quinta-feira, 25 de março de 2010



RÁDIO - PAIXÃO,

ROMANTISMO & REALIDADE (3)


Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida e viver com paixão,
perder com classe e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve.

(Charles Chaplin)

Meu primeiro encontro com o empresário Ulysses Newton Ferreira foi agendado por Pedro Dermínio, pressuroso em passar a gerência da Rádio Hertz. Embarquei num Douglas DC3 para São Paulo onde, as 10h30min, na Rua 24 de Maio, 7° andar, avistei-me com o líder.

Ele de fala tranquila e suave, mostrava cavalheirismo e conhecimento. Ouvi-o atento na descrição do perfil desejado para um organismo de seu grupo. Antigo funcionário do Banco do Brasil, mostrava preferência por alguém forjado na atividade bancária.

Depois de falar de minha experiência e passado de atividades, com agradecimentos pela oportunidade, fiz-lhe ver que havia entendido não ser o modelo adequado aos objetivos de sua empresa. Declarava-me um radialista envolvido com microfone, seu segredo na criação de programas, por gosto sua apresentação. Sem encerrar nossa entrevista, convidou-me para almoçar, período em que a conversação girou em torno de minhas andanças pelo rádio e sua vida pessoal. De volta ao escritório mostrou-me como funcionava Emissoras Coligadas S/A. Confesso não ter sentido qualquer atração por tudo aquilo diferente do ambiente vivo da estação de rádio. No entanto, o rol de franquezas que usamos nos aproximou, o respeito e segurança passados pelo baiano de boa estirpe fizeram que eu saísse com a carta de posse na gerência.

A função administrativa ocupava-me bastante, mas o radialista insistia em continuar acumulando horários de microfone em programas especiais.

Uma linda manhã de sol dois anos depois, por telefone, Ulysses fazendo uma convocação: - Venha a São Paulo amanhã e traga malinha para cinco ou seis dias fora de casa.

Voamos juntos para Curitiba. O grupo havia adquirido sua primeira emissora em capital brasileira, no Paraná. Rádio Tingui, Rua Pedro Ivo, lindo auditório enchendo os olhos do homem de rádio Garcia Netto que, sem aviso prévio, virou seu diretor-geral.

Lindas histórias passaram a integrar uma vida, política, social, não me lembro se mais, quem sabe? O jantar com o Rei da Suécia; o comensal de Moisés Lupion e dona Hermínia; a rigidez do chefe da Casa Militar, coronel Paredes; a retidão e amizade do secretário da Fazenda, Plínio Franco Ferreira da Costa; noites de luxo e luzes com Dino Almeida, cronista social de sucesso, para quem não havia portas fechadas. O alvorecer do coronel Ney Braga; a campanha de Nelson Maculam; fatos da vida paranaense, de sua política, de sua gente: eu estava lá.

Minha amizade de fé incluía Silvio Pessoa, secretário pessoal do governador que sempre acompanhei com fidelidade horária. Muitas vezes entrei sem bater à porta no gabinete do ministro de Viação e Obras Públicas, Almirante Amaral Peixoto, a contragosto de seu chefe de gabinete, doutor Areia Leão; saliente-se, sem obstáculo, já que acompanhava o governador Moisés Lupion. Vale recordar um diálogo meu com o governador Moisés, às 4h da manhã, no aeroporto do Rio. Era presidente Juscelino, cuja agenda em Brasília, naquela manhã, aguardava o governador. Dirigindo-se a mim, inquiriu-me: - Posso fazer uma pergunta, Garcia?

- Claro, governador! Não sei se poderei responder.

- Como se orienta sobre minha agenda e meus horários?

- Lamento governador. É uma pergunta que não pode ter resposta.

Ele sorriu com cortesia e sinalizou-me que embarcasse com a comitiva.

Tenho em minha casa até hoje uma relíquia, lembrança daquele dia em almoço no Palácio da Alvorada: uma xícara com o brasão dourado da República.

Ao lado da função gerencial da Rádio Tingui, fui acumulando literalmente a ocupação de adido diplomático de Emissoras Coligadas no Paraná. Entre as muitas conquistas, posso contar vitórias da época nas concorrências de emissoras em Londrina, Ponta Grossa, Maringá e Paranaguá que instalamos no período.

Os compromissos em Brasília iam se acumulando, com inibição de minha presença em Curitiba, fator que acabou determinando nova mudança no projeto que vínhamos cuidando na expansão da rede. Surgiram as negociações para aquisição da Rádio São Paulo, na capital paulista. Emissora tradicional de novelas pertencente ao grupo de Paulo Machado de Carvalho (Radio TV Record), detinha o maior elenco brasileiro de astros e estrelas de novela. Dulce Santucci e Fred Jorge produziam histórias em série a fim de alimentar o trabalho de Luiz Dias, Diva Lobo, Amélia Rocha, Santiago Neto, mais tantos outros já mencionados aqui.

A evolução exigiu meu concurso junto a Ulysses na superintendência do grupo, em São Paulo, onde assumi por sua determinação, assessoria. A expressão lobista ainda não era usada com frequência, sequer na interpretação de hoje, se ajustando mais no momento o uso (RP) relações públicas, encargo já adicionado às minhas atividades.

O vulto de negócios implicava em maior vínculo com órgãos do governo federal, mais nitidamente com o Ministério das Comunicações.

Tornou-se mais frequente minha presença nos congressos de radiodifusão, onde temas de interesse do empresariado de rádio e TV, reunidos na AESP e na ABERT, eram apreciados.

Nesses encontros foi gratificante o estreitamento de relações com João Saad (Bandeirantes), Joaquim Mendonça (Rádio Eldorado - Estadão), Edmundo Monteiro (Associadas), Paulo Machado de Carvalho (Rede Record), Borghetti (Globo) e Jayme e Maurício Sirotski Sobrinho (RBS). Muito foi acrescentado em minha jornada.

Foto 1, à direita - Garcia Netto e o ministro Higino Corsetti
Foto 2, à esquerda - Garcia Netto e o ministro Euclides Quandt de Oliveira
Foto 3, à direita - xícara com o brasão da República

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*José Reynaldo Nascimento Falleiros (Garcia Netto), 81, é jornalista, radialista e escritor francano. Autor dos livros Colonialismo Cultural (1975); participação em Vila Franca dos Italianos (2003); Antologia: Os contistas do Jornal Comércio da Franca (2004); Filhos Deste Solo - Medicina & Sacerdócio (2007) e a novíssima coletânea Seleta XXI - Crônicas, Contos e Poesias, recentemente lançada. Cafeicultor e pecuarista, hoje aposentado. A Série Relembranças II será editada em capítulos semanais, às quintas-feiras - uma revisita do profissional de memória privilegiada, à história do Rádio Brasileiro, que se confunde com a sua própria história.
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