segunda-feira, 31 de maio de 2010


DA BAHIA À CORNUALHA , I


A Costa do Dendê, situada entre o Recôncavo Baiano e o Rio das Contas, no litoral sul da Bahia, era ocupada pelos indios Tupinambás, quando do descobrimento. Essa tribo foi dizimada pela varíola, abrindo espaço para os Aimorés e, posteriormente, para os jesuítas portugueses que a colonizaram.

Bem próxima à Costa está situada Boibeba, uma ilha deslumbrante, distante 100km de Salvador, com um clima excelente e praias luxuriantes. O povoado, apesar de pequeno, é um dos locais de colonização mais antigos da Bahia (1537).

E foi ali que nasceu Maria da Paz. Criada e crescida no meio dos mangues, a catar siris e caranguejos, que seus pais vendiam aos turistas, num boteco à beira-mar.

Ali pelos dezesseis anos, Maria da Paz foi-se embora para Salvador, a trabalhar como faxineira diarista, por um tempo e, posteriormente, como garçonete. Dava um duro danado, mas jurava nunca mais voltar ao povoado natal: "Não nasci pra aquilo", dizia ela.

A Cornualha é um condado britânico, com pouco mais de 500 mil habitantes, situada ao extremo sul da Inglaterra. Uma inóspida região, açoitada pelos ventos costeiros e referendada como sendo a lendária terra perdida de Lyonesse, nas aventuras do Rei Arthur e seus Cavaleiros da Távola Redonda. Tem em seu nome - Cornwal - antiga origem galesa da palavra "corno".

Numa ponta da península, avançando pelo Canal da Mancha, situa-se a pequena cidade de Land's End (traduzindo-se para um bom português, "onde Judas perdeu as botas"). A cidadezinha medieval, no topo das escarpas rochosas, quase que se debruça sobre mar revolto e violento.

E foi alí que nasceu Jan Hornblower, criado e crescido no meio de peixes, já que seu pai era dono de uma pequena frota de barcos pesqueiros.

Aos 21 anos, após a morte do pai, o rapaz assumiu o comando da frota, o que o obrigava a ficar longas semanas distante de casa, numa solidão tremenda. Uma vez por ano, costumava viajar para lugares bem distantes, preferencialmente exóticos e diversos de sua triste terra natal.

Nos finais de semana, Maria da Paz fazia questão de não trabalhar, alegando que era o único tempo disponível que tinha para achar seu futuro. Com esse intento, ficava horas na praia, fingindo ler um volumoso romance e tostando-se ao sol. Sem coragem de usar biquini, "da Paz" vestia, sempre o mesmo maiô, tipo "arrastão", com duas peças e uma espécie de redinha que unia a parte de cima com a parte de baixo, deixando, apenas, uma visualização do umbigo.

Foi vestida assim que, na Praia do Forte, Jan Hornblowar a conheceu. Ela, uma mulata alta, sangue mestiço, pernas bem longas e cabelos da cor do carvão. Ele, um britânico alto, puro sangue celta, pernas bem longas e cabelos da cor do milho.

Em férias no Brasil, já estava meio enjoado das presas fáceis que encontrara pelas praias do Nordeste, porém, encantou-se com aquela trigueirinha de sorriso espontâneo, dentes brancos e corpo de deusa. Cheia de dengos e fazendo-se de difícil, em poucos dias, Maria da Paz conquistou o coração do gringo.

De volta à terra, Jan chorava a separação, medindo com o coração as longas cinco mil milhas que o separavam da amada. Após muitas cartas e telefonemas, capitulou ante à paixão e para lá chamou nossa baianinha, após um apressado casamento por procuração.

Como Jan lhe contara que Land's End era cercada por mar, levou na mala, dentre quase nada, seu maiô arrastão, duas "piranhas" de prender o cabelo e um pote de "Hené Maru" para alisar as caraminholas. Não se esqueceu dos patuás e nem das imagens de seus orixás protetores. Desceu em Londres, numa manhã fria e brumosa, quase em pânico. Deu um grito quando avistou seu amado "Jão", como ela o chamava. Correu a abraçá-lo, tascando-lhe um beijo, daqueles de desentupir pia, sem ao menos perceber que Jan estava acompanhado de uma senhora alta, extremamente branca e ainda bonita.

Era a sogra, Miss Daphne Hornblower que, vestida num longo manteau preto, a tudo assistia, dando claros sinais de reprovação, ante àqueles arroubos, para ela incabíveis.

