sexta-feira, 11 de setembro de 2009

QUANDO O INIMIGO ESTÁ DENTRO DE CASA NÃO TEM FECHADURA QUE EVITA O CRIME

OSWALDO LAVRADO

ANJOS PERDENDO A INOCÊNCIA
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O cotidiano do noticiário de rádio, televisão, jornal e revistas têm sido recheados nos últimos tempos com um tipo de crime talvez mais antigo que o zagaia, mas que somente agora, em virtude da ampla divulgação pela imprensa, parece despertar a consciência da população. Trata-se da agressão sexual contra crianças e adolescentes, cuja evolução das denúncias tem causado preocupação e indignação a sociedade brasileira. Para proteger os menores, de ambos os sexos, foi criado há cerca de 20 anos o Estatuto das Crianças e do Adolescente, o famigerado ECA, que não proteje, não defende e não ampara coisa alguma. O conteúdo em si é bom, porém a ineficácia da fiscalização torna impotente sua aplicação. Tratando-se exclusivamente de Brasil, que aqui é o caso, a questão cultural tem relevância fundamental na prática da pedofilia, consentida ou não. Quando uma criança ou adolescente é atacado e o crime denunciado, a indignação é imediata e o agressor, via de regra escapa de um linchamento e, invariavelmente, vai parar na delegacia mais próxima. Se for condenado, isso já é outra história, uma vez que a sonolência da caolha Justiça arrasta por anos o antes rumoroso crime.O noticiário e as estatísticas tem comprovado que a maioria dos casos de pedofilia acontece dentro da casa do menor atacado. Meninos e meninas são violentados pelos pais e convivem com isso por anos, em aterrorizante silêncio.Pais sodomizam filhos, irmãos mais velhos atacam os mais jovens, primos violentam primos, padrastos avançam em enteados, tios sobre sobrinhos e avôs abusam de netos, isso em ambos os sexos. O drama cria proporção dantesca, já que o crime é praticado no seio da família e por falta de denúncia fica confinado entre quatro paredes. Mais intrigante ainda é a ausência de notícias de casos de adolescentes atacados por mães, tias e madrastas. O noticiário não tem registro de situações similares. Não se ouve, não se lê e muito menos se vê nos meios de comunicação que a mãe é acusada de pedofilia com o filho ou a filha, nem que "o menino de 7 anos foi estuprado pelo próprio irmão". Isso acontece com frequência, porém os casos não chegam aos Conselhos Tutelares, delegacias ou na mídia, mesmo naquela ávida por sensacionalismo. Geralmente as vítimas não denunciam por coação, ameaça, medo e temor ao risco de desestruturação familiar. Para enumerar os abusos sexuais a menores que acontecem no seio da própria família seriam necessárias várias edições deste vitorioso blog.
Apenas para registrar um caso tenebroso, um delegado de polícia da Região do ABC Paulista, cujo nome fica preservado por motivos óbvios, revelou, em certa ocasião, o caso de um pai que mantinha relações sexuais há algum tempo com o filho de 13 anos e exigiu que o menino "aliciasse" um executivo de banco, de 45 anos de idade e casