria. Nesta padaria fiz amizade com um funcionário da rádio, um antigo operador de som da Tupi, que se chamava Wilson, não lembro seu sobrenome. Expliquei que era locutor e queria trabalhar. Com sua ajuda, passei pela portaria e duas horas depois fui atendido por Walter Foster. Minhas pernas tremeram. Eu estava frente a frente com um dos maiores galãs da TV brasileira e não sabia que ele respondia, interinamente, pelo núcleo de locutores e de jornalismo da Tupi.

Calmo, atencioso, Foster (foto a esquerda) perguntou-me o que desejava. Contei a ele que vinha do interior em busca de um emprego, tinha experiência e poderia fazer um teste, caso ele permitisse. O ator percebeu meu nervosismo, tomou-me pelos braços e ofereceu-me um café. Depois de uma boa conversa, prometeu que assim que tivesse uma vaga iria me chamar. Dei-lhe o telefone da casa de meus tios e com um aperto de mãos lhe agradeci. Comecei a perceber que sem um “cacife” (recomendação de alguém importante), eu nada conseguiria em São Paulo. Mas, não iria desistir na primeira tentativa...
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“O dia em que gravei o Jornal Nacional” volta domingo, 27 de fevereiro, com o segundo capítulo. Nesta sexta-feira e sábado vamos apresentar o especial do jornalista J. Morgado.
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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista
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