sexta-feira, 12 de março de 2010


A ARTIMANHA DOS RECALL
... Para disfarçar o velho defeito de fabricação ...


A novela dos recall automotivos pode ter atingido seu ápice com a condenação da Fiat a indenizar usuários de seus produtos colocados no mercado com defeitos de fabricação. A decisão só foi tomada agora, é passível de contestação jurídica e, pasmem, envolve veículos fabricados anos atrás. Todos, até agora, livres, leves e soltos pelas cidades e estradas do Brasil. Quem matou, quem morreu, nunca se saberá...

A questão é claramente uma ardilosa trapaça engendrada pelas grandes redes internacionais automotivas para diminuir seus custos com controle de qualidade, um dos setores que deveria merecer tanta atenção quanto o de desenvolvimento de novos projetos e tecnologias. Assim, atiram nas costas dos revendedores e dos clientes a responsabilidade de testar este ou aquele componente, sempre que convocados para isso.

Percebam o embuste que poucos, inclusive a imprensa tão ciosa de denunciar fraudes e caixinhas políticas, tem deixado passar em branco. A revenda ou representante legal disponibiliza instrumentos, máquinas e funcionários para servir aos consumidores, prontamente dispostos a atender ao apelo do fabricante, inclusive movidos pelo medo das consequências.

O proprietário abandona sua rotina, cancela ou adia compromissos, perde horas na oficina, quando não é obrigado a deixar o veículo por algum tempo e ficar literalmente a pé e, convenhamos, ainda sai satisfeito por saber que o tal defeito foi descoberto a tempo e nada gastou para remediá-lo, embora muitas vezes a garantia já tenha acabado.

No compasso dessa estratégia, que não é patente brasileira, mas se alastrou pelo mundo, cada vez menores são os investimentos na pesquisa e aplicação desses resultados na melhoria da qualidade do produto final. E, convenhamos, com o avanço significativo das conquistas tecnológicas a preocupação com a efetiva performance das avassaladoras novidades no desempenho diário dos produtos deve ser fundamental. Mas, custa muito caro, cai na chamada chapa fria dos investimentos sem retorno pronto nos balanços gerais e, depois da invenção sacana do recall, surgiu uma bela escapatória para corrigir erros já nas mãos do consumidor e só mesmo quando o volume de bobagens cometidos nas linhas de montagem ultrapassar determinado patamar.

Nós, pobres consumidores, não podemos nem mesmo mudar de fornecedor dos nossos carros, pois a prática se universalizou por todas as marcas, modelos e estilos. Vale batalhar para que alguém levante a voz e faça valer uma competente indenização para todo aquele que adquirir um veículo com defeito de fabricação. Inclusive ou principalmente a imprensa, de olhos fechados para a questão há muito tempo.

A decisão do Ministério da Justiça em multar a Fiat em R$ 3 milhões, maior valor previsto no Código de Defesa do Consumidor, pode dar início a um movimento de ações coletivas, não contra o recall, mas exigindo, em contrapartida a mais essa dor de cabeça, uma indenização pertinente. Qual entidade tomará a dianteira e passará a liderar os compradores prejudicados?

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*Virginia Pezzolo é jornalista, escritora, advogada e bacharel em Ciências Sociais.
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