quarta-feira, 15 de setembro de 2010




Fausto Polesi apareceu, como sempre, como meu anjo salvador. Era o ano de 1993. Por sua indicação, fui contrato para chefiar a reportagem do serviço de comunicação social da Prefeitura de Mauá, setor no qual já tinha uma boa experiência. Ainda no início de carreira, quando começava a trabalhar no Estadão, prestei assessoria para a Prefeitura de São Caetano do Sul, na época comandada por Oswaldo Samuel Massei e, meses depois, para a Prefeitura de Santo André, cujo prefeito era o médico Newton Brandão, aquele meu padrinho dos dois casamentos e que me demitiu as duas vezes da Prefeitura e, mais tarde, alegou estar atendendo aos meus pedidos, conforme informaram seus assessores mais diretos.

Durante dois anos vivi razoavelmente e chegava a ajudar nas despesas de casa. Mas nada de economizar. Gastava o que tinha, sem pensar que, talvez, futuramente, fosse precisar de dinheiro para qualquer emergência, como tratar de uma doença. Gastei, sim, para extirpar a hemorróida. Como não tinha plano de saúde, contribui com o que tinha para a execução da cirurgia pelo médico Paulo César Ribeiro, um dos mais conceituados proctologistas brasileiros da época. A operação foi com raios laser e quase nada senti. No dia seguinte, havia recebido alta do hospital e retornado para casa, à espera da primeira evacuação – essa, sim, dolorida, tanto que a recomendação é colocar, na hora, um pedaço do pano nos lábios e evitar o atrito dos dentes.
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No final de 1995, o prefeito José Carlos Grecco, de Mauá, decidiu mudar o diretor de comunicação, a quem considerava amigo. Este me orientou a não comparecer mais ao setor, me prometendo vaga de assessor especial. A manobra dele – não vou citar o nome – era evitar que eu permanecesse na Prefeitura, como queria – fiquei sabendo depois – o novo diretor. Ausente vários dias, consideraram que eu era um grande vagabundo e, como consequência, fui demitido. Uma coisa eu pedi para minha mulher: eu não quero a presença desse cidadão nem no meu velório.
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Desempregado, e sem querer tornar-me repetitivo, Fausto Polesi reapareceu novamente e me indicou para assessor de mais um candidato a prefeito de São Caetano. Como sempre, me apresentei e, surpresa: o candidato a vice era Moacyr Rodrigues – o que tinha sido candidato em 1992 e, mais tarde, tornara-se vereador, depois de candidatura frustrada para deputado estadual. Desenvolvi um bom trabalho de comunicação, mas não foi possível vencer de novo aquele que se tornara um monstro sagrado no município: Luiz Tortorello, o candidato a prefeito de novo.
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Ao mesmo tempo em que fazia a campanha, colaborava também com o jornal Tribuna do ABCD, um semanário novo a circular na região, dirigido por J. Pavani e Antonio Pedroso de Moraes, ambos publicitários. Este último alimentava sonho de se tornar jornalista – e acabou conseguindo o registro, só que como proprietário de jornal, bem melhor do que ser empregado. Quando terminou a campanha – geralmente as campanhas duram apenas três meses – fui convidado a integrar a equipe do jornal, uma equipe que nem merecia ser chamada de equipe, tão pequena era – mais um repórter, um fotógrafo – meu bom amigo Claudio Polesi - dois ou três colaboradores, dois diagramadores e uma recepcionista.
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Nesse ínterim, ano de 1997, minha mulher adquiriu a nossa casa, financiada pela Caixa Econômica Federal. E, quatro meses depois, no dia de seu aniversário, parei com a bebida alcoólica, da mesma forma com que tinha parado de fumar. Apenas disse: a partir de hoje, não bebo mais. E o que mais me levou a tomar essa decisão foi um comentário do doutor Paulo Ribeiro. Numa tarde, quando ele fazia o exame pós-operatório da hemorróida, eu lhe perguntara se eu poderia morrer se continuasse bebendo. Ele, secamente, não sei se com ironia, me respondeu: Eu não iria morrer por causa da bebida; iria viver, mas só que paralítico. Explicava: o álcool já estava afetando o meu sistema nervoso e, não demoraria muito, atingiria braços, pernas. Como já havia conhecido uma pessoa que ficara paralítica em consequência do excesso de bebida, fiquei temeroso de ser vítima do mesmo mal. No início, ninguém acreditou. Só eu. Por isso mesmo, é que mantive a decisão. E como ficou comprovado que o alcoolismo é uma doença, nunca disse ser um ex-alcoólatra. Sou um alcoólatra. E quando posso tomo uns copos de cerveja.