Com os olhos brilhantes, Maria da Paz abriu, ali mesmo, um pequeno isopor, lotado de acarajés, fritos e acondicionados há mais de vinte horas atrás. Entregou o pacote ao rapaz, dizendo: - O que você mais gostou na Bahia, alem "de eu"...

O saguão do aeroporto ficou impregnado pelo forte odor do dendê. A sogra tapou o nariz com um lencinho de seda e ordenou ao filho que jogasse aquilo no lixo.

Foi antipatia mútua e instantânea.

ACARAJÉ: 1 quilo de feijão fradinho (aquele que tem um "olhinho" na barriga); 3 cebolas grandes; 3 dentes de alho; 300 gramas de camarões secos; sal e 1 litro de azeite de dendê. Deixe o feijão de molho de um dia para o outro. Esfregue-os e lave-os em várias águas, para soltar a casca. Passe em moedor ou processador, juntamente com a cebola e 300 gramas de camarão seco e bata, com colher de pau, até ficar uma massa leve (Quanto mais bater, mais leve fica). Tempere com o sal (cuidado), pimenta e dendê. Coloque o azeite de dendê em frigideira bem quente e frite às colheradas, virando-os apenas uma vez. Abra os acarajés e sirva bem quente, recheado com vatapá ou com o seguinte molho de camarão: Refogar em uma xícara de azeite de dendê, 3 cebolas, alho a gosto e 700 gramas de camarão defumado, sem casca, cheiro verde e pimenta à vontade.

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*João Batista Gregório, 57, paulista de São João da Boa Vista, é cronista de mão cheia. Publicou, em 2009, suas crônicas reunidas em Crenças e Desavenças e já prepara um novo livro, a ser lançado em breve. Para conhecer a sua produção, acesse o blog do JB, cheio de histórias divertidas, onde cada crônica pitoresca acaba com uma receita culinária especial, testada e aprovada! Clique no endereço abaixo e delicie-se! http://contoscurtosgrandesreceitas.blogspot.com/
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**Não percam, amanhã, as emoções da segunda e última
parte de DA BAHIA À CORNUALHA!

domingo, 30 de maio de 2010

TENHO MUITA PENA E MEDO DESTE BRASIL

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Os crimes de lesa-pátria no Brasil não tiveram início durante o período dos tucanos e aliados. Eles remontam do Brasil-Colônia e foram se sucedendo. A independência, que na prática nunca existiu, custou a saída do nosso ouro e o início da dívida externa (o País foi obrigado a assumir a dívida da Coroa Portuguesa com os ingleses). Ao final da segunda guerra mundial, estávamos abarrotados de dólares, resultado da venda de produtos estratégicos que somente nós possuíamos. Foi quando desgraçadamente apareceu um presidente nascido em Mato Grosso chamado Eurico Gaspar Dutra, um entreguista de primeira linha.
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Eleito presidente da República com o apoio de Getúlio Vargas (até tu, Getúlio?), o general Gaspar Dutra "queimou" todas as nossas reservas monetárias de maneira impatriótica, adquirindo sucatas dos Estados Unidos que haviam sobrado da guerra. Eram aviões, tanques, caminhões e outras bugigangas imprestáveis. Um verdadeiro entulho que se nos fosse entregue de graça, ainda sairia demasiadamente caro. Ora, um chefe de Estado que guardasse o mínimo de respeito ao País e à sua gente exigiria que os Estados Unidos removessem imediatamente daqui as suas quinquilharias. O "governo" Dutra, que durou de 1946 a 1950, já começou reduzindo a intervenção do Estado na economia, procedimento idêntico ao dos tucanos 50 anos depois, para vender o nosso patrimônio. E sabe-se lá quanto rolou de comissão...
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Tenho pena e medo deste Brasil nascido sob a égide da Santa Cruz, mas que se afasta a cada dia do santificado em busca da orgia pagã. Erros ônticos permanecem como uma doença endêmica, uma maleita cívica que não cura e só piora. Roubam, traficam influência, superfaturam preços e os mesmos grupos sócias permanecem no poder desde a época das colônias, ditando leis e normas que visam cada vez mais aumentar seu poder e fortuna.
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Quase todos os dias os escândalos com políticos, com governos, com más gestões públicas escandalizam nossa população. É muito fácil e simples dizer, para justificar, que políticos são frutos de uma sociedade em crise e que eles são apenas representantes dessa sociedade problemática. Não penso assim! Ao longo dos anos o sistema político criou, através de inconcebíveis leis, uma grande proteção à própria organização política. Altos salários, vantagens, regalias, penduricalhos, tudo protegido por um conjunto de regras ineficientes e inoperantes que possibilitam ao setor público condições para acobertar tamanha incompetência e desonestidade.
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Lula e Dilma, a dupla maravilha, vivem a pregar que a grande opção deles é social. Os PACs da vida. Segundo afirmam, em clara tapeação, os programas não terão cortes, mas recursos crescentes a cada mês, principalmente num ano eleitoral onde só existem duas opções - matar ou morrer, como no filme do Gary Cooper. Uma dupla com prioridade pelos pobrezinhos. Quer dizer: alimentação, habitação, saúde, assistência e educação para 180 milhões.
A Dilma falando é um desastre tranquilo. Como o Nordeste, num pega nacional, não elege ninguém, mas tem a Bahia, jegues e rapaduras, ela e Lula contam com redutos eleitorais de ficção, o suficiente - imaginam - para ajudar a candidata a subir a rampa do Palácio das Assombrações (onde JK aparece de meias e Jânio conversa com Lincoln). Para tapear os pobres-diabos que acreditam por ignorância ou indução aristotélica, os dois receberão o Nobel da carochinha. Enfim, nosso Nobel.
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Tenho pena e medo deste Brasil onde a histeria ecológica impede hidroelétricas para que sejam construídas usinas atômicas, onde o fervor da Igreja enche a rua de milhares de crianças sem pais, filhos do obscurantismo do Papa. Tenho pena desse país que vende a salvação em confortáveis dízimos e se faz plástica em trinta e seis meses de módicos pagamentos. Tenho muita pena deste Brasil, onde juízes da mais alta corte vendem sentenças em atacado. Seria como um cardeal fazer macumba em pleno Vaticano. Tenho medo desse País e do histórico abismo que nos espera. Um abismo que um dia nos engolirá como uma tropical Atlântica que não deixará memórias nem saudades além de uma infinita melancolia.
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*Edward de Souza é radialista e jornalista.
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quinta-feira, 27 de maio de 2010


