sábado, 4 de julho de 2009

MEUS INESQUECÍVEIS ANOS DOURADOS

J. MORGADO
"Eu era feliz e não sabia"
*
Minhas primeiras lembranças de um passado longínquo são de um pequeno garoto puxando uma velha panela através de uma cordinha. A caçarola cheia de terra vermelha era levada de um lugar para outro. A rua? Arapuá, no Jabaquara, em São Paulo. Outra, provavelmente anterior a essa, era eu empinando uma “capucheta” (uma espécie de pipa feita com jornal) nos fundos de minha casa na Av. Diederich, também naquele bairro paulistano. A partir daí as lembranças são mais fortes e sucessivas. “Jogo de botões na calçada”, como na música de Ataúlfo Alves, brincadeiras de roda, de esconde/esconde, mão na mula, jogo do bafa, realizado com as figurinhas das balas de futebol. As travessuras eram constantes. O estilingue era uma arma terrível nas mãos da molecada da época.
O Jabaquara na década de 1940 possuía muito campos e capões de mato além de matas virgens preservadas. Era um paraíso, comparado a selva de pedra de hoje. Aves canoras, hoje extintas ou em extinção eram abundantes. Pintassilgos, canários da terra, pixoxós, coleirinhas... Geralmente as tardes eram dedicadas ao futebol em campinhos improvisados. Espaço não faltava. Bolas de meia. Bolas de capotão? Eram raras! E quando aparecia, o dono dela mandava no time. “Eu era feliz e não sabia”, disse Ataúlfo.
E o calor? Um convite para a turma se refrescar no “podrão”, um pequena represa formada em uma depressão artificial e alimentada por um riacho cristalino. O mesmo riacho que irrigava todas as chácaras de verduras (e eram muitas) na região. Os garotos, todos nus, mergulhavam naquelas águas e se divertiam. Uma vez, minha e outras mães apareceram de surpresa e recolheram todas as nossas roupas. Foi um “Deus nos acuda”. Salvem-se quem puder! As sovas foram o prato do dia! Mas, ninguém desistiu do “podrão”. Houve mais cautela e as mamães não mais conseguiram nos pegar.
Bolinhas de gude, temporada dos balões nas festas juninas... Festas juninas... Quase dois meses de intensos divertimentos. Sim quase dois meses! Em meados do mês de maio, os balões já eram vistos aos milhares nos fins de semana nos céus de São Paulo. Os portugueses radicados no bairro (e eram muitos) competiam entre si no aprimoramento da melhor festa. Santo Antonio, São João e São Pedro, eram e são os santos festejados e seguiam as tradições herdadas da “terrinha”. Pau de sebo com muitos prêmios para quem conseguisse alcançar o topo, grande fogueiras, quitutes da época e música, muita música, não faltando o gênero português. “Eu não sei pra que a gente cresce”, o Ataúlfo outra vez...
No meu primeiro dia na escola, tudo era estranho, esquisito! Mas criança é criança, logo se enturma. Minha primeira professora era uma senhora de meia-idade, Dona Amélia. Interessante, esqueci o que comi ontem e não esqueço o nome de minha primeira professora e já se passaram quase 70 anos. Para chegar à escola (particular) eu caminhava quase dois quilômetros por locais desertos. Nunca me aconteceu nada e não me recordo de ter acontecido algo ruim com qualquer outro garoto. Bons tempos...
Eram comuns na época escolas particulares com uma só sala. Os três primeiros anos do ensino fundamental eram ensinados dessa forma e como funcionava! O último ano (o quarto), a criança era encaminhada para o grupo escolar mais próximo para obter o diploma. Assim aconteceu comigo em 1945. Fiquei apenas alguns meses na escola de Dona Amélia. Meu pai conheceu o Professor Otávio, proprietário da Escola Paroquial São Judas Tadeu, e lá fui eu de malinha, tabuada e cartilha...
Os gibis foram minhas primeiras leituras. Gibi Mensal, O Globo Juvenil, Guri (cômico e mensal), Lobinho, além do tradicional Tico-Tico. Essas revistas entre outras, da época, valem hoje uma fortuna cada exemplar nas mãos de colecionadores. O meu e outros pais proibiam a leitura dessas revistas em quadrinhos. Os padres da época diziam que era pecado ler gibis. A molecada lia escondido. Os mais velhos emprestavam para os mais jovens e assim íamos aprendendo a ler e adquirindo cultura, apesar do preconceito bobo.
As professoras da época (pelo menos no meu caso e na minha escola) encaminhavam os alunos para uma leitura sadia. A biblioteca era dirigida para crianças até a adolescência. Ali travei conhecimento com Monteiro Lobato, Julio Verne, entre outros. Também li contos de fadas e fábulas.
Naquela época, não sei de onde vinham determinadas modas. De repente, a vez era colecionar tampinhas de garrafas (marcas diferentes), outras, cartelas vazias de maços de cigarros, bolinhas de gude coloridas estrangeiras (melosinhas como eram chamadas). Ah! E os circos e os parquinhos? Era uma verdadeira festa quando se instalavam na região. Geralmente, nas proximidades da Igreja São Judas Tadeu. “Eu era feliz e não sabia”, sábias palavras do saudoso Ataúlfo Alves.
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*J.Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. Morgado escreve quinzenalmente neste blog, sempre às sextas-feiras. E-mails sobre esse artigo podem ser postados no blog ou enviados para o autor, nesse endereço eletrônico:
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