sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

SAUDADES

DOS ANTIGOS CARNAVAIS


Velhos carnavais. Moreninhas, loirinhas e mulatas do Brasil. Belas em suas fantasias, rodopios no salão. E que dizer das marchinhas? Ingênuas umas, provocativas outras. O que valia era a alegria contagiante, os galanteios, o convite matreiro em busca da dama de vermelho, da colombina, os cochichos no meio da folia e uma inocente lança-perfume para espargir cheiro bom. Breves intervalos para refrescar a boca com cuba-libre e retomar o ânimo para nova maratona.

Onde foi parar o romantismo de outrora? Onde estão os fanáticos de Momo, a participação popular na qual se viam misturados foliões de todas as categorias sociais? Por que não mais participar? Por que a mudança de hábito? Carnaval teria virado apenas espetáculo destinado a fria platéia que vê de longe e nem cantar sabe? Vamos lá, minha gente, que é tempo de recordar e viver.

Vai ter quem reclame, por certo, da postura saudosista. Mas nem por isso vou deixar de dizer, com bastante ênfase, que os carnavais de outrora, dos bons e irrecuperáveis anos 60, eram infinitamente mais joviais e prazerosos.

O carnaval, sempre foi a mais democrática das festas, bastava se enrolar numa toalha ou o folião colocar o vestido da irmã ou da mãe e sair requebrando por aí. Os bailes nos clubes eram concorridíssimos, predominando belas fantasias na esperança de serem premiadas na última noite. Havia prêmios para o mais animado, para a fantasia mais bonita, para a mais original e para o bloco - sempre havia vários - que mais se destacavam. A alegria rolava solta nos salões decorados com esmero, na base da serpentina, balões, máscaras, figuras de cartolina a até bonecos sustentados em estruturas de madeira, com farto emprego de papel machê, tinta, algodão e lantejoulas. A esmagadora maioria dos foliões, incluídas aí famílias inteiras, fazia dos clubes o centro preferencial de diversão no chamado “tríduo momesco”. Naqueles tempos nenhum carnavalesco que se prezasse abria mão de trazer ao alcance, para pronto uso, o seu tubo de lança-perfume marca Rodouro, de alumínio bronzeado, fabricado pela Rhodia Química de Santo André. Tinha também os de vidros. Borrifar com jato de perfume uma conhecida equivalia a uma saudação amistosa.
Alvejar os cabelos ou o colo de uma jovem com um esguicho, acompanhando a cadência bonita do samba, representava uma forma galante de exprimir simpatia e afetividade. Ficava-se a aguardar pelo esguicho de volta, um sinal promissor de correspondência. A bisnaga perfumada era considerada, assim, imprescindível dentre os apetrechos carnavalescos. Tanto quanto a fantasia, o confete, a serpentina. Entrava e saía Carnaval, e de nenhuma voz autorizada se fazia ouvir qualquer tipo de advertência relativa à insuspeitada toxidade do produto. Não passava pela cabeça de qualquer folião a “extravagante” idéia de que o lança-perfume pudesse, em algum momento, ser equiparado a drogas da pesada, capaz de provocar dependências químicas. A visão que dele se tinha, de modo geral, era de um brinquedo divertido, para adultos e crianças. Nas matinês, a meninada trazia pendurado na cintura ou preso nas mãos o seu tubo de lança-perfume. Jogar perfume, confetes e serpentinas nos outros tinha tudo a ver com o espírito da festa. Infelizmente, acabou nosso Carnaval em salões, desapareceram as velhas marchinhas, ninguém passa mais brincando e cantando feliz: “Ai, ai, ai, ai... Tá chegando a hora, o dia já vem raiando meu bem, eu tenho que ir embora”.

Hoje em dia a certeza de que as escolas de samba do Rio e São Paulo podem ensinar tudo, menos samba. Cada ano as agremiações se afastam mais de suas raízes, do samba no pé e partem para espetáculos elaborados que mais parecem superproduções de Hollywood em vez do ritmo nascido nas favelas e becos das grandes cidades. Tudo começou a mudar nas escolas com a chegada da figura do carnavalesco, essa espécie de ditador que planeja desde as cores da fantasia ao tamanho do carro alegórico que vai desfilar. Normalmente, não são pessoas da comunidade, mas profissionais de cenografia ou arquitetura que usam a avenida para dar vazão aos seus sonhos com enredos que parecem mais teses de Mestrado pela sua elaboração e pelo distanciamento da realidade onde as escolas estão encravadas.

E, melancolicamente, vemos as escolas passando, shows espetaculares de luzes e néon, baianas de plástico, alegorias monstruosas, enredos delirantes, tudo longe, bem longe do samba de quintal que originou a mítica das escolas e que era sua razão de ser, até descobrirem que Carnaval também pode gerar dinheiro e poder. Nos corações, saudades e cinzas dos velhos e bons carnavais. Foi o que restou...
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*Edward de Souza é Jornalista e radialista. Trabalhou em vários jornais, emissoras de rádio e tv do Grande ABC e de São Paulo. Medalha João Ramalho, principal comenda do município de São Bernardo do Campo, outorgada pela Câmara Municipal daquela cidade pelos relevantes serviços jornalísticos prestados à região. Troféu PMZITO, entregue pelo alto comando da Polícia Militar de Santo André por ter se destacado como o melhor repórter policial do ABC nos anos 70. Menção Honrosa entregue em 2007 pela Câmara Municipal de Franca e outra pelo Rotary Clube Norte pela atuação brilhante na radiofonia e jornalismo da cidade. Participou de diversas antologias de contos e ensaios. Assina atualmente uma coluna no Jornal "O Comércio da Franca", o mais antigo jornal do interior, com 95 anos de atividades.
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