domingo, 6 de junho de 2010

JUNHO NO CALENDÁRIO... ÉPOCA DE FESTA


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Junho no calendário. O palco está montado. Logo mais se apresentam os grandes santos que mesclam milagres com festas. Claro, a alegria das pessoas em agradecimento às graças alcançadas. Também, por tradição, decidiu-se que o tom é caipira, com músicas e trajes que evocam a vida no campo, a vida dos que labutam de sol a sol na faina de plantar e colher, de criar animais e produzir.
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A época é de forte censura. Carne vermelha é nefasta, ovos aumentam o colesterol, cigarro é nocivo, açúcar engorda, sal aumenta a pressão arterial. Os arautos da boa saúde, do mesmo modo que os anjos do apocalipse vão bradar contra todos os tipos de praga. Para eles o ideal seria viver em escuras cavernas, voltar à pré-história, conviver com os dinossauros. Mas, junho está aí. Época de dançar e cantar, rever a velha fogueira numa noite de luar intenso, sonhar e viver. E dar uma banana solene para os que praguejam contra a alegria.
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Mastros erguidos, no alto Santo Antônio, São João e São Pedro. Fogueiras ao redor, comidas típicas, canjica, cocada, arroz-doce, pipoca, batata-doce assada, bolos de milho e broas de fubá... Gosto bom de infância, brincadeiras de pular sobre as brasas e danças inocentes, quadrilha. .
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Algumas coisas ficaram para trás por imposição do politicamente correto, caso dos balões que enfeitavam os céus. Mudaram-se costumes, vieram outras atrações e um pouco do pecado da perdição. Mas sempre é possível se divertir e também orar, que os tempos são marotos, a vida difícil, muitas crises. E os santos abrem os braços para receber as súplicas e atender aos anseios humanos, desde que sejam justos.
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No mês de junho, comemoramos os 3 santos juninos: Santo Antônio, São João e São Pedro. No dia 13 é comemorado o dia de Santo Antônio, conhecido como santo casamenteiro. A ele é atribuída uma série de graças matrimoniais. Já no dia 24, comemoramos o dia de São João, o santo mais festeiro dos três e as maiores festas ocorrem nesse dia. Ele é também um santo casamenteiro, mas é mais famoso por ajudar as pessoas a acharem objetos perdidos. São Pedro é comemorado no dia 29, suas festividades fecham as comemorações juninas e costuma ser a noite mais fria do ano. Ele é o guardião das portas do céu e também protetor das viúvas.
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Nessa época, muitas festas animam as comunidades espalhadas pelo Brasil. Os gaúchos costumam realizar a primorosa dança das fitas. No norte do país, o boi-bumbá exibe o capricho com que o povo da região preserva sua tradição. Já em muitas cidades do Centro-Oeste são apreciadas as danças do cururu acompanhadas por viola e ritmadas pelo sapateado e pelo canto cheio de rimas dos dançarinos. Na região Sudeste, o que mais se vê são as barraquinhas de quermesse que promovem sorteio de prendas e que vendem, além de algumas comidas típicas da época do Brasil agrícola - milho cozido, pinhão cozido, cuscuz, bolo de fubá -, iguarias que se popularizaram no país com a chegada dos imigrantes europeus, como quibe, esfiha e pizza.
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No Nordeste, os participantes de uma festa junina podem saborear doces brasileiros como o bolo de mandioca e tomar parte do popular forró que, com suas músicas alegres e contagiantes, faz todo mundo dançar. Atualmente, festas famosas atraem muitos turistas, como as de Caruaru, em Pernambuco; de Fortaleza, no Ceará; de Campina Grande, na Paraíba; e do Sesc Itaquera, em São Paulo.
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Recordo das festas juninas de outrora, e como é inevitável, comparo com as de agora. As festas juninas de tempos passados eram mais festas e menos comércio; as de hoje são mais comércio e menos festas. Lembro que meus tios tinham um sítio em Ribeirão Corrente, perto de Franca e para lá eu ia todos os anos, para a festa de São João. E em festa junina que se preze não pode faltar a quadrilha. Ela representa um casamento da roça. O casamento caipira surgiu como chacota aos casamentos clássicos. A noiva aparece grávida e seu pai obriga o moço a assumir a responsabilidade, fazendo-o casar com uma espingarda apontada para a cabeça. Essa história é muito engraçada, pois o pai da noiva tem todo o apoio do delegado da cidade, que é seu amigo. Durante a cerimônia o noivo, que está bêbado, tenta fugir, mas sem sucesso. Após o enlace os noivos puxam a dança da quadrilha.
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Certa vez, em uma dessas festas, fui convocado para ser o “padre”. Solenemente realizei o casamento, tudo brincadeira. Tempos depois um amigo confidenciou-me: “aqueles jovens que se conheceram naquela festa em que você fez o papel de padre, casaram-se, de verdade”. Coisas do destino...
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Mas, retomando o assunto, nas festas juninas no sítio de meus tios, no fim do dia, uma enorme fogueira já estava armada na frente da casa. Ao redor, bandeirolas e balões de papel colorido enfeitavam tudo. Os balões traziam inscrições de louvores aos santos de devoção dos fiéis, como por exemplo, “Viva São João”, ou a outro santo qualquer comemorado nesta época. Todos os cultos das festas juninas estão relacionados com a sorte. Por isso os devotos acreditavam que ao soltar um balão, se ele subisse sem nenhum problema, os desejos seriam atendidos, caso contrário (se o balão não alcançasse as alturas) era um sinal de azar. A tradição, mesmo nos dias de hoje, reza que os balões levam os pedidos dos homens até São João. Claro, não passa de crendices populares.
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Meus primos acendiam bombas e vulcões e eu ficava observando o brilho sair do chão para riscar o céu como estrelas que vão beijar o solo depois. Os cachorros latiam com medo do pipoco dos fogos, meu pai acendia os rojões para os meninos não queimarem os dedos e eu brincava com chuvas de prata, que acompanhavam meus movimentos circulares, como vaga-lumes prateados cruzando o ar. A fogueira consumia-se. E o sanfoneiro a tocar: “O baile lá na roça/Foi até o sol raiar/A casa estava cheia/Mal podia se andar! /Estava tão gostoso/Aquele reboliço/Mas é que o sanfoneiro/Só tocava isso! /De vez em quando alguém/Vinha pedindo pra mudar/O sanfoneiro ria/Querendo agradar! /Diabo é que a sanfona/Tinha qualquer enguiço!/Mas é que o sanfoneiro/Só tocava isso!
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Fogo alto, vermelho, um espetáculo bonito de se ver em meio a todo aquele breu. No dia seguinte, a manhã acordava com cheiro de pólvora dormida e cascas de amendoim espalhadas pelo chão. A fogueira ficava no ponto para assar milho e não faltava quem levasse sua espiga mais bonita, para vê-la avermelhar-se na brasa quente. Brasa vermelha, lembrança viva, é isso que sinto quando vejo as bandeirolas se erguerem novamente, riscando o céu nestas manhãs e noites de junho. Como a vida corre depressa na minha idade. Antigamente era uma eternidade. Ingênuo, eu rezava para que o tempo passasse rápido. Quem me dera soubesse o que sei hoje. Não teria tanta pressa...
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*Edward de Souza é jornalista e radialista
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