domingo, 17 de outubro de 2010

SÁBADO, 16 DE OUTUBRO DE 2010


Para quem está em casa estatelado na poltrona ouvindo o jogo de seu time preferido pelo rádio, ou assistindo pela televisão, nem de longe imagina os momentos de angústia que passa o narrador esportivo em determinado momento. Para o atleta que faz o gol, o momento é divino, repleto de glória e prazer, mas para o locutor é a hora do perigo. Afinal, que ameaça poderia oferecer um gol, momento mais aguardado para quem está no estádio?
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Presenciei, como comentarista esportivo em meus cerca de 35 anos de labuta por este nosso Brasil afora, situações inusitadas e até perigosas, algumas das quais ao lado do considerado Edward de Souza, brilhante narrador esportivo. Acompanhe: na maioria das vezes as equipes esportivas (rádio ou TV), são acomodadas em cabines que ficam no setor de numeradas cobertas do estádio e próximo a torcida que pagou mais caro pelo ingresso e, supostamente, mais educada e ordeira.
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Quando o gol é para o time da casa, a torcida vibra e o berro do locutor se perde no burburinho do grito da galera. Porém, quando acontece o contrário (gol do adversário), o bicho pega, pois a torcida da casa silencia e o vozeirão do narrador (todos têm vozeirão) se espalha pelo estádio, impulsionado pela arquitetura e acústica da praça esportiva. Foram muitos os casos em que foi preciso fazer malabarismo para não ser atingido por pedras, chinelos, garrafas, copinhos plásticos, pilhas e até guarda-chuvas em alguns estádios, atirados por torcedores irritados com o brado de gol inimigo ecoado por um narrador mais afoito e de grito mais estridente.
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Uma tarde de domingo, com sol a pino, na aconchegante cidade de Jundiaí/SP jogavam Paulista e Santo André, que teve o acompanhamento da Rádio Diário do Grande ABC, com Rolando Marques (narrador), Sidney Lima (repórter) e eu (comentarista). Os dois times estavam em situação crítica no campeonato e ambos ameaçados pelo rebaixamento. O Paulista, mandante do jogo, abriu o placar e, claro, o grito do nosso Rolando Marques foi encoberto pela vibração do torcedor da equipe da casa, feliz pelo prenúncio da vitória e a possibilidade de escapulir da queda à Segunda Divisão.
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No começo do segundo tempo, no entanto, o Santo André empatou e o grito de gol proveniente das cabines foi o suficiente para que dezenas de torcedores em frente se virassem e passassem a ofender os homens de imprensa que estavam logo acima. O jogo seguiu, com a torcida perdendo a paciência com seu time, que não conseguia, por mediocridade, vencer o também limitado adversário. Em seguida o Santo André fez 2 a 1 e aí o mundo veio abaixo, com os torcedores postados em frente as cabines atirando tudo que havia em mãos sobre os narradores ainda na metade do grito de gol que o fôlego permite. Eram tantos os objetos, principalmente pedras (parte do estádio estava em construção), que obrigou todos os jornalistas instalados nas cabines a procurar abrigo. Teve radialista que largou microfone, maleta de transmissão e escuta e caiu fora. A polícia interveio, mas a balburdia foi tanta que houve a necessidade de o árbitro paralisar o jogo. Felizmente ninguém se feriu seriamente.
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Outra noite, em Bauru, lá estavam, pela Rádio Diário, o narrador Edward de Souza (foto) e o comentarista Daniel Lima. As cabines acanhadas do estádio Alfredo de Castilho ficavam exatamente atrás das cadeiras numeradas. No intervalo do jogo o comentarista Daniel Lima, que nunca fez muito esforço para esconder sua simpatia pelo Santo André, exagerou nas críticas ao Noroeste que então perdia de 2 a 0 para o time do ABC. Nas cadeiras, ao nível das cabines, alguns torcedores enfurecidos saltaram o pequeno balcão que separava público e imprensa e partiram pra cima do comentarista da Rádio Diário e quem mais se colocasse à frente. Depois de alguns catiripapos, Daniel x torcedores, nosso Edward e outros colegas de rádios de Bauru conseguiram acalmar os ânimos. A não ser uns pequenos arranhões, nossos companheiros puderam retornar com o mesmo número de dentes que daqui saíram.
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Uma das situações mais complicadas que a equipe de esportes da Rádio Diário do Grande ABC viveu foi no Pacaembu, em jogo do Corinthians com o São Caetano. As cabines reservadas às rádios do Interior ficam localizadas a esquerda de quem entra pelos portões principais do Pacaembu. Têm visão privilegiada para o gramado, mas fica em espaço onde circulam normalmente os torcedores das arquibancadas. O Corinthians não vinha bem das pernas naquele Paulistão e a Fiel estava meio ressabiada.
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Neste jogo, o São Caetano fez 1, 2, 3 gols, contra apenas um do Timão. Os gritos dos narradores nos gols do Azulão (São Caetano) ecoavam pelo Pacaembu deixando os corintianos furiosos. Não foi necessário esperar o jogo acabar para que, enfurecida, parte da torcida postada nas arquibancadas arrebentasse as portas da cabine e foi um salve-se quem puder. A gente não sabia por onde escapulir daquilo que poderia se transformar em massacre.
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No reservado à imprensa do Interior, no Pacaembu, existe apenas uma porta e, naquele momento, não havia como fugir. Quem estava fora não entrava e quem estava dentro apanhava indiscriminadamente. Para acabar com a "farra" dos corintianos a polícia teve que intervir com rigor, entrando pelas janelas (espaço usado pelos locutores e comentaristas para verem o jogo). A dramática situação durou pelo menos uns bons 20 minutos, mas ninguém se feriu com gravidade, porém foi mais assunto, claro, que o próprio jogo.
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São tantos os casos nessa linha que o espaço não permite relatar e que, certamente, ficarão para outros artigos, como, por exemplo, aquele em que as equipes de esportes das rádios Diário e Emissora ABC tiveram que deixar o estádio da Esportiva, na cidade de Guaratinguetá, aboletados no camburão da Polícia Militar. Mais do que da voz, os jornalistas de rádio e televisão tem que cuidar do físico, pois a qualquer momento podem necessitar de pernas saudáveis para uma rápida e providencial escapadela.
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* Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC
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