A REPÚBLICA DA LÍNGUA PRESA



Desde logo vou avisando: não trata esse singelo escrito do pequeno problema de articulação do órgão muscular móvel, situado na boca, que serve para sentir os sabores, deglutir e articular sons, apresentado por alguns políticos que se movem com grande relevo no cenário nacional e internacional, conhecido, erroneamente, como língua presa. Tecnicamente, o nome da deficiência é língua flácida e pode ser corrigida por um bom especialista em fonoaudiologia, se o vivente quiser...

Afastando a digressão, voltemos à questão prioritária que enseja a discussão desejada – a dificuldade de expressão verbal e escrita que apresentam os brasileiros, como usuários da Língua Portuguesa, para comunicar pensamentos, desejos e emoções. O idioma pátrio, o vernáculo encontra-se, permanentemente, atrás das grades, assassinado, morto e enterrado por gente que nunca fez questão de fazer o dever de casa. Há exceções óbvias, quem nunca teve oportunidade de estudar, por miséria extrema, possui atenuantes...

É certo, também, que as políticas governamentais de Educação têm redundado em fracasso e não são prioridade, até mesmo porque um povo inculto, inerte e acrítico pode ser mais facilmente dominado – aceita tudo, nada questiona!

Vejam bem, quem deveria fornecer exemplos de virtude vocabular são os personagens que ora nos representam na seara política, já que de suas mãos e mentes é gerado e conformado o arcabouço legal que move o país.

E justamente as personagens da política são os maiores criminosos do vernáculo pois que o ferem de morte constantemente, sem a menor cerimônia, a sangue frio e sem piedade. O maior problema é que as excelências sequer conseguem articular convenientemente a palavra-chave de sua ação política – a proposta de solução para os “problemas” que o país enfrenta. Daí, é um tal de “poblema”, “probrema”, “plobema” “pobrema”... Pobres de nós! Parafraseando Dadá Maravilha, o homem-gol, ora transitando no cenário nacional como palestrante motivacional, para essa problemática, por enquanto, não há solucionática...

