terça-feira, 28 de abril de 2009

LULA: PRÍNCIPE DA ABERTURA DE GOLBERY

Édison Motta
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INÉDITO
NOS BASTIDORES DAS GREVES

Abertura política lenta, gradual e segura. Com este mote, o general Ernesto Geisel assumiu a presidência da República em 15 de março de 1974. Sucedeu ao general Emilio Garrastazu Médici, em cujo governo – 1969 a 1974 – ocorreu a maior repressão àqueles que eram considerados inimigos da “revolução”, ou seja, do golpe militar que em 1964 destituiu o presidente João Goulart.
A maior dificuldade de Geisel para devolver o país ao regime democrático não se encontrava no mundo exterior à caserna. Seus maiores oponentes eram integrantes da outra ala militar conhecida como “linha dura”. Geisel, amigo próximo de outro general, Golbery do Couto e Silva, criador do Serviço Nacional de Informações e Chefe da Casa Civil durante seu governo, fazia parte do grupo que se uniu em torno do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco no movimento “revolucionário” de 1964. Este agrupamento conspiratório era conhecido como pessoal da “Sorbonne”. Pessoas com formação intelectual e afeitas ao regime democrático mesmo que, para assegurá-lo, fossem necessárias medidas profiláticas baseadas na força das armas.
Ao retirar o poder de Goulart, os militares pretendiam – como se anunciou à época – fazer uma “limpeza” na vida pública do País, afastando a tendência de incorporação do Brasil ao movimento comunista internacional – durante os anos da “guerra fria” – ao qual Goulart mostrava-se simpático. Pretendiam, também, combater a corrupção e encerrar a carreira de políticos populistas que, com uma mão acenavam para o povo e, com a outra, locupletavam-se dos cofres públicos.
Os governos anteriores de Arthur da Costa e Silva (1967-1969) e Médici haviam se encarregado da “faxina”. Desmontaram a estrutura sindicalista criada por Getúlio Vargas, pelo seu Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB e incorporada, na clandestinidade, pelo Partido Comunista Brasileiro além de outras facções simpáticas ao comunismo internacional. Centenas de líderes de trabalhadores foram presos, interrogados e tiveram seus mandados cassados. A partir do Ato Institucional nº. 5, que deu plenos poderes autoritários ao presidente da República, a prioridade dos governos Costa e Silva e Médici foi desmontar a máquina de entidades com fachada trabalhista que quase conseguiu, com Goulart, instalar uma república sindicalista no País.
Em 1974 Luis Inácio da Silva, chamado pelos amigos por Lula, era diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Conheci-o nesta época na condição de correspondente do Jornal do Brasil no ABC e editor do Diário do Grande ABC.
O sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo sofrera uma intervenção no período anterior a Lula. Afastados os comunistas, elegera-se Paulo Vidal o homem que, efetivamente, deu um grande impulso à construção do novo sindicalismo do qual Lula seria mais à frente, como seu sucessor, o grande beneficiário. Paulo Vidal, assim como Lula, nunca foi comunista. Ao contrário, exigia que somente os trabalhadores sindicalizados votassem nas assembléias e, para tanto, exigia que os presentes apresentassem o documento – carteira sindical – que os habilitassem.
Através do governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins, o “mago” da ditadura – general Golbery - procurava abrir portas para o processo de abertura anunciado por Geisel. Nos bastidores, longe dos holofotes da imprensa – que, aliás, vivia sob censura – Paulo Egydio “costurava” relações com os diversos setores da sociedade civil, inclusive com Paulo Vidal. No meio deste processo, quando os entendimentos entre o representante do regime e o dos trabalhadores amadurecia, um fato novo muda o rumo da história: a empresa à qual Paulo Vidal era vinculado mudou-se para Mauá. Estava fora, portanto da abrangência territorial do sindicato de São Bernardo e Diadema. Num só golpe, perpetrado sabe-se lá por quem além dos donos da metalúrgica, os entendimentos entre Egydio e Paulo Vidal caem por terra. Impõe-se a necessidade de eleger um novo presidente para o sindicato. Lula, a esta altura um cativante companheiro de diretoria, foi indicado para compor a chapa de novos diretores. Não como presidente, porque tal função deveria ser exercida por um outro diretor, mais antigo, conhecido por “Lulinha”. Mas eis que o destino prega suas peças e Lulinha morre, num acidente automobilístico, dias antes da eleição. De última hora, reúnem-se os diretores e indicam Luiz Inácio para a presidência, com o compromisso de que, durante o