sábado, 18 de abril de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Oswaldo Lavrado

O MUNDO PAROU
Capítulo XXIV

INCÊNDIO NO EDIFÍCIO JOELMA

No dia 1º de fevereiro de 1974, uma sexta-feira, portanto, há 35 anos, o Brasil foi abalado por uma das maiores tragédias da história. O edifício Joelma, um dos maiores do país, localizado na Praça da Bandeira, na região central de São Paulo, ardia em chamas. 756 pessoas distribuíam-se pelos 25 andares do prédio. Um curto circuito em uma sala do 12º andar, iniciado por volta das 8 horas da manhã, deixaria o trágico saldo de 179 mortos e 300 feridos.O incêndio, não poderia ser diferente, mobilizou bombeiros, polícia, médicos, ambulâncias, imprensa e curiosos, muitos curiosos. Praticamente todos os veículos de comunicação da Grande São Paulo lá estavam e, claro, o Diário do Grande ABC também. A época, por absoluta falta de estrutura e de verba, quase nenhuma emissora ou jornal utilizava helicópteros e, assim, um batalhão de jornalistas de aglomerava diante do prédio em chamas. Como eu fazia parte da equipe de esportes do Diário, a tragédia do Joelma, então, não estava na minha praia. No entanto, como era um dos poucos repórteres que estava na redação às 8h da manhã, recebi ordem para largar minha pauta esportiva e ir para o Joelma. Lá já se encontravam pelo menos mais três ou quatro jornalistas e fotógrafos do Diário. Embora relutasse, a ordem do José Louzeiro (ele de novo) foi taxativa: "Vá e não discuta".
Numa Kombi em frangalhos - foi a condução que sobrou na redação – saímos para o local da tragédia, eu, o motorista Martins e o fotógrafo Antônio Carvalho, apelidado pelo João Colovatti de “Toninho Vitamina”, uma gozação, graças ao seu físico esquelético. No caminho para São Paulo disse ao fotógrafo: "Que diabos vou fazer lá se o local já está cheio de repórteres, inclusive do Diário?". No rádio da Kombi (funcionava, ufa), ouvi a notícia que vários helicópteros de empresas particulares sobrevoavam o prédio sinistrado, inclusive um da Pirelli, cuja sede administrativa era na Rua Barão de Piracicaba, em São Paulo, e a fábrica em Santo André. Dizia o repórter, que o piloto da aeronave e um engenheiro da Pirelli, ajudavam as pessoas no prédio em chamas. Então, o Antonio Carvalho sugeriu: “Lavrado, porque não vamos até a fábrica da Pirelli e você entrevista o piloto e o engenheiro?". Bingooo. Estávamos na Avenida Goiás, em São Caetano, e pedi ao motorista que desse meia volta e rumamos para a fábrica de pneus, em Santo André.
Já na fábrica, fui apresentado ao piloto e ao engenheiro, um italiano que não falava nem entendia uma só palavra em português. Mas não era ele que me interessava. Expliquei ao comandante do helicóptero o que queria e deixei-o falar, enquanto o habilidoso “Toninho Vitamina” procurava os melhores lances para as fotos. O piloto - cujo nome não me recordo, afinal são exatos 35 anos - disse que sobrevoava a cidade com destino a Santo André quando soube do incêndio no Joelma. Conduziu o helicóptero para lá e viu, no topo do prédio, uma dezena de pessoas gesticulando desesperadamente por ajuda. O piloto retornou à sede da Pirelli, encheu a aeronave com saquinhos de leite (à época ainda não havia embalagem longa vida) e, há poucos metros do prédio, atirava os saquinhos aos que estavam na laje. O objetivo, segundo o piloto, era que o pessoal ingerisse o leite para evitar a intoxicação provocada pela fumaça. Outro detalhe contado pelo piloto; ele não poderia se aproximar muito das pessoas porque, no desespero, alguns tentariam se agarrar nas hastes e, com o peso, derrubar a aeronave, aumentando a tragédia. Então, decidiram jogar o leite. Aí entra o inusitado: as pessoas se degladiavam para pegar os saquinhos - não havia leite suficiente para a quantidade de gente que estava no teto - e os que conseguiam pegar um, ao invés de beberem o leite, espalhavam o líquido pelo corpo na tentativa de aplacar o calor provocado pela fumaça e pelas chamas que se aproximavam. Segundo o piloto, o helicóptero da Pirelli fez umas cinco viagens com o leite. Não se sabe, ao certo, quantas pessoas que estavam no topo do prédio morreram ou se salvaram. No dia seguinte, todos os jornais estampavam em manchete o incêndio e suas consequências. As notícias, no entanto, eram praticamente iguais, com poucas variações. O Diário do Grande ABC, porém, mostrava o outro lado da tragédia, que inclusive mereceu, alguns dias depois, reprodução no Estadão e uma reunião da diretoria do Diário para analisar o trabalho da equipe. A matéria, menos de um quarto de página, recebeu rasgados elogios do então presidente do Diário, Edson Danilo Dotto, que inclusive destacou o nosso trabalho e do fotógrafo Antonio Carvalho.
Embora com quase dois anos e meio no Diário, na época da tragédia, este jornalista poderia, talvez, não ser mais considerado um foquinha, mas era neófito em matérias alheias ao esporte. No entanto, a convivência cotidiana com mestres, tipo José Louzeiro, Édison Motta, Josué Dias, Alessandar Jovanovic, Hermano Pini Filho, Ademir Médici, Daniel Lima, Renato Campos, João Colovatti e Juliano Morgado, entre outros, deram o impulso necessário ao repórter esportivo para ciscar com determinação em seara alheia.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista e radialista. Trabalhou no Diário do Grande ABC, rádio e jornal, e atualmente é editor do semanário Folha do ABC.
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