terça-feira, 1 de junho de 2010


DA BAHIA À CORNUALHA, II


Foram 25 anos de agonia e êxtase... Sentada num promontório rochoso, selvagem e completamente isolado da pequena urbe, Maria da Paz repassava mentalmente todas as alegrias e tristezas vivenciadas naquele fim de mundo, tão estranho para ela, mesmo depois de tantos anos.

Ela e a sogra sempre se destestaram mutuamente. O primeiro "pega" deu-se, já, no primeiro dia em que ficou sozinha, naquela casa sombria que abrigara várias gerações da família Hornblower, desde o século XVII. Jan saíra com a mãe, a fim de comprar algumas roupas decentes para a jovem. Maria da Paz, sem tem o que fazer e querendo agradar àquela mulher fria e sizuda, começou a arear algumas panelas escuras que encontrara na cozinha.

Pensando que eram pretas de tanta gordura e fumaça de fogão, juntou um punhado de areia a uma palha de aço e esfregou que esfregou, até deixar os utensílios brilhando como prata. Quando a sogra viu aquilo, soltou um grito de horror e raiva. Começou a esbravejar para o filho, dizendo que passara vários meses juntando dinheiro e coragem para comprar aquelas panelas caríssimas. Era um conjunto de Teflon negro, recém lançadas no mercado europeu. "E, agora, essa selvagem estragara tudo!"

A baianinha, sem entender nada, desandou a choramingar e a balbuciar, num inglês terrível: "Mas, Jão, passei a tarde todinha areando essas panelas, estou até com a mão dura!"

Afora as oportunidades em que acompanhava o marido em suas viagens mar adentro, sua vida era muito triste e a sogra fazia de tudo para torná-la pior. As duas tiveram que separar a casa ao meio e cada uma tinha seu território.

Essa divisão deu-se após uma tarde em que, aproveitando-se da ausência da nora, Miss Daphne desmontou o altar dos orixás que a nora mantinha em seu quarto. Destruiu todas as imagens, jogando-as no mar. Para o filho, a mulher justificou-se:" É vodu dos bravos, coisas do demônio!" Em represália, Maria da Paz, armada de um atiçador de lareira, quebrou todas as porcelanas da sogra, salvando-se, apenas, uma chávena de chá "Companhia das Índias", herança da avó ou bisavó de Jan.

E foi através dessa xícara remanescente que, muitos anos depois, Maria da Paz deu o golpe final de desforra sobre a sogra.

A Internet já havia chegado àquele rincão desolado e na casa havia dois computadores, um para cada mulher. Foi por essa época, também, que "da Paz" ficou viúva, após o naufrágio de um dos barcos pesqueiros que levou Jan consigo, para o fundo do Canal da Mancha.

A solidão tornou-se insuportável. Já nem se importava mais com a presença da sogra, a qual, aliás, passou a tratá-la com mais suavidade, talvez, com medo de ficar sozinha, caso a baianinha resolvesse voltar para o Brasil. Frequentemente convidava a nora para partilhar de seu chá ou de seus bordados.

Às vezes, enquanto Maria da Paz bordava, Miss Daphne entrava na Internet e ali ficava, batendo bapos com outros internautas, usando o pseudônimo de ESTRELA DO ORIENTE. Enquanto teclava, bebericava goles de chá, naquela única xícara que lhe restara.

Foi então que surgiu a idéia maquiavélica: De seu computador, Maria da Paz acessou a mesma sala de bate-papo que a sogra frequentava e com o apelido de TUAREG, começou a "paquerar" a ESTRELA DO ORIENTE. Dizia ser um advogado, aposentado e viúvo. Morando em Londres, com um único filho, sentia-se tão solitário quanto ela. Em poucos dias, Miss Daphne estava apaixonada e dizia para a nora que o tal de TUAREG, profundo conhecedor da alma feminina, conseguira reimplantar em seu coração aquele sentimento que há décadas não mais sentia...

Desenvolveu-se o namoro on-line, até o ponto em que marcaram um encontro para se conhecerem. Miss Daphne contratou faxineiras para deixar a casa brilhando e preparou um jantar especial para compartilhar com o amado. Porém, terminou a noite sorvendo xícaras e mais xícaras de chá, frente ao computador, tentando encontrar o amado e saber o porquê do "cano".

Passaram-se semanas de silêncio até que o TUAREG deu o ar da graça, dizendo que estivera na UTI, vitimado que fora por três infartos seguidos. Escreveu ainda que se o pior acontecesse, ela seria notificada, através de seu filho.

Certa noite, Miss Daphne, aborrecida com o desaparecimento misterioso de sua xícara de chá, recebeu um e-mail, do "filho" de TUAREG, comunicando-lhe o falecimento do pai. Na mensagem, solicitava que a mulher informasse seu endereço pois que o pai, em seus últimos momentos, pedira que lhe fosse enviada sua foto, com um presente - um objeto pessoal que ele estimara muito.

Dias depois, sob o olhar curioso e malévolo da nora, Miss Daphne abriu uma linda caixa, recebida pelo "Express Postal Service", contendo um xícara idêntica à que perdera e mais a foto de um anão, com uma "dedicatória" de TUAREG...

Já que falei tanto em chá, seguem umas dicas básicas de chás (sempre na forma de infusão) e suas propriedades medicinais.

CHÁS - Carqueja (digestivo); Erva Cidreira (gases, calmante); Alecrim (insônia e depressão); Hortelã (mau hálito, insônia e calmante); Louro (dor de estômago); Sálvia (dor de garganta e resfriado); Endro (espasmos digestivos); Poejo (má digestão, arrotos); Funcho (calmante e asma); Malva (bexiga); Losna (cólica, diarréia e náuseas); Boldo (indigestão) e Alfazema (enxaqueja e indigestão).

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*João Batista Gregório, 57, paulista de São João da Boa Vista, é cronista de mão cheia. Publicou, em 2009, suas crônicas reunidas em Crenças e Desavenças e já prepara um novo livro, a ser lançado em breve. Para conhecer a sua produção, acesse o blog do JB, cheio de histórias divertidas, onde cada crônica pitoresca acaba com uma receita culinária especial, testada e aprovada! Clique no endereço abaixo e delicie-se! http://contoscurtosgrandesreceitas.blogspot.com/
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**Não percam, amanhã, o sétimo capítulo de MEMÓRIA TERMINAL, do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo.