segunda-feira, 29 de março de 2010

CONTOS E CRÔNICAS DE PÁSCOA

A MISSA QUE NÃO HOUVE


Naquela cidadezinha encravada no sertão brasileiro, não havia televisão, cinema e qualquer divertimento para a reduzida população existente. O rádio e a praça central com sua indefectível igreja católica e algum comércio era o ponto de encontro dos moradores.

A igreja era intensamente frequentada graças ao pároco local que se esmerava em “moralizar” aquele povo. Missa duas vezes por semana, cultos à noite e aulas de catecismo nos fins de semana para os pirralhos, além de um ou dois casamentos por ano e batizados.

Ferrenho em suas convicções, o padre ameaçava com o fogo do inferno quem não seguisse os mandamentos e, em especial, o ato da confissão e consequente comunhão na missa de domingo.

Na singela praça, com seu coreto simples existiam dois botecos, barbeiro, uma farmácia e um grande armazém. Armazém onde se vendia desde agulhas até arados, selas, mantimentos... Destes que existem por esse interior afora.

O proprietário do armazém era um português de meia idade que chegara àquela região não se sabia de onde e porque razão. Ali se estabelecera primeiramente com uma pequena loja e foi progredindo na medida em que migrantes foram desbravando a terra e montando fazendas.

O português e o padre andavam às turras. O padre insistindo para que ele frequentasse a igreja e o comerciante dizendo com franqueza que não gostava de padres. Um verdadeiro seguidor pombalino.

O padre metia o pau no português e ainda dizia para quem quisesse ouvir que um dia iria excomungar o incréu.

A Semana Santa estava chegando. Uma tradição seguida à risca por toda a população e presidida severamente pelo sacerdote. Ai daquele que não comparecesse aos cultos e procissões. Ameaças mil!

Joaquim, o comerciante, sentado em uma cadeira de balanço defronte ao seu comércio, tentava amadurecer uma idéia há tempos surgida. Enquanto saboreava sua cachaça preferida, uma luz surgiu! Provaria a todos que o padre Mateus estava errado e que a população local ainda não tinha sido colocada à prova para provar seus verdadeiros valores.

Idéia surgida, mãos a obra! Entrou e se dirigiu à salinha que lhe servia de escritório. Ali, do fundo de uma prateleira, retirou um mimeógrafo empoeirado. De outra gaveta, várias folhas de estêncil.
Com paciência e precisão, foi gravando com um ponteiro, esquemas ou pequenos mapas/roteiros.

Um único texto foi inserido abaixo dos “roteiros”. Como título; “Mapa do Tesouro”.

O texto dizia: “Moradores de D.... No dia 4 de abril (Páscoa), às 8h será dado o tiro de largada para a busca do tesouro. Esse tesouro consiste em seis caixas contendo meia dúzia de ovos de páscoa de bom tamanho cada uma. Iguais aos que estão expostos no armazém”.

Em número de seis eram os mapas/roteiros. Cada roteiro com pistas fáceis, médias e difíceis. Com paciência, imprimiu centenas de folhetos.

Terminado o trabalho, contratou vários rapazes e instruiu-os para distribuir os mapas de mão em mão, tanto nas fazendas como na área urbana.

Joaquim havia adquirido, dias antes, algumas caixas de ovos de páscoa na capital. Pretendia vendê-las com bom lucro.

No dia seguinte à distribuição, os moradores ocorreram ao armazém a fim de melhor se informarem.

Maquiavélico, o comerciante havia disposto os ovos de maneira bastante chamativa. Abriu alguns para degustação e explicou a cada um onde seria o tiro de largada; um sítio de sua propriedade distante um quilômetro da praça.

O padre tudo ignorava. Como todo o ano, a missa de páscoa seria campal, ou seja, na praça. A população sempre comparecia em massa.

Chegou o grande dia. O dia da renovação! O dia em que Cristo “ressuscitou”!

Altar pronto. Flores por todo o lado...

Sete horas da manhã. Sete e meia...! Os ponteiros do relógio se aproximavam da hora do início da missa (8h). Confiante, o padre Mateus se paramentava na sacristia, alheio ao que estava acontecendo.

Alguns minutos antes do início do ritual, o sacerdote dirigiu-se para o altar localizado na praça. Uma surpresa indescritível! Não viu nenhum habitante. Nem mesmo os carolas. Apoplético, desandou a falar impropérios em alemão, italiano... Um tiro de rojão ouviu-se ao longe!

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*J. Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, para o qual escreve crônicas, artigos, contos e matérias especiais. Contato com o jornalista pelo e-mail jgarcelan@uol.com.br
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