sexta-feira, 29 de janeiro de 2010


FLAGRANTES DA VIDA (I)


Pesquisando no arquivo de minhas Memórias, localizei fatos que ainda o tempo não conseguiu deletar. Senti-me afortunado com o rememorar pessoas, amizades, mulheres, amores, mágoas que não chegaram a molhar de lágrimas meu caminho. Se fortes, as perdoei; se brandas, deixei de considerá-las a fim de não se tornarem obstáculo à minha jornada.

Rio de Janeiro, Avenida Rio Branco - antiga Avenida Central, na Cinelândia - Palácio Monroe de saudosa memória, personagem de triste relato e negro crime a lamentar. O fato de citar o Palácio Monroe me permite uma digressão em virtude de nossa tão vergastada história.

A construção do Palácio Monroe ocorreu nos EUA, em 1904, projeto do engenheiro militar brasileiro, coronel Francisco Marcelino de Souza Aguiar, para representar o Brasil na exposição Internacional de Saint Louis. Na premiação de arquitetura ganhou medalha de ouro - primeiro prêmio - daquela exposição. Em sua inauguração, Souza Aguiar recebeu a visita de Theodore Roosevelt, presidente americano.

A armação e estrutura de aço do palácio permitiu sua transferência para o Rio de Janeiro, em 1906. Na 3ª Conferência Pan-Americana, o Barão do Rio Branco com apoio vibrante de todos, propôs a mudança de seu nome, homenageando o criador do Pan-Americanismo: Palácio Monroe. Em seguida, tornou-se sede de múltiplos eventos, congressos, comissões e exposições até 1914, quando o Palácio Monroe acolheu a Câmara dos Deputados.

O ano de 1920 marcou recepção com homenagem à visita do Rei da Bélgica, Alberto I. Em 1925 o Monroe passou a ser a sede, por 35 anos, do Senado Federal, até 1960, ao mudar-se para a nova capital, Brasília. Daí em diante foi hóspede do Estado Maior das Forças Armadas até chegar 1974. Neste momento, cuidou-se de urdir sua criminosa demolição em nome do progresso: o metrô carioca.

Das correntes que analisam o nefando crime contra a história do Palácio Monroe, em prejuízo da memória brasileira, uma aponta por mais incrível que possa parecer o laureado profissional Lúcio Costa (F), ainda Roberto Marinho e o Presidente Ernesto Geisel que assinou a autorização para o desmonte, em 1976.

A desculpa ou acusação foram as obras do metrô porém, segundo afirmações de Jorge Rubies, presidente da Associação Preserva São Paulo, não procede, visto o que o projeto do metropolitano naquele local ter previsto uma curva que até hoje prevalece no trajeto.

Voltemos à vaca fria. Minha relembrança estava exatamente em frente ao Palácio Monroe de tanta saudade, no início dos anos 50. O Senado e senadores não eram a excrescência do atual, corruptivo. Eram lindas as mulheres que ganhavam a vida dançando no Salão Avenida Danças, chamados taxgirls, daqueles de picar cartão e pagar por minutos dançados.

Ângela Maria, voz maravilhosa, ali se iniciou cantando, depois sucesso internacional, minha amiga por tantos anos de quem acompanhei frustrados amores. O Salão Avenida funcionava em um subterrâneo e,mais acima, no mesmo prédio, ficava a Executiva Nacional do PTB. Ali conheci e fiz amizade com um grupo macanudo de gaúchos: gauchada boa. Perí Coutinho, Perí Azambuja e João Goulart, entre outros.

Goulart, de presidente da Executiva Nacional do partido, foi guindado a Ministro do Trabalho e nós o acompanhamos para enfrentar de início, a greve dos marítimos, que era prenúncio do que viria mais tarde... (continua)

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Garcia Netto é jornalista, radialista e escritor francano.  Autor do livro "Filhos Deste Solo" - Medicina & Sacerdócio". A série Relembranças será editada em cinco capítulos semanais, em que o profissional revisita, em sua memória privilegiada, flagrantes da vida que fazem parte da história de nosso país.
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