segunda-feira, 26 de abril de 2010


A NOEMY


Certa vez, passei temporada em um Hotel de Águas de São Pedro/SP, e a proprietária tornou-se minha amiga. Noemy já era coroa e vestia-se de uma forma bem característica, com longas saias de tecido indiano, muitos colares, pulseiras e sandálias de couro cru. Seus compridos cabelos já estavam começando a branquear e eram amarrados numa espécie de coque, propositalmente mal preso.

Apesar do aparente desleixo, ela era bem perfumada e de maneiras finíssimas. Tinha uma voz doce e melodiosa que encantava a todos. Gostava de organizar, pessoalmente, os entretenimentos para os hóspedes. Cantava, tocava banjo, promovia bailes, jogos e gincanas, principalmente para os grupos com mais idade.

Batíamos longos papos e um dia perguntei-lhe qual o era o segredo para manter tanta vitalidade e entusiamo. Afinal de contas, pensava eu, era viúva e enfrentara uma barra pesada, com duas filhas para criar, além da responsabilidade de manter um hotel.

Era lá pelas quatro horas da tarde, intervalo em que os hóspedes costumavam tirar uma soneca, para alisar as rugas e ela, então, resolveu contar-me sua história. Sentou-se num sofá do hall, ajeitou os fios de cabelos que teimavam em escapar do coque e confidenciou-me: - João, eu não sou viúva... Aliás, não sou viúva, nem casada e nem solteira. Há cerca de vinte anos, meu marido saiu para comprar um quilo de linguiça e não retornou até hoje!

Enquanto ela retirava os enormes brincos indianos das orelhas, pude observar os rasgos ocasionados pelo uso contínuo daqueles pesados balangandãs. Assim, distraído, perguntei-lhe: - Mas, ele largou de você, foi isso?

Massageando, delicadamente, os lóbulos vermelhos, ela continuou:

- Não sei te dizer! Era naqueles tempos da ditadura, de prisões e perseguições e um tio meu, que era militar, procurou por ele até nas dependências do DOI-CODI e... nada de encontrar o homem!. Às vezes penso que juntou-se a alguma seita religiosa ou esotérica e deve estar em algum lugar dos Andes, mastigando coca com as lhamas...

Querendo esticar conversa, eu voltei a perguntar: - Mas, por que você pensa assim, ele era espiritualista, hippie?

- Mais do que isso, era completamente doido. Quando a gente começou a namorar, eu era bem novinha e fiquei encantada com as loucuras que ele aprontava. Filho único, seu pai era dono deste hotel, com muito dinheiro. O velho tinha o maior desgosto, já que o filho não assumia responsabilidade alguma. Só queria saber de farras e festas, onde a bebida e maconha rolavam soltas.

Apesar disso tudo, Noemy, definiu-me seu primeiro amor com boas expressões da época: - Era um pão, um verdadeiro pedaço de mau caminho!

- Como nossos parentes não queriam nosso casamento, optamos por fugir. Ele pegou um tanto de dinheiro e a Mercedes novinha do pai e lá fomos nós, estrada afora, rumo a São Tomé das Letras. Pelo meio da noite, paramos para descansar e ali, ele esvaziou uma garrafa de gin e fumou vários cigarros de maconha. Quando amanheceu, lá estava eu, desesperada e ele, em estado letárgico... até que a Polícia mineira chegou e levou-nos para a delegacia.

Acabaram por se casar, mas os pais não compareceram à Igreja. O sogro dela consentiu em deixá-los morar no hotel, em um pequeno apartamento, todo arrebentado, ao lado da cozinha. No mesmo dia do casamento, enquanto realizava-se a cerimônia religiosa, o velho resolveu trocar algumas telhas do apartamento. Quando os noivos e alguns amigos retornaram ao hotel, encontraram aquela balbúrdia...

- Meu sogro escorregou do telhado, caiu e quebrou o pescoço. Morreu na hora e nossa lua de mel foi no velório. Assumimos o controle do hotel, tivemos nossas filhas, vivemos relativamente felizes por oito anos, até que aconteceu o episódio da linguiça.

Muitos anos depois, conheci o Ariel, numa reunião esotérica, e estamos juntos até hoje. Sou vinte anos mais velha do que ele, mas nos amamos demais!

Mais tarde, ela apresentou-me ao Ariel, um rapaz bem alto, com cabelos lisos e compridos. Usava umas roupas esquisitas, com tiras de couro cru, penduradas no peito. Toda romântica ela perguntou-me: - Ele não é lindo? Parece até Jesus Cristo...

Olhando para aquele tipo diferente, eu pensei: "Tá mais pra índio comanche..." Em tom de brincadeira, cochichei para ela: -Esse daí nunca foi ao açougue?

Com uma gostosa gargalhada ela respondeu, orgulhosa: - Que nada! Ele é vegetariano, só come da minha horta...

Falando em horta, vou ensinar como se faz um cabrito assado:

PERNA DE CABRITO ASSADA: 1 pernil de cabrito novo, com ossos; 1 cebola grande; 2 ramos de alecrim; 3 folhas de louro; salsa e cebolinha desidratadas; 8 dentes de alho; 1copo de azeite de oliva, 1 copo de água; meia garrafa de vinho branco, seco; 1 limão grande; 1 vidro de molho inglês; bacon cortado em cubinhos; 3 colheres de manteiga; sal e pimenta do reino.

MODO DE FAZER: Com uma faca larga, faça talhos profundos em todo o pernil. Esfregue por toda a carne, o sal e a pimenta. Bata no liquidificador o suco do limão, a cebola, os dentes de alho, o louro, a água, o molho inglês, a salsa e a cebolinha. Jogue esse tempero batido sobre o pernil. Enfie em cada buraco feito com a faca, um cubo do bacon. Por último, besunte com o azeite e o vinho. Leve ao fogo a manteiga e os raminhos de alecrim e frite rapidamente. Despeje no cabrito e enrole a carne em papel alumínio. Asse por umas duas horas e meia. A cada meia hora, descubra o assado e regue-o com o molho que se forma na assadeira.

Sirva com batatas e brócolis, cozidos e ligeiramente dourados em manteiga. É uma delícia!

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*João Batista Gregório, 57, paulista de São João da Boa Vista, é cronista de mão cheia. Publicou, em 2009, suas crônicas reunidas em Crenças e Desavenças e já prepara um novo livro, a ser lançado em breve.
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http://contoscurtosgrandesreceitas.blogspot.com/ é o endereço do blog do JB, onde cada crônica pitoresca finda com uma receita culinária especial.
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