segunda-feira, 23 de novembro de 2009

PESCARIAS NAS CABECEIRAS DO RIO GARÇA

Na década de 70 frequentei algumas vezes as cabeceiras do Rio Garça, localizadas na região de Tesouro, Mato Grosso. Essa corrente é um afluente do Araguaia e desemboca na localidade de Barra do Garças, hoje uma cidade de crescimento e progresso rápido. O município de Tesouro está localizado na região sul de Mato Grosso á 365 km de Cuiabá, capital do Estado, 150 km de Rondonópolis, 40 km de Guiratinga e a 143 km pela rodovia BR 070, que passa em Primavera do Leste. Se bem que quem sai de São Paulo não precisa, necessariamente, passar por aquela capital do Brasil Central. Lugar mágico, de grande potencial hídrico, banhado pelo rio Garças, Tesouro é repleto de cachoeiras, rios e córregos e bom para pescas, banhos refrescantes ou para a apreciação, pura e simples, de suas belas paisagens. Na época, apenas uma pequena pensão abrigava os pescadores que ali iam ter. Hoje, segundo informações, há hotéis e pousadas esperando turistas de todas as partes devido às belezas naturais. Região de gado e garimpo, principalmente diamantes, há até momentos históricos preservados como foi o caso da Coluna Prestes que por ali passou e deixou na lembrança dos habitantes e seus descendentes, interessantes histórias. Falarei sobre minhas pescarias no passado, pois não tenho informações sobre o que acontece hoje ali.
Impressionante a quantidade de pintados (cacharas), barbados e outros peixes de couro que se fisgava. Entretanto, os maiores exemplares não passavam de doze quilos. Mas é justamente por essa razão e devido ainda a situação do rio nessa localidade, correndo entre montanhas e com muitas corredeiras, que a pesca esportiva era muito emocionante. Os pesqueiros eram procurados ao fim de cada corredeira, onde havia poços profundos. Muitas vezes era necessário entrar na água para se fazer bons lances. O material leve, carretilha ou molinete médio e linha de diâmetro 0,50 mm, proporcionava ao pescador momentos de gostosa tensão emocional. Certa ocasião fisguei um pintado de bom tamanho. O material usado era uma carretilha Mar e a linha de diâmetro 0,40 mm. A luta com o peixe já durava uns 10 minutos quando, lentamente, consegui trazê-lo para a margem. Cansado de dar e recolher linha firmei o caniço para encalhar o peixe na praia. Desesperado, o peixe num último esforço conseguiu romper a linha. Se tivesse munido de um bicheiro ou um puçá, o peixe não teria escapado.
Naquela época e naquele lugar, a isca mais apropriada para a pescaria do pintado era o muçum. Com um tolete era possível se pescar cinco ou seis pintados, uma vez que sendo esta bastante dura, quando mordida violentamente pelo peixe escapa do anzol e sobe pela linha, ou seja, escorrega do anzol deslizando linha acima. Essa era uma das preferidas não só do pintado como de outros peixes de couro. O barbado, chamado de barba-chata na região do Rio Garça, atacava vorazmente a isca constituída de muçum.
O muçum podia ser encontrado na região em pequenas lagoas e riachos, mas eram de tamanho bem pequeno, ao contrário dos que eram levados de São Paulo, mais precisamente comprados dos criadores do ABC.
Cortados em toletes de oito centímetros, o muçum sangra abundantemente, atraindo de imediato os peixes de couro, entres eles o cobiçado pintado. Dois muçuns de tamanho médio davam para pescar o dia inteiro.
O tipo de pescaria ideal naquela região do Garça era e, acredito até hoje, a de barranco, nas proximidades dos poços existentes no fim das corredeiras, mas, o uso de barco com motor de rabeta curta trazia conforto e podia-se percorrer vários poços num só dia e assim efetuar pescarias mais producentes, além de diversificar o aprisionamento de espécies.
Em uma de minhas pescarias, realizada em um mês de outubro, uma linha 0,90 mm rompeu-se facilmente na junção com o encaste. O peixe era um barbado de mais ou menos dez quilos. Isso ficou patente, quando, duas horas depois da fuga do peixe, consegui fisgá-lo novamente. O anzol e o encaste com o pedaço de linha e até a isca estavam fincados na goela do dito cujo. Os companheiros ficaram abismados não acreditando no que viam. Mas o fato de se fisgar o mesmo peixe duas vezes não é raro, principalmente quando a espécie é de couro.
As corredeiras são inúmeras e proporcionavam ao pescador a esportividade esperada quando tinha peixe na linha. Os pintados, uma vez fisgados procuravam as fortes correntes, obrigando o pescador a um esforço maior. Os pescadores que pescavam com linha de mão (ou linha-larga), acompanhavam o peixe rio abaixo ou acima, dando e recolhendo linha para cansar o bicho. O cuidado era maior, pois quando o pintado de aproximava da margem costumava correr novamente tentando se libertar do anzol. Nessa corrida, a linha queima os dedos do pescador, daí, a necessidade de usar luvas ou mesmo uma dedeira para proteger o dedo indicador, evitando-se assim queimaduras e cortes profundos.
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*J. Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, escrevendo crônicas, contos, artigos e matérias especiais. Contato com o jornalista pelo e-mail: jgarcelan@uol.com.br

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