sábado, 25 de dezembro de 2010

QUINTA-FEIRA, 23 DE DEZEMBRO DE 2010

A vida são deveres, que nós
trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já é Natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, passaram-se 50 anos!
A vida e o relógio - Mário Quintana
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Cada ano que termina traz consigo esse sentimento de urgência, a que o poeta se refere, de que o tempo está se esvaindo cada vez mais rápida e definitivamente. Teriam as Moiras, por acaso, acelerado o seu fiar? Deusas da mitologia grega, Cloto, Láquesis e Átropos, as Moiras eram três irmãs encarregadas de fiar os dias da vida, do nascimento à morte. Filhas do Destino, a elas cabia cuidar do curso da vida e da morte, de homens e deuses, bem como do quinhão de atribulações a cada um reservado. Poderosas, nem Zeus questionava-lhes as decisões. Trabalhavam juntas, mas cada uma tinha o seu próprio que fazer. Cloto, a fiandeira, tecia o fio da vida. Láquesis o puxava, enrolava e distribuía, cuidando de sua extensão e do caminho a ser percorrido. A Átropos, a implacável, cabia cortá-lo, determinando assim, o fim da existência terrena, quando esta entendia que o instante era chegado.

Certamente, trabalharam muito em 2010, ano que, mesmo antes de começar, estava fadado a escorregar apressado, como areia fina pelo gargalo estreito da antiga ampulheta. Lá se vai, ligeiro como chegou. Não se imaginava, contudo, que viesse tão nervoso, atribulado, esparramando águas, chacoalhando a terra tantas vezes, trazendo estragos, causando perdas e muitos danos, indistintamente. Um velho vulcão que se acreditava extinto, como canta uma canção romântica, voltou a botar fumaça pela boca, de modo nada romântico, provocando medo, pânico, impedindo pessoas de se locomoverem. O vazamento de uma plataforma de petróleo no Golfo do México acabou sendo estancado, não sem antes, entretanto, ter provocado estragos e prejuízos imensuráveis. Coisas de Láquesis, diria Homero.
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Como se esse furor todo não bastasse, após um desabamento, mineiros ficaram presos a uma profundidade de 700 metros na Mina San José, no norte do Chile. O consolo, neste último caso, foi vê-los, um a um, serem resgatados do ventre da terra à luz do dia, trazendo aos corações a esperança de novos e melhores dias. A vida é tão rara, como canta Lenine, merece ser vivida e, principalmente, preservada. Porque o cordão com que sua trama é tecida, delicado e frágil como cristal, pode se romper ao menor abalo. Ao menos neste caso, teve Átropos de adiar sua intervenção.

Tremores, temores, chuvas e vulcões, circunstâncias fora de nosso controle, contudo, não impediram a marcha de nossos dias, de nossos projetos. Nossos deveres, trazidos pela vida, pelo trabalho, exigiram coragem, paciência, esperança, esforço e dedicação. Aliás, na grande maioria das vezes, sem ofensa às fiandeiras, não é o destino que importa, mas sim o nosso sonho e o tamanho de nossa vontade de concretizá-lo. O querer fazer, o querer mudar, são ambos um estado de espírito. E isto é escolha, decisão de cada um de nós.
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Em suas memórias, Shirley Temple escreveu que deixou de acreditar em Papai Noel quando um dia, ainda criança, o Papai Noel de uma loja de departamentos lhe pediu um autógrafo. Diferentemente dela, continuo acreditando na magia do Natal e na força de um desejo, de um sonho, de uma estrela que se busca. O Natal tem essa coisa maravilhosa de despertar a criança adormecida dentro de nós, de trazer nossos sonhos de volta. E o homem é um gênio quando está sonhando, segundo Kurosawa. Brasília é prova concreta disso. Resultado do sonho grande de um grande homem, nossa capital comemorou este ano seu aniversário de 50 anos. Quando se vê, passaram-se 50 anos.

E quando se vê, já é Natal outra vez, quando se vê, já terminou o ano. Luzes e sinos iluminam, embalam a cidade. Deveres feitos e entregues aguardamos agora a colheita de frutos maduros, oxalá, também doces. Tomara que o novo ano venha sereno, trazendo a paz de dias dourados. Tomara que o Papai Noel nos devolva a criança que um dia fomos e, para o novo ano, tomara que as Moiras nos dêem uma trégua. Bem merecida. Ainda mais porque, afinal, há sempre uma esperança que brota do fundo da terra, do fundo de nós mesmos.

.Agradecemos, cordial e fraternalmente, pelo caminho que juntos percorremos em 2010 e, com muita satisfação e alegria, desejamos a todos e todas Boas Festas! Feliz Ano Novo!