terça-feira, 26 de outubro de 2010



Futurologia é sempre um risco. Lembro-me, quando era garoto, década de 1960, dos desenhos que faziam sobre o mundo do ano 2000, com carros flutuantes, rampas em curvas em torno de prédios mirabolantes, tudo muito sofisticado num excesso de fantasias. O ano 2000 já se foi, há dez anos, e nada daquilo que previam os desenhos aconteceu. Fazer futurologia em política é mais arriscado ainda, porque lida com seres humanos, que são de carne e osso, e tão imprevisíveis agora quanto a meteorologia do dia de Natal, se vai chover ou não. Isto posto, vamos partir da ideia de que este artigo não tem nenhum compromisso com acertos. Vamos deixar isso para os cartomantes, que se calam nos 99% de erros e alardeiam algum eventual 1%, se tanto, de acerto.

O que acontecerá se vencer Dilma? Ou se vencer Serra? A curiosidade é grande. E este exercício analítico uma mera diversão deste autor. Poderá ser tudo diferente. Vamos começar por Dilma, que até o momento em que escrevo lidera as pesquisas com uma vantagem de 11 pontos, que não significam que a eleição esteja ganha. Que o diga Luiza Erundina e sua espetacular virada na véspera da eleição para a Prefeitura de São Paulo. Uma semana antes ninguém apostaria nela, olhando só pelo prisma das pesquisas.

Dilma é uma especialista em energia. É a área em que sempre transitou com maior desenvoltura. Tem, portanto, perfil técnico. É uma gerente, foi seu papel no governo, não vem de uma carreira política tradicional. Seu perfil não é de líder de massas, longe disso. Tornou-se, assim, a candidata ideal para pavimentar o caminho para a volta de Lula nas eleições de 2014. As composições desta campanha já sinalizam para um governo de conciliação e isso, no meu entendimento, ficou explícito nesta semana final, quando ela desengavetou o termo “governabilidade”. O que significa isso? Simples: a continuidade de uma composição ministerial tão heterogênea quanto a atual, que foi capaz de colocar na mesma mesa nomes tão díspares como Tarso Genro e Vanucchi, de um lado, e Nelson Jobim e Miguel Jorge, de outro. E haja negociação parlamentar.

Essas bravatas do Lula em campanha não contam. São apenas agora, e para vencer a eleição. Sem conciliação e negociação ninguém governa, muito menos ele, que assumiu sob a desconfiança do capital, hoje em grande parte seu apoiador. Collor que o diga, tentando governar sem respaldo parlamentar. Caiu. Dilma dará um chega prá lá no Lula e baterá na mesa dizendo “a presidente agora sou eu, não se meta”...? Acho pouco provável, porque o acordo já está todo costurado. Ou por que acham que, na prática, não existiram prévias no PT? Lula, montado em sua indiscutível popularidade, sem precedentes na História, impôs a candidatura Dilma. Será, digamos, seu grande conselheiro em todas as questões cruciais. Nessa hora, nos bastidores, vão governar juntos. Já nas questões menores Dilma tocará sozinha, administrando o cotidiano.

O interesse na vitória de sua candidata é óbvio: não será desmontada a máquina do poder, com todo o peso que significa para as eleições de 2014. Manter o PT no poder fará tremenda diferença, desde já, porque Lula não está nos palanques por Dilma, está por ele próprio, em franca campanha pelo retorno. Montará algum instituto e sairá percorrendo o país de ponta a ponta, numa campanha de quatro anos, que lá na frente se desenha quase invencível. E já articula um time de ghost writters qualificados para alimentar a mídia com artigos assinados por ele sobre todo tipo de assunto, para se manter na crista do debate.

Dilma não tem carisma público nem cacife partidário para desalojar o patrão. E ele não arriscaria suas fichas em alguém que apresentasse a possibilidade desse risco. Nem o PT tem entre seus caciques um nome capaz de competir com o próprio Lula em espaço político. Ficam todos em sua sombra, além de pulverizados em lideranças apenas regionais. Dilma terá que fazer um bom governo para assegurar que a volta do chefe ocorra sem grandes percalços. Não pode ser um novo Pitta. Não terá muito trabalho para isso, porque a economia vai muito bem, obrigado, e o índice de desemprego nunca foi tão baixo, em torno dos 6%. As reservas cambiais são astronômicas. Numa crise internacional, como ocorreu recentemente, o país pode novamente se sair muito bem.

A propósito, a habilidade demonstrada nessa crise, com aquele pacote econômico, foi irretocável e isso é que agora está abrindo a possibilidade da vitória de Dilma. Se a crise tivesse sido mal administrada teria se refletido na economia nacional, com danos que agora cobrariam seu alto preço político. Outro dia, passando por uma grande avenida da região Norte de São Paulo, fiquei espantado com a quantidade de novas lojas sofisticadas e bares de grande estrutura (foto a esquerda), que ali estão se espalhando em velocidade recorde. O que é isso? Uma micro amostra de uma economia aquecida, que avança, abrindo novas possibilidades de investimentos, consumo, empregos e todos os seus demais derivados.