Aliás, o mandatário-mor da nação tem prestado relevante desserviço ao povo na medida em que não perde oportunidade para repudiar boas e saudáveis práticas de leitura, ao afirmar que não lê jornais porque lhe causa azia; que não estudou porque não viu necessidade...glamurizando o fato de um operário, um homem humilde, sem estudo, ter chegado à presidência da República. Ora, não é demérito ser humilde, simples, sem posses. Denigre sua imagem quem faz a apologia da ignorância, da mediocridade. Melhor e mais apropriado seria o estímulo, pelo exemplo pessoal e através de ações e iniciativas governamentais, da importância da educação sistemática e continuada, para que os conterrâneos possam adquirir habilidades e competências que os façam crescer pessoal e profissionalmente. Ganham os indivíduos, enriquece a nação!

Não podemos esquecer que a situação do Brasil é aflitiva no que tange à Educação, já que ainda são altas as taxas de analfabetismo e, mesmo os estudantes que adquiriram as habilidades de ler e escrever são considerados analfabetos funcionais pois sequer conseguem formular uma frase completa, resolver um problema de ordem matemática que exija algum raciocínio lógico ou interpretar textos sem maior complexidade. Se “O Cara” utilizasse o seu carisma e os altos índices de popularidade que amealhou para estimular o povo a pensar, através da educação, teríamos melhor sorte...

Assim, a perdurar a situação de abandono, nossa República continuará com a língua presa, sem direito a habeas-corpus ou progressão de pena, pois crime hediondo não dá direito à liberdade condicional...

Nessa hora, ardem no peito os versos de Olavo Bilac, dedicados à língua-mãe: "Última flor do Lácio, inculta e bela,/És, a um tempo, esplendor e sepultura,/Ouro nativo, que na ganga impura/A bruta mina entre os cascalhos vela..."
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*Nivia Andres é jornalista e licenciada em Letras, Sua opiniões e vivências estão no blog Interface Ativa! Acesse http://niviaandres.blogspot.com Contatos com a jornalista pelo e-mail niviaandres@gmail.com
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quarta-feira, 26 de maio de 2010


"Numa manhã, de sol, passeava ao lado do jornalista Edward de Souza por uma das praças de Santo André, quando um contínuo do Correio Metropolitano, jornal onde exercia a chefia de reportagem, veio correndo e me avisou: telefonaram do Rio de Janeiro dizendo que você ganhou o Prêmio Esso".
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Meu casamento, pelas circunstâncias, jamais iria dar certo. No ano em que me casei, começava a me projetar como jornalista e como amante. Além de manter o meu trabalho no Diário do Grande ABC, era repórter da sucursal de O Estado de S. Paulo no ABC, e, ainda assessor de comunicação social da Prefeitura de Santo André. Três empregos, três salários e... três mulheres.

Como jornalista, e considerando a minha idade, estava me revelando um bom profissional. Com o apoio do economista José Paschoal Rossetti e responsável pela sucursal - que estava na parte final do seu livro Introdução à Economia -, assimilei rapidamente os segredos da redação jornalística. Fora isso, era impetuoso e entusiasmado. Um ano antes de me casar, já havia ganho dois prêmios, importantes para mim: o Troféu João Ramalho, por vencer um concurso sobre o aniversário de Santo André, e outro troféu por ter sido escolhido como o melhor jornalista da região industrial do ABC. Para um jovem iniciante, com apenas 21 anos de idade, era a glória.

Junto com o sucesso nos meios jornalísticos, não resistia à tentação de conquistar novas mulheres. Com dois meses apenas de casado, passei a sair com a secretária do diretor de uma autarquia municipal. Era uma jovem de cabelos negros e compridos, corpo esguio e bastante sensual. Devido aos compromissos assumidos com ela, passei a me ausentar nos finais de semana e, justificava minha ausência para a Eva dizendo estar a trabalho, como enviado especial do jornal. Era tudo uma armação.

A situação se agravou - para o meu lado - quando, além dessa, passei a namorar outra. Esta, trabalhava como repórter no Diário do Grande ABC e era pouco mais de quatro anos mais velha que eu. Era descendente de italianos e muito simpática. Mais uma que exigia minha presença, principalmente nos finais de semana quando havia folga no jornal. Para as duas eu revelei ser um homem casado. Mas já era uma época em que a revolução cultural, explodida na França em 1968, espalhara como um rastilho de pólvora pelo resto do mundo. E essa revolução incluía, principalmente, o amor livre, com firme base na descoberta e liberação da pílula anticoncepcional.

