terça-feira, 3 de novembro de 2009

QUANTO VALE A VIDA DE UM SER HUMANO?


No começo da noite de segunda-feira de Finados vejo no Jornal da Band materia que sintetiza o caos do sistema de saúde brasileiro e o descaso de grande parte da classe médica tupiniquim. A notícia, com texto e imagem, mostrou a sina de um cidadão de 40 anos de Belém, Pará. O homem passou mal em casa na noite de domingo (1) e a família tentou encontrar uma ambulância ou viatura para socorrê-lo, porém não conseguiu por ser feriado nacional. O homem foi colocado em um carro particular e percorreu com a mulher e outro parente, cinco hospitais de Belém, sem obter atendimento. A desculpa foi a mesma: por ser feriado nacional os médicos emendaram o final de semana e nenhum deles trabalhou nos três dias - sábado, domingo e segunda. O homem morreu e a reportagem da TV exibiu o corpo do infeliz nos braços da mulher no interior do carro da família. Não se soube, até esta terça-feira, as causas da sua morte, mas provavelmente a farra dos médicos em um final de semana prolongado tenha sido um dos fatores do desenlace. Esse não é um caso isolado e muito menos restrito ao Norte ou Nordeste "deste País". Gostaria, certamente, redigir para este espaço, outro artigo sobre hilárias histórias de impagáveis viagens por este Brasil ao lado de companheiros do porte do nosso Edward de Souza, como algumas aqui narradas, porém o momento de indignação conduz a outros rumos, infelizmente.
Desde novembro do ano passado (dia 10), tenho percorrido as recepções e salas dos três mais conceituados centros de atendimento médico público aqui do ABC. O Hospital Anchieta (São Bernardo), Mário Covas (Santo André) e a Faculdade de Medicina do ABC (Santo André). Pelo que constatei neste um ano de visitas semanais as três casas de saúde, todas estão equipadas com o que há de mais moderno no Brasil em se tratando de medicina. Entretanto, é ai que entra a indignação, a conduta de muitos médicos, atendentes e enfermeiros ficam distante do que exige o tratamento ao ser humano. Em alguns casos constatei indescritível deboche do pessoal enfiado em jalecos impecavelmente brancos. Claro que toda generalização é estúpida e nem é esse o objetivo deste relato. Tenho visto um sem número de aberrações, insensibilidade, descaso e desrespeito ao cidadão que não frequenta corredores de hospitais pelas aparências de seus funcionários, mantidos e pagos pelo paciente desdenhado. Já na terceira idade, sendo mais da metade dedicada ao jornalismo e, por consequência, ao aprendizado da lida com o ser humano de todas as classes sociais, vejo disparates cometidos por aqueles que têm por dever e juramento servir a população com humildade, respeito e principalmente dedicação profissional.
Em um determinado momento de pouca inspiração de um rapaz, jaleco límpido, barba aparada, falando ao celular no interior da sala de atendimento, a paciência e resignação escaparam de controle e tivemos pequena altercação, que só não teve outras consequências porque o infeliz percebeu que não estava lidando com "antas" e muito menos subjugados. Fui levado a fazê-lo entender que deveria ter se formado para exercer profissão em abatedouro, labuta mais adequada ao seu caráter. Felizmente o jovem médico assimilou o recado e a pendenga ficou por ali. Mas presenciei outros lances de atendimento impessoal e alguns até desumanos, que reforçaram meu conceito sobre certas profissões e determinados profissionais.
Apenas para justificar a ocupação deste espaço, relato pequeno fato que deixa abismado qualquer ser de médio raciocínio ou espírito de pastor de ovelha. Fiz, no Hospital Mário Covas, uma biópsia no dia 22 de julho. Apanhei os exames dia 07 de agosto e, no mesmo dia, levei ao Hospital Anchieta, porém o médico só foi examinar o resultado do exame agora, dia 19 de outubro, ou seja, mais de 60 dias e, em apenas 5 minutos de atendimento, sem me olhar nos olhos, passou mais um punhado de exames (entre os mais de 50 que fiz em um ano) para depois agendar uma possível cirurgia, que deve acontecer, se não for tarde demais, somente no ano que vem. Um disparate. Vale ressaltar que o Anchieta (hospital municipal de ensino) e Mário Covas (estadual), têm parceria com a Faculdade de Medicina, da Fundação do ABC, de onde são enviados os respectivos médicos.
A irresponsabilidade no episódio da matéria da Band, que resultou na morte do jovem de 40 anos, em Belém, se junta ao que tenho visto "in loco" e sentido literalmente na carne, o desdém dos que tem a vida de um semelhante em suas mãos. Não se trata de desabafo pessoal, aliás, irrelevante, mas o relato de fatos constados na saga de quem vive em uma das mais importantes metrópoles do Brasil e da América Latina.
A qualidade e aparelhagem dos centros hospitalares, que nos três casos acima citados são de primeiro mundo, não camuflam a insensibilidade de profissionais que manipulam os equipamentos e muito menos escondem o despreparo dos que tem o dever de cuidar de vidas com a dignidade que a profissão exige.
Certamente outros tantos e triplicados casos, como o do infeliz homem de Belém, pululam Brasil adentro, em menor ou maior escala, mas que ficam no ostracismo pela resignação ou morte do paciente. Fui, nos anos 90, vítima de dois sequestros relâmpagos aqui em São Bernardo, porém nem mesmo os marginais se mostraram mais insensíveis do que certos médicos, enfermeiros e atendentes de muitos hospitais. Efetivamente, ainda estou nas mãos dos que ostentam belos anéis e vistosos diplomas, mas infelizmente boa parte está despida de sensibilidade para lidar com seres humanos. Isso, faculdade nenhuma ensina. Deveria...
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*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista, radicado no Grande ABC
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