quinta-feira, 2 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS


INÉDITO
PARTE XVI
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SÉRIE
“TRAPALHADAS DE UM FOCA”
CAPÍTULO III
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INCÊNDIO NA VOLKSWAGEN
Edward de Souza
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Entre as coisas que mais me enchem de orgulho, ao longo da carreira, destaco o meu relacionamento com repórteres, em especial os novatos. Raros eram os contratados nessas circunstâncias, nos jornais que trabalhei que não passavam por minhas mãos. A alegação da chefia era: "O Edward tem paciência de Jó com os focas". Felizmente, tinha mesmo. Com isso, tenho a satisfação íntima de ver, hoje, muito profissional bem-sucedido atuando nos maiores jornais e revistas dos grandes centros do País, que enfrentaram o seu noviciado sob minha batuta. Nem preciso mencionar nomes. Eles próprios, volta e meia, se manifestam, de forma espontânea. Quase todos, no começo de carreira aprontaram das suas, como o caso que relato hoje aqui no blog, neste terceiro capítulo da série “Trapalhadas de um foca” e que se passou no começo dos anos 70, na antiga redação do Diário do Grande ABC. Tentei encontrar a personagem principal do caso, hoje uma jornalista de renome, enviando-lhe um e-mail, mas não veio a resposta até agora. Por isso, sem sua autorização para contar o ocorrido naquela década em que era ainda uma foquinha (principiante) de jornal, resolvi chamá-la apenas de Soninha.
José Louzeiro, hoje famoso escritor e roteirista era o secretário de redação do jornal naquele ano. Creio que depois da saída de Milton Saldanha. Vamos aguardar a confirmação do Milton. Secretário de redação é hoje chamado de editor-chefe. Louzeiro era uma espécie de faz tudo no jornal. Vibrante, orientava repórteres, bolava pautas, escrevia, fazia títulos e até copidescava matérias. Numa manhã chamou à sua mesa a Soninha e lhe entregou uma pauta a ser cumprida. A jovem e principiante repórter deveria entrevistar o velho Martinelli, antigo guardião do acervo da famosa Companhia cinematográfica Vera Cruz, de São Bernardo do Campo, onde foram rodados grandes filmes nacionais. Martinelli estava em novo ramo. Nas proximidades da Via Anchieta, ainda em São Bernardo, ocupando um grande terreno, Martinelli adestrava cães. O que mais chamou a atenção de Louzeiro, ao pautar essa matéria para a Soninha, foi o estardalhaço que Martinelli aprontou no ABC todo. Em qualquer muro ou terreno baldio, ele escrevia com letras garrafais: “adestra-se cães”. Seu nome vinha abaixo do anúncio. Pois bem. Orientada pelo mestre Louzeiro, Soninha deixou a redação para cumprir sua missão. Voltou desconsolada no final da tarde. Louzeiro se aproximou da jovem repórter para saber a razão de tanto desânimo. Cabeça baixa, Soninha explicou que não conseguiu, mesmo tentando de todas as formas, chegar ao endereço indicado e entrevistar Martinelli. Louzeiro, paciente com os foquinhas - tinham muitos na redação naquela época - procurou acalmar Soninha, para que ela contasse porque não conseguiu chegar ao terreno onde Martinelli adestrava cães, afinal, por todas as partes existiam setas indicando o caminho. Bastava segui-las. Como a jovem repórter estava nervosa, Louzeiro foi buscar um copo com água e entregou a ela. Trêmula, Soninha bebeu vagarosamente o líquido, enquanto Louzeiro esperava pacientemente sua recuperação. Afinal, pensava ele, o que teria ocorrido de tão grave que deixou aquela jovem repórter tão assustada? Um grande congestionamento de veículos, pensou Louzeiro. Acidente na Via Anchieta que impossibilitava a passagem de carros? Soninha se levantou, quase recuperada, descartando todas essas possibilidades e, com voz trêmula, sentenciou: “não passamos porque estava pegando fogo na Volkswagen”. Louzeiro quase caiu de costas. Quem precisou de um copo de água foi ele, tal o susto que levou ao saber que sua repórter deixou de cobrir um incêndio numa das maiores montadoras do País, para tentar entrevistar um adestrador de cães. Aos gritos, Louzeiro convocou todos os repórteres e fotógrafos que tinha disponível e ordenou: “corram todos, pelo amor de Deus. Está pegando fogo na Volkswagen. Depressa senão vamos todos perder o emprego”. Ainda foi possível ao jornal publicar fotos e boas matérias sobre o sinistro na montadora, mas o gafe da repórter ficou nos anais da história do jornalismo do ABC Paulista.
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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista. Escreve aos sábados no Divã do Masini e às quintas-feiras no Jornal Comércio da Franca.
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Nesta sexta-feira você vai acompanhar nesse blog artigo inédito do jornalista J. Morgado. "Trapalhadas de um foca" volta no sábado, em seu quarto capítulo.
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