próximo mandato, Lula – que praticamente nada entendia de política sindical – seria assessorado por Paulo Vidal. A eleição acontece e Lula toma posse como presidente numa cerimônia que conta com a participação do governador Paulo Egydio Martins. Os entendimentos de Paulo Egydio prosseguem com Lula. O governador faz a doação de um grande terreno, em São Bernardo, para construção de um clube de campo dos metalúrgicos e cede, também, uma imponente colônia de férias, no Guarujá, anos depois assumida pela associação de funcionários do Banespa. O autor deste relato acompanhou, pessoalmente, todos esses episódios. E mais: criou, no Diário do Grande ABC, uma coluna denominada “movimento sindical” onde apareceram, juntamente com matérias do Jornal do Brasil, as primeiras linhas publicadas na imprensa sobre o dirigente sindical, hoje presidente da República.
Em 1978, Lula e a diretoria do sindicato é colhida de surpresa por um movimento espontâneo, liderado pelo então sindicalista Gilson Menezes, que entra na fábrica de caminhões Scania, em São Bernardo e cruza os braços. O movimento chama a atenção de toda a imprensa, do país e do exterior de vez que as greves estavam terminantemente proibidas pelo regime militar. Rapidamente, na medida do possível, os diretores do sindicato assumem o comando do movimento, negociam com a empresa e conseguem uma espetacular vitória, com aumento de salários e sem demissões. O restante do ano de 1978 e o começo de 1979 são dedicados à preparação daquela que seria conhecida como a principal greve do movimento trabalhista do país: a dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema que reuniu multidões no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo.
O estádio de futebol foi cedido pelo prefeito Tito Costa, do PMDB, a pedido de Lula, com intensa participação do autor deste relato, então assessor do prefeito e correspondente do JB. Uma decisão corajosa de Tito Costa que afrontava a “linha dura” do regime militar, mas que acabou consentida pelo presidente Geisel. Foi do palanque armado pela Prefeitura na Vila Euclides que Lula projetou-se para o Brasil e para o mundo. Naquela época, a imprensa internacional dava destaque a dois personagens: Lech Valeska e o seu sindicato solidariedade liderando uma greve no estaleiro de Gdansk, Polônia e ao pernambucano Lula da Silva, em São Bernardo.
A greve de 1979 durou 14 dias. No final, metalúrgicos e Fiesp assinaram um acordo que rendeu significativo aumento salarial aos trabalhadores e reverteu a demissão dos líderes. Um movimento vitorioso: para os trabalhadores que conseguiram seus objetivos – embora muitos desejassem mais – e para criação do caldo de cultura da greve de 1980, que durou 41 dias. Este último, um movimento predominantemente político. Que provocou intervenção no sindicato, prisão de Lula, dos diretores da entidade e serviu para ampliar a visibilidade de Lula e para a formação do Partido dos Trabalhadores que tanto interessava a Golbery e ao pessoal da “Sorbonne”. O “bruxo” conseguiu matar dois coelhos com uma só cajadada: criou o pluripartidarismo, dividiu as oposições até então encasteladas no Movimento Democrático Brasileiro, MDB e construiu o principal obstáculo para impedir a chegada de Leonel Brizola – o principal inimigo da “revolução” - ao comando da República. Dez anos depois, em 1989, Lula - e não Brizola, que ficaria em terceiro lugar no primeiro turno - disputaria o segundo-turno das eleições presidenciais.
O primeiro de maio de 1979, comemorado no Paço Municipal de São Bernardo do Campo, com a presença de Lula, D.Cláudio Hummes, Vinicius de Moraes, artistas, intelectuais, estudantes e trabalhadores foi, sem que soubéssemos, um marco exponencial da distensão lenta, segura e gradual do presidente Ernesto Geisel, resultante da fantástica maquinação de seu “bruxo” Golbery do Couto e Silva.

*Édison Motta, jornalista e publicitário é formado pela primeira turma de comunicação da Universidade Metodista. Foi repórter e redator da Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil; editor-assistente do Estadão; repórter, chefe de reportagem, editor de geral (Sete Cidades) e editor-chefe do Diário do Grande ABC. Conquistou, com Ademir Médici o Prêmio Esso Regional de Jornalismo de 1976 com a série “Grande ABC, a metamorfose da industrialização”. Conquistou também o Prêmio Lions Nacional de Jornalismo e dois prêmios São Bernardo de Jornalismo, esses últimos com a parceria de Ademir Médici, Iara Heger e Alzira Rodrigues. Foi também assessor de comunicação social de dois ministérios: Ciência e Tecnologia e da Cultura. Atualmente dirige sua empresa Thomas Édison Comunicação.