terça-feira, 22 de dezembro de 2009

NATAL, A FESTA QUE NÃO
.
.HOUVE PARA ESSA GENTE

O relógio na parede do quartel da 1ª Cia Independente de Bombeiros de Santo André está marcando 12 horas e dez minutos. O único ruído que se houve é de um rádio de pilhas dentro de uma cabine onde um soldado faz plantão ao lado do telefone. O quartel está bem iluminado e se pode ver uma carreira de caminhões vermelhos equipados para serviços. Sentado num desses caminhões, sozinho, está o sargento Sillos, comandante de prontidão na noite de Natal. O sargento Sillos é um homem baixo, forte e bem disposto. Dos seus 41 anos de idade, 10 já foram dedicados ao Serviço de Salvamento do Corpo de Bombeiros. Ele é quem mergulha, com qualquer temperatura, para retirar cadáveres ou localizar objetos no fundo dos rios. Mas também foi o homem que – apesar dos seus 105 quilos – emendou uma escada comum, de alumínio, à escada magirus para alcançar a cruz no alto da Igreja do Carmo e ali subir para trocar as lâmpadas que há muitos anos estavam queimadas. O sargento Sillos é o bombeiro que se acostumou a ver muitas coisas tristes, mas mesmo assim lembra com emoção do incêndio do Clube dos 28, em São Paulo, ocorrido durante um baile em 1953. Naquela noite ele viu a morte de 71 pessoas.
Recorda, ainda, neste mesmo ano, do choque entre dois bondes na esquina da rua Lavapés com Conselheiro Furtado, em São Paulo. Os passageiros, homens, mulheres e crianças, tinham que ser retirados dos destroços. Alguns gemiam muito. Outros já estavam mortos. E era dia de ano novo.
Dona Margarida é a esposa do sargento Sillos. Os filhos são quatro: Sidnei, de 15 anos; Sidmar, com 14; Sidmeire, de 12 e Sidval, com 6 anos. Ele nunca passou um Natal com sua família. Sempre participa de uma ceia com seus colegas no quartel. Acha isso muito triste e procura se conformar.
Caminha na noite pelo pátio do quartel silencioso, olha para a árvore de Natal iluminada que acende e apaga luzes coloridas. Ele é um bombeiro. Por isso sabe que alguma coisa está para acontecer.

Queridos amigos do Blog do Edward de Souza:
O texto acima foi a primeira parte de uma reportagem que produzi rodando por Santo André na noite de Natal de 1969. Ao meu lado, o então iniciante e hoje famoso fotógrafo Pedro Martinelli. A matéria foi publicada três dias depois, no “Diário do Grande ABC” de 27 de dezembro, com o título “Natal, a festa que não houve para essa gente”. Com ela, tirei primeiro lugar num concurso de reportagens promovido pela Prefeitura de Santo André, com o patrocínio de um banco. Com a grana, 500 cruzeiros novos, a moeda de então, paguei metade de um Gordini usado que comprei em sociedade com meu irmão, o Rubem Mauro, também jornalista e escritor, e que era o “secretário de redação” do Diário, cargo que hoje corresponde ao de editor-chefe. Nossa redação era na famosa “casinha”, na rua Catequese. A matéria foi longa. Escolhi aqui para o blog só a primeira parte. Mas eu contava também sobre Lázaro, um taxista; Ramon, um policial civil de plantão na delegacia; sobre o casal Dirceu e Antonia, garçons; e dona Lucila, enfermeira do Pronto Socorro de Santo André.
Não tenho a menor idéia onde possam estar todos eles hoje. O sargento bombeiro Sillos estaria com 81 anos. Desejo muito que ainda vivo, com saúde e feliz. Foram meus heróis numa noite de Natal que ajudou a sedimentar minha carreira e se tornou inesquecível em minha vida. Como eles, eu também estava trabalhando, com o dedicado e vibrante Pedrão. Percebam, são 40 anos depois. Não me perguntem da minha emoção, naquela noite e hoje. Por mais que tentasse, seria impossível contar. Feliz Natal a todos!

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*Milton Saldanha, 64 anos, é jornalista e dono de notável memória, que adora manter sempre viva.
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