segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

DOMINGO, 27 DE FEVEREIRO DE 2011



Deixei o prédio da TV Tupi pouco antes das 11 horas da manhã, com a certeza de que jamais receberia um telefonema de Walter Foster. Não fui submetido a nenhum teste e não consegui mostrar a ele minhas qualidades profissionais. Não estava abatido por isso, ao contrário. Em meu bolso trazia uma lista com nomes de outras emissoras de rádio de São Paulo. Era preciso continuar, sem desânimo. Afastar escombros e seguir adiante. Agir com entusiasmo. Entusiasmo como paixão. Entusiasmo como motivação. Entusiasmo como ferramenta destinada a atingir as metas propostas. Tinha em mente que para obter os louros da vitória seria necessário superar dificuldades, reunir as forças interiores, manter a chama da confiança e prosseguir com determinação.

A primeira emissora que constava em minha lista, que eu visitaria depois da TV Tupi, era a Rádio América, cuja administração, três anos antes, em 1967, foi assumida pelos Padres e Irmãos Paulinos. A Rádio América estava em um prédio próprio, localizado na Rua Dr. Pinto Ferraz, na Vila Mariana, onde continua até os dias de hoje, agora com o nome de Nova Canção e dirigida por um grupo religioso. Nesta emissora de rádio trabalhava um francano, Adilson Machado, que eu não conhecia pessoalmente, mas como conterrâneo poderia dar-me uma força, acreditava. Antes de chegar a Rádio América, passei pela loja de calçados que pertencia a um tio, Antonio Leite, já falecido, na Domingos de Morais, Vila Mariana. Almoçamos juntos. Contei a ele meus planos e recebi conselhos e o seu apoio para seguir em frente sem desanimar nunca.
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Pouco mais de 13 horas cheguei ao prédio da Rádio América. Uma agitação enorme acontecia na portaria e eu mal conseguia aproximar-me. Os cantores Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa estavam fazendo uma visita a um programa de rádio, fui informado minutos depois. Por causa do tumulto de fãs que buscavam autógrafos dos cantores famosos, que faziam sucesso enorme junto a jovem guarda da época, demorou para que eu fosse atendido. Uma jovem de sorriso cativante aproximou-se. Disse a ela que eu estava a procura de um radialista, meu conterrâneo. Identifiquei-me e recebi um crachá, sendo encaminhado para uma confortável sala de espera.

Enquanto aguardava ser atendido, nuvens de saudade passeavam pelo céu da memória, formando desenhos de lembranças. Transportaram-me ao ano de 1966. Jovem locutor da Rádio Difusora de Franca, depois de apresentar o meu programa da tarde, estava na discoteca da emissora, ao lado da amiga Juracy Corrêa Dias, responsável por toda a programação musical. Dona de uma maravilhosa voz, Juracy exercia ainda as funções de radialista e atriz de radionovela, sempre com o papel principal feminino. Abria para mim uma exceção. Deixava que eu escolhesse as músicas que queria tocar em meus programas.

Pouco antes das 18 horas, um senhor bem vestido, trajando terno da cor azul forte - usava na época - e com cartazes debaixo dos braços, depois de um leve toque na porta da discoteca, solicitou licença. Queria urgentemente falar com o responsável pela rádio. Eu o acompanhei até a sala do gerente, mas ele já tinha ido embora. Este senhor lamentou-se, tinha pressa, estava num hotel da cidade, Hotel Francano, já demolido, e trazia uma proposta de interesse para a emissora. Abriu um dos cartazes e mostrou-me as fotos de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, ídolos da jovem guarda que jamais tinham visitado Franca. Roberto Carlos estourava na praça com a música “Quero que vá tudo pro inferno” gravada no final de 1965, um dos maiores hits de toda sua carreira. Febre nas rádios brasileiras, essa música elevou Roberto Carlos a condição de fenômeno musical no país.

Percebendo que o elegante senhor pretendia promover um show com os cantores em Franca, eu o convidei a tomar um aperitivo no boliche da cidade, que ficava perto da rádio. Se eu o deixasse ir, certamente levaria a oferta para a emissora concorrente. Para minha satisfação ele concordou, estendeu-me a mão e disse chamar-se Sergio, secretário de Roberto Carlos. Convidei o saudoso amigo radialista, Costa Junior (foto acima), um dos mais antigos da Difusora, a nos acompanhar. Depois de uma boa conversa no boliche, mesmo sem a presença do gerente da rádio, fizemos uma proposta ao Sergio. Caso ele aceitasse trazer os ídolos da Jovem Guarda a Franca, poderíamos convencer Luiz Carlos Facury, gerente da emissora, a aceitar promover este show se a bilheteria do evento fosse dividida, 50 por cento para cada parte. Depois de pensar e tomar mais alguns chopes, Sergio concordou. Mais ainda. Além de Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa, garantia a presença dos cantores Ary Sanches, Jean Carlos (cantor cego) e Mary Pavão. Acertamos um encontro com o Sergio no dia seguinte, 10 horas da manhã na rádio e levamos alguns cartazes.