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Desde o término das sessões de rádio e quimioterapia permaneço em casa e, quando solicitado, colaboro com o jornal Tribuna do ABC e a revista Jornauto. Sabendo da minha situação, os editores limitam-se a me enviar matérias que podem ser feitas via e-mail, sem a necessidade de eu me deslocar ou, ainda, utilizar a voz, que ainda não apresenta a devida articulação e o que falo quase pouca gente entende. Ainda recentemente, fiz o exame denominado tomografia computadorizada da cabeça e do pescoço. O objetivo é colher imagens para saber em que situação o tumor se encontra e se ainda será necessário o reinicio da quimioterapia. Essa espera me angustia, uma vez que um dos médicos que me analisou logo após o tratamento, suspeitou da existência de algumas células cancerígenas na descida da garganta.
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Procuro passar as horas de ócio lendo, escrevendo ou tentando me familiarizar com a tecnologia do computador. Dia desses, entrei na internet e, apenas como curiosidade, quis saber se meu nome estaria incluído naquele universo de informações. E, para minha surpresa, lá estava, e, logo no primeiro item, figurava a minha conquista do Prêmio Esso de Jornalismo. Prossegui com a pesquisa e um outro item me chamou a atenção: a venda de um exemplar da revista Planeta, de abril de 1976, com uma reportagem minha sobre a lenda da cidade submersa, que fiz no rio Urubu, interior do Amazonas, em companhia da Ilca. A reportagem fora escrita para o Jornal do Brasil, do qual eu era correspondente, mas o editor Juarez Bahia julgou melhor não publicá-la e liberou o texto, vendido em seguida para a Editora Três, após contato com o escritor Ignácio de Loyola Brandão, então redator-chefe da revista.
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A reportagem tem chamada que suscita a atenção. Em caixa alta e negrito, o pequeno título: A Lenda da Cidade Perdida. E, embaixo, sobre a foto do arqueólogo, a legenda-pergunta: Conseguirá o arqueólogo Pires Roldão encontrar a cidade perdida que ele procura há dezenas de ano? Nas páginas internas, o texto ocupando seis páginas, com fotos. A primeira mostra o arqueólogo com o dedo apontado para inscrições que mais parecem hieróglifos e a frase: Há três mil anos, uma civilização avançada habitou o Amazonas. Estas inscrições podem provar isso. Este homem tenta decifrá-las e só vai sair do Amazonas quando conseguir.
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A abertura da reportagem: “o fantástico, o absurdo e o real se confundem com inscrições estranhas, indícios da existência de povos pré-históricos, cidades submersas e navios naufragados, envolvendo lendas e superstições de índios e caboclos. Tudo isso está em uma pequena área do rio Urubu, pequeno afluente do rio Amazonas, distante 260 quilômetros de Manaus e onde se encontra acampado o arqueólogo Roldão Pires Brandão, presidente da Associação Brasileira de Arqueologia e Pesquisa”.
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Essa reportagem é uma das poucas que a Ilca nunca esqueceu. Nós descemos de barco, em companhia de um fotógrafo e um remador. Para descer, como dizem, tudo é fácil. Na hora de subir, o remador tentou uns poucos metros e, olhando para trás, desolado, decidiu que eu e a Ilca precisaríamos descer. A solução foi voltar pelo meio da densa floresta e a minha mulher não se encontrava preparada para essa longa caminhada: viera de tamanco, um calçado nada indicado para andar pela mata. Nervosa, poucos metros depois jogou o par de tamancos e seguiu a pé. Até hoje, passados mais de três décadas, ela diz ainda ter as cicatrizes dessa aventura...
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Acompanhe na próxima quarta-feira, o vigésimo terceiro capítulo de "Memória Terminal", do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, falecido em 29/11/2008. O Prêmio Esso de Jornalismo é o mais tradicional, mais conceituado e o pioneiro dos prêmios destinados a estimular e difundir a prática da boa reportagem, instituído em meados da década de 50.
(Edward de Souza).
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