Era um grito de liberdade para as mulheres e um alento para os homens. Ambos, agora, homem e mulher, não tinham mais que se preocupar com a gravidez. Era só a mulher não se esquecer de tomar a pílula e pronto... Estava tudo resolvido. A pílula anticoncepcional foi, sem dúvida, o estopim para ambos os sexos se sentirem livres das amarras que tinham a gravidez como âncora. Diante dessa facilidade, tornei-me um homem promíscuo, sexualmente falando. Com o vigor da minha juventude, e sem querer contar vantagens, cheguei a manter relações com as três mulheres em um só dia – manhã, tarde e noite. Hoje, ao pensar nessa proeza, só me resta rir e perceber que não havia sentido praticar o sexo simplesmente pelo prazer, por machismo.

Quem mais sofria com esses meus encontros amorosos era a Eva, que permanecia sozinha em casa. Ela, que sempre gostara de dançar, passear, ter um homem ao seu lado, que lhe fizesse companhia, que lhe desse carinho, amor, vivia isolada, enquanto seu marido, sempre com a desculpa de trabalho, ausentava-se. Essas constantes ausências foram deixando a Eva irritada e nervosa, o que gerava brigas e discussões.

Assim, mês após mês, o nosso casamento ruía. Ainda hoje não consigo entender qual o motivo que me levava a desprezá-la em troca de outra mulher. Era uma esposa ideal, caseira, carinhosa, dedicada, que ansiava apenas pela minha presença, pelo calor de minha presença. Não. Casada, mais parecia uma órfã. Não. Uma viúva. O seu marido, tão carinhoso na fase do namoro, agora se tornara indiferente e grosseiro, até. É que, como não tinha razão quando indagado pela ausência, usava da intolerância na tentativa de evitar maiores discussões.

Ainda nesses primeiros anos, foi que conheci pela primeira vez o Parque Nacional do Xingu. Era também a primeira oportunidade que tinha para conhecer os irmãos sertanistas Cláudio e Orlando Villas Boas. Só que, desta vez, a viagem era uma promoção da Força Aérea Brasileira, em comemoração ao aniversário do Correio Aéreo Nacional, o famoso C-47, e agora era aproveitado para rasgar as florestas brasileiras, levando mantimentos e remédios para as tribos que habitam essa imensidão ainda desconhecida por muitos. Essa primeira viagem foi a abertura de portas para uma grande reportagem que iria fazer um ano mais tarde na selva brasileira.

Coincidência ou não, ao me recordar dessa grande reportagem na selva, assistia ao noticiário de um canal de televisão quando apareceram no vídeo os destroços de um avião, que havia caído na Floresta Amazônica após o choque com um jatinho pilotado por norte-americanos. Esse, considerado um dos maiores desastres aéreos ocorridos no Brasil, causou a morte de 154 pessoas e ninguém foi considerado culpado e punido. Mas, o que despertou a minha atenção foi o local de onde o jornalista transmitia diretamente as imagens: a cidade chamada Peixoto de Azevedo. Quase nem acreditei. Isso porque, há mais de três décadas, às margens esquerdas do rio Peixoto de Azevedo - local onde se ergueu a cidade - abrigara os sertanistas, jornalistas e indígenas que integravam a expedição formada para contatar os Kranhacãrore, mais conhecidos como índios gigantes. Como havia evoluído!

Passei então a lembrar. Encontrava-me ainda na sucursal de O Estado, em Santo André, quando o Raul Martins Bastos, então editor nacional do jornal, enviou uma mensagem, via telex - na época o meio mais rápido de comunicação escrita - pedindo minha dispensa para viajar até o rio Peixoto de Azevedo, no extremo norte de Mato Grosso, quase na divisa com o Pará. Fui liberado e, na mesma semana, estava embarcando ao encontro da expedição, em um avião Cessna, fretado pelo jornal. Junto, seguiu o sertanista Orlando Villas Boas, que se encontrava em São Paulo.

Após uma rápida escala em Aragarças, em Goiás, seguimos rumo ao rio Peixoto. Lá, apenas um conhecido, que havia trabalhado comigo no Diário do Grande ABC: o fotógrafo Pedro Martinelli, na época prestando serviços para “O Globo”. Os demais, eu não conhecia, mas me informaram que eram todos jornalistas experientes. Afinal, indagaram, qual o jornal que iria fretar avião, ter enormes despesas, se não tivesse certeza do retorno de grandes reportagens?
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Essa pergunta bastou para me deixar intrigado. Estava há pouco mais de três anos no jornal, tinha pouca experiência. De índios, só ouvira falar na escola e, mais recentemente, na visita feita ao Posto Leonardo Villas Boas. Voltando um pouco no tempo, havia feito também reportagem com os índios que habitavam as matas de Barra do Uma, no litoral norte paulista. Agora, estava ali, praticamente sozinho, com papel, caneta, e duas máquinas: uma de escrever, portátil, e outra Nikon, com teleobjetiva, para registrar o encontro dos índios com os membros da expedição.
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Os dias passavam e nada de os índios aparecerem. Sobrava o silêncio da selva, o passear pela pista improvisada para o pouso de pequenos aviões. Para a gente, acostumada com as comodidades da vida moderna nas grandes cidades, é difícil adaptar-se a viver isolado, rodeado de homens, sem ter o que fazer, a não ser esperar, esperar, esperar...
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No entanto, essa solidão serviu para me aproximar do sertanista Claudio Villas Boas. Ele despertou minha atenção por ficar horas e horas sentado, um caderno apoiado nas coxas, fazendo anotações. Curioso, quis saber do que se tratava e ele me revelou: aquele era o diário da expedição, desde o seu início, desde o primeiro dia em que os índios representantes de todas as tribos do Parque Nacional do Xingu se reuniram no Posto Leonardo Villas Boas e partiram em direção ao rio Peixoto de Azevedo, vencendo florestas fechadas e rios desconhecidos e alimentando-se basicamente de peixes e pequenos animais abatidos durante a longa caminhada.
Sem nenhuma pretensão, perguntei-lhe se podia ler o seu relato e Cláudio, não só deixou, como quis saber se havia interesse em publicar algo daquele diário. Senti, na hora, a grande chance de obter o material necessário para uma grande reportagem, uma reportagem que jamais seria escrita pelos demais repórteres, porque nenhum deles havia participado da expedição desde o seu começo.
No diário, Cláudio narrava as dificuldades em atravessar a mata, o ataque dos mosquitos, a dificuldade em se obter água em caminhadas distantes dos rios, a maioria desconhecida, a solidão, a vontade dos índios em regressar para a tribo, os ataques feitos por desconhecidos -provavelmente os gigantes - e tudo o que ocorrera durante a expedição em meio a uma floresta densa e misteriosa.

Como os índios Kranhacãrore não apareciam, decidi regressar para São Paulo. O Raul poderia até me censurar, mas eu possuía um trunfo na mão: o diário de Cláudio Villas Boas. Por meio de rádio, foi solicitado um pequeno avião de Cuiabá. Daí, segui em vôo comercial para a capital paulista. Depois de supervisionado por Oliveiros S. Ferreira, então secretário de redação, “O Estado” começou a publicação do diário, que eu transformei em uma série de reportagens, a qual recebeu o nome de “No encalço dos gigantes”.

Meses depois, em fevereiro do ano seguinte, fui novamente enviado ao rio Peixoto de Azevedo. Desta vez, em menos de uma semana, os índios gigantes apareceram na margem esquerda e realizou-se o contato, que os sertanistas classificaram como “definitivo”. Essa reportagem encerrava a série que havia se iniciado com o diário de Cláudio. Apesar do sucesso, acabei sendo demitido do jornal, como uma das alternativas para liberar minha indenização e pagar algumas dívidas. Ao mesmo tempo, recolhia todas as reportagens sobre os índios e as enviava para o concurso promovido pela Esso, sem nenhuma ilusão, honestamente. A série era denominada “Expedição de Contactação dos Índios Kranhacãrore”.

Passaram-se os meses e, numa manhã, de sol, passeava ao lado do jornalista Edward de Souza por uma das praças de Santo André, quando um contínuo do Correio Metropolitano, jornal onde exercia a chefia de reportagem, veio correndo e me avisou: telefonaram do Rio de Janeiro dizendo que você ganhou o Prêmio Esso. Sorri, com desdém. Deprimido, não acreditava em nada. E, se por acaso tivesse sido premiado, seria uma menção honrosa ou coisa parecida. Não. Mais tarde confirmou-se: eu, realmente, havia ganho o Prêmio Esso de Jornalismo, de abrangência nacional. Não é preciso dizer que, para comemorar, eu bebi. E bastante. Bastante mesmo.
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Na próxima quarta-feira, o sétimo capítulo de Memória Terminal, do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, falecido em 29/11/2008. (Edward de Souza/ Nivia Andres) Arte: Cris Fonseca.
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terça-feira, 25 de maio de 2010


DE VOLTA PARA O MEU

"CARIRI"
“Só deixo meu Cariri no último pau-de-arara...” Talvez seja estranho começar esta crônica com o refrão de uma música célebre, cantada pelo não menos famoso Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Mas faz sentido, acompanhem...