Tente embarcar em Cumbica num feriadão. Observem os anúncios das agências de viagens. A classe média está tranquila. Claro que não é mérito exclusivo do governo Lula; a semeadura começou no governo Itamar Franco; se consolidou com FHC; e Lula fica com o mérito de ter surfado bem sobre a onda, sem tombar. Malandro, invoca para si toda a obra, mas isso teria sido impossível em apenas oito anos, muito menos em quatro. Nenhum presidente teria alcançado a estabilidade econômica numa única gestão. É todo um processo, que passa por fases, como uma planta que cresce aos poucos e requer todos os cuidados. Dilma pode fazer um bom governo e é o que gente espera. Exceto quem torce sempre contra o Brasil, vislumbrando tão somente um projeto pessoal de poder. E esses, a gente sabe, infelizmente existem. E podem estar tanto no PT como no PSDB, ou em qualquer outro partido, não faz diferença.
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Já José Serra (foto), vem de outra trajetória completamente diferente. É um político de vocação natural, desde os bancos escolares, e nunca escondeu seu projeto de algum dia ser presidente. Começou no radicalismo da presidência da UNE antiga, que apoiava Fidel Castro ardorosamente; subiu no palanque com João Goulart no célebre comício do dia 13, já nas vésperas do golpe de 1º de abril de 1964; conheceu o exílio; ajudou a fundar o PSDB com um grupo dissidente do PMDB, ao lado de Covas, Montoro, FHC. Estive no primeiro encontro público de lançamento do partido, no Palácio Anchieta (Câmara de Vereadores), simpatizei. Estive também na primeira assembléia de fundação do PT, no Sindicato dos Jornalistas. Saí em dúvida. O PSDB nasceu para ser um partido da classe média. E o PT nasceu de um corporativismo obreirista, que seu crescimento engoliu. No início rejeitava os intelectuais e os estudantes, que o bajulavam. Ambos cresceram muito, mais do que imaginavam, e se dividiram internamente em correntes e facções. Cada um, na verdade, tem dentro de si vários micropartidos, que se combatem com virulência nos bastidores.

Serra e Aécio disputam aberta e duramente nesse cenário, com Geraldo Alckmin (foto), também tentando ocupar um espaço. É diferente do PT, onde Lula reina absoluto, deixando as refregas entre os peixes menores. Vencendo, Serra terá também que fazer um bom governo de olho em 2014. O caroço duro será decidir lá na frente: reeleição ou candidatura Aécio? A briga SP - Minas, como pano de fundo, vai crescer. Ainda que tenha que fazer todo esse teatro entusiástico por Serra, no fundo, para Aécio, a melhor perspectiva seria um governo Dilma opaco, com os escândalos de sempre (que vão continuar ocorrendo, ganhe quem ganhar).

Aécio (foto) entraria em 2014 como a opção jovem e renovadora, cheio de energia, oferecendo novas esperanças ao país e único nome capaz de peitar Lula. Serra estaria rifado pelos sucessivos fracassos eleitorais. Por outro lado, o sucesso do governo Serra pode significar um balde de água fria nas ambições de Aécio e seu grupo partidário. Serra vai querer continuar, não tenham a menor dúvida quanto a isso. Desejo boa saúde e vida longa a todos eles. Mas são humanos, não imortais. Se algo acontecer, o que sinceramente não desejo, poderemos ter o patético Índio, vice de Serra; ou o mordomo de castelo mal assombrado, Michel Temer, vice de Dilma, governando o Brasil. Aí muda todo o tabuleiro. Será outro jogo. Completamente imprevisível.
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*Milton Saldanha, 65, é jornalista e escritor, além de tangueiro amador. Quando acha um tempinho gosta de brincar de futurólogo. Comentários para esta crônica logo abaixo do texto que noticia o falecimento do Senador Romeu Tuma.
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MORRE ROMEU TUMA
O Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, informou nesta terça-feira que o senador Romeu Tuma (PTB-SP) morreu por volta das 13h de hoje. Segundo a Agência Senado, o corpo do parlamentar será velado na Assembleia Legislativa de São Paulo. Tuma (PTB-SP) estava internado no Sírio-Libanês desde o dia 1º de setembro para tratar um quadro infeccioso de afonia (perda ou diminuição da voz). Além de exigir cuidados médicos, o problema impediu Tuma de fazer campanha nestas eleições. O candidato ficou em quinto na disputa pelo Senado em São Paulo e não se reelegeu.
No dia 2 de outubro, o senador foi submetido a uma cirurgia para colocação de um dispositivo de assistência ao coração chamado Berlin Heart. O dispositivo auxiliava a regular a pressão e circulação sanguínea do paciente. Paulistano, Romeu Tuma completou 79 anos no último dia 4 de outubro e foi investigador e delegado da Polícia Civil do Estado antes de ingressar na política. Casado com a professora Zilda Dirane Tuma, deixa quatro filhos e nove netos.
(Fonte: Redação Terra).
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