Logo cedo eu estava na Difusora, eufórico, imaginando ter a honra de apresentar em Franca os maiores ídolos do Brasil na época, mas sabia que para isso teria que convencer o gerente da rádio. Não foi fácil, lembro-me bem. Fiz de tudo, com a ajuda do Costa Junior, só faltou chorar. Facury não estava disposto a assumir essa responsabilidade, deixara isso claro, mesmo com a renda dividida. Nisso chegou o Sergio. Entrou na sala da gerência e o apresentamos ao Facury, sem esperanças que um acordo positivo pudesse ser selado.

Uma conversa de alguns minutos e Sergio, estendendo um contrato, perguntou ao gerente: “se aceitar a proposta, marcamos a data, basta assinar aqui”. Facury segurou a caneta e ia deixá-la de lado, quando exclamei, quase implorando: “por favor, assine”. O gerente ergueu os olhos me encarando, percebeu que se recusasse deixaria frustrado por toda uma vida aquele jovem locutor que ele havia introduzido com sucesso na radiofonia da cidade. Balançou a cabeça e antes de assinar, ordenou: “assino, mas vocês tomam conta disso”, jogando para nós a responsabilidade, prontamente aceita. Foi o dia mais feliz da minha vida!

Uma propaganda nunca vista antes em Franca foi feita, com chamadas na rádio e cartazes distribuídos por toda a cidade. Sergio vinha sempre, para fiscalizar os preparativos. No dia marcado para o show, as ruas próximas ao Clube dos Bagres, local do evento, estavam apinhadas de gente. Maria Abadia (foto), funcionária do escritório da Difusora comandava as bilheterias, fiscalizada atentamente pelo Sergio e outros funcionários. Nos bastidores eu aguardava a chegada dos cantores. Eu e Costa Junior estávamos preparados para apresentá-los.

A chegada dos cantores, ocupando vários carros, foi marcada por um tumulto, corre-corre e gritaria. Fomos apresentados a eles nos vestiários do ginásio, onde ficariam alojados. Roberto Carlos, de imediato, exigiu que a segurança fosse redobrada, caso contrário, ameaçava não se apresentar. Tomamos todas as providências exigidas e o deixamos tranquilo. Naquele show, Roberto Carlos lançaria a bota “Calhambeque”, produzida pela fábrica Saméllo, uma das maiores de Franca, conhecida internacionalmente até hoje. Depois, a bota seria levada para o programa Jovem Guarda, da TV Record de São Paulo e usada pelo cantor. Aborrecido quando “Vadinho” Saméllo lhe entregou nos bastidores a bota do pé direito para experimentar, Roberto Carlos despistou e reclamou: “não foi essa a cor que pedi, faça outra e despache para São Paulo”. Atirou a caixa com as botas em minha direção. Número 41, o mesmo que calço. Fiquei com elas, Vadinho concordou e deu-me o presente.
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O Show, com o nome “Festa de Arromba”, alusão a uma música de sucesso na época, cantada por Erasmo Carlos, foi um sucesso. Costa Junior e eu revezamos na apresentação. Fiquei com o privilégio de apresentar Roberto Carlos, o último cantor da noite (foto acima). O ginásio quase veio abaixo, assim que o cantor surgiu no palco. Um show inesquecível. Naquela mesma noite aceitei o convite feito por Sergio, o secretário de Roberto Carlos, para apresentar outro show, na sequência, que aconteceria em Ribeirão Preto, Cava do Bosque. Com o cachê alto no bolso, segui com a comitiva, tendo Erasmo Carlos como companhia no carro. Jantamos já de madrugada em Ribeirão Preto, fiquei com eles no mesmo hotel e voltei no dia seguinte para Franca. Poderia ter continuado apresentando shows do grupo, mas tinha que seguir minha carreira, por isso não aceitei a proposta feita por Roberto Carlos e seu secretário.

A gritaria que se fez ouvir nos corredores da Rádio América interrompeu minhas lembranças. Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa estavam indo embora. Passaram próximos, mas não me viram, empurrados por vários seguranças e ainda pelos fãs ensandecidos. Nisso, a jovem e bonita secretária da Rádio América se aproximou e avisou-me que em 5 minutos eu seria recebido pelo conterrâneo de Franca...
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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista.
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Acompanhe o terceiro capítulo de “O dia em que gravei o Jornal Nacional", amanhã,
terça-feira.
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