Li nos jornais e assisti na TV, nos últimos dias, reportagens sobre a “exportação” de mão de obra especializada para a construção civil rumo ao Nordeste e, em especial, para Salvador, na Bahia.

Uma “exportação” de filhos do Nordeste que, desde épocas remotas e até agora, ainda migram para os estados do sul devido ao flagelo que abala constantemente aquela região, incluindo, aí, o norte de Minas Gerais.

Vítimas de uma situação climática catastrófica, os cidadãos nordestinos, nossos irmãos brasileiros, ainda eram (ou são?) explorados pelo coronelismo implacável, adepto do sistema de feudos.

Cansados dos rigores da seca, passando fome e toda sorte de necessidades, os mais corajosos aventuravam-se a fazer jornadas de três a quatro mil quilômetros até São Paulo, em busca da “Shangri-La” (para eles), um local paradisíaco criado pela imaginação de James Hilton, no filme “Horizonte Perdido”.

Muitos morriam pelo caminho. Cruzes toscas marcavam o roteiro.

Depois vieram os paus-de-arara. Caminhões cobertos ou não por uma lona, transportando os flagelados da seca. As viagens duravam muitos dias. Fome, sede, doenças várias e as cruzes continuavam a marcar a passagem dos migrantes.

Aqueles que tinham um dinheirinho a mais, viajavam nos “sacolejantes” vagões da então Central do Brasil ou nos ITA, navios da Companhia de Navegação Costeira. Sobre essa viagem, Dorival Caymmi nos deixou uma canção inesquecível: “Peguei um Ita no norte/Pra vim pro Rio morar/Adeus meu pai, minha mãe/Adeus, Belém do Pará/Ai, ai, ai, ai, ai/Adeus, Belém do Pará/Vendi meus troços que tinha/O resto dei pra guardá/Talvez eu volte pro ano/Talvez eu fique por lá...”

Parte desses nordestinos se dirigia ao Rio de Janeiro. A maioria, entretanto, tinha como destino o “Eldorado”, a capital paulista.

Mudanças radicais aconteceram na cidade de São Paulo. Os cortiços existentes no bairro do Brás e adjacências que eram, antes, habitados por imigrantes italianos, espanhóis e de outras nacionalidades que ali se instalaram, oriundos do interior paulista onde foram ter como colonos em fazendas de café, foram, aos poucos, sendo tomados por migrantes vindos do Nordeste.

As favelas proliferaram. E a cidade de São Paulo cresceu em ritmo vertiginoso.

Aqueles migrantes que sofriam com a seca e o trabalho quase escravo começaram a se especializar na construção civil. Pedreiros, carpinteiros, serralheiros...Mais tarde, as indústrias começaram a arregimentar esse pessoal. Mais migrantes vinham em busca daquilo que não encontravam em seus estados de origem. Mais especialidades...

Os anos passaram. A situação nordestina continuou no marasmo até que a indústria turística alavancou o progresso daquela região do país. Indústrias começaram ali se estabelecer e, em consequência, a falta de mão-de-obra especializada.

E agora, com o boom da construção civil, faltam braços competentes. A solução foi trazer de volta os nordestinos ou filhos destes, para alavancar o “progresso” que se instalou na região, principalmente na Bahia.

Assim, depois de muito sofrimento, os irmãos do Nordeste começam a voltar para os “cariris” regionais em busca de emprego e conforto. Conforto que a maioria não encontrou no “eldorado paulista”. Inverteu-se o roteiro. Renasceu a esperança...


"A vida aqui só é ruim
Quando não chove no chão
Mas se chover dá de tudo
Fartura tem de montão
Tomara que chova logo
Tomara meu Deus tomara
Só deixo o meu Cariri
No último pau-de-arara.

Enquanto a minha vaquinha
Tiver o couro e o osso
E puder com o chocalho
Pendurado no pescoço
Eu vou ficando por aqui
Que Deus do céu me ajude
Quem sai da terra natal
Em outros cantos não para
Só deixo o meu Cariri
No último pau-de-arara."

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*J. Morgado
é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, para o qual escreve crônicas, artigos, contos e matérias especiais. Contato com o jornalista: jgarcelan@uol.com.br
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Não percam, amanhã, o sexto e emocionante capítulo de MEMÓRIA TERMINAL, do jornalista José Marqueiz, Prêmio ESSO Nacional de Jornalismo.

segunda-feira, 24 de maio de 2010



DOCTOR STEEVE


Há quase nove anos, Osama bin Laden deixou o mundo embasbacado com o maior atentado terrorista da história e que resultou num saldo de 3.234 mortos, mais 24 pessoas desaparecidas. Lembro-me de nosso desespero, até conseguirmos contato com nossa filha, genro e neta que moram em Mamaroneck, NY, a uma hora de Manhattan.

Depois do incidente, estive por lá, ainda, umas quatro vezes e ouvi muitos casos tristes, referentes a pessoas que foram protagonistas da tragédia, como vítimas ou como sobreviventes.

Dentre os "causos" de sobreviventes, escutei uma história que, se não verdadeira, é bem provável: Trata-se do primeiro divórcio de um casal americano, no pós-atentado, por culpa de bin Laden e prestem atenção:

Naquela manhã, o Doctor Steeve Mansfield, eminente advogado de uma financeira, com escritório instalado num dos mais altos andares da "North Tower", estava em Newark, NJ, bem próximo dali, no apartamento de sua secretária, Pamela (Pam, para os íntimos), com quem mantinha um relacionamento extraconjugal.

Sua esposa, Olivia, e os filhos, Steeve Jr. e Peter, encontravam-se na residência do casal, em Greenwich,CT, quando ouviram as primeiras manchetes e notícias sobre a tragédia. Desesperada, a mulher ligou para o celular do marido, mesmo sabendo que as chances dele atender eram mínimas, a julgar pela dimensão dos estragos.

Quando Steeve atendeu, ela deu um grito de alívio e alegria: "Obrigada, meu Deus!... Steeve, onde você está, amor?!"

Do outro lado, receoso, o marido respondeu: "Como, onde estou?! Estou no escritório, preparando material para uma áudio-conferência que faremos, logo mais." A mulher ficou muda por alguns instantes, desorientada: "...Steeeeve, você está mentindo!"

"Como mentindo?... estou no escritório sim, inclusive a Pam está a meu lado, fale com ela!" A secretária-amante tomou do aparelho e disse, profissionalmente: "Hello, Mrs. Manfield! Linda manhã, não, Mrs. Mansfield!?..."

A mulher desatou a gritar, histérica: "Sua vagabunda! Se tiver algum aparelho nesta espelunca, onde vocês estão trepando, ligue nos noticiários, agoooraaaaa!"

A moça passou o telefone para o Doutor Steeve e, meio zonza, correu ligar a TV. O marido, sem entender a extensão da tragédia, gaguejava: "Meu amor, não estou compreendendo; há algo que eu deva explicar?!" A mulher rebateu: "Vá explicar para meu advogado seu filho da p..., suma de nossa vida, finja-se de morto, enfie-se nos escombros, etc...etc...”

Levantando os olhos para a TV, Doctor Steeve compreendeu...

Hoje vou ensinar-lhes a fazer Tomates Verdes Frios ("Fried Green Tomatoes"), prato típico do Alabama que ficou eternizado com o filme de mesmo nome, protagonizado pela saudosa atriz Jessica Tandy:

TOMATES VERDES FRITOS: 4 tomates verdes cortados em rodelas de 1 cm; sal e pimenta a gosto; 1 colher (de chá) de orégano; 1 xícara (chá) de farinha de trigo; 1 ovo ligeiramente batido; 1 xícara (chá) de farinha de rosca e 2 xícaras (chá) de óleo de soja ou de milho (para fritar). Tempere as rodelas de tomates com sal, pimenta e orégano. Em seguida, passe-as na farinha de trigo, no ovo e, depois, na farinha de rosca.

Despeje o óleo em uma panela pequena e aqueça em fogo médio por cerca de 4 minutos. Coloque 3 fatias de tomates por vez e frite-as por 3 a 4 minutos, ou até que atinjam uma cor ligeiramente dourada. Escorra em toalha de papel e sirva-as como entrada, acompanhadas de salada verde temperada com vinagrete de mostarda.


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*João Batista Gregório, 57, paulista de São João da Boa Vista, é cronista de mão cheia. Publicou, em 2009, suas crônicas reunidas em Crenças e Desavenças e já prepara um novo livro, a ser lançado em breve. Para conhecer a sua produção, acesse o blog do JB, cheio de histórias divertidas, onde cada crônica pitoresca acaba com uma receita culinária especial, testada e aprovada! Clique no endereço abaixo e delicie-se! http://contoscurtosgrandesreceitas.blogspot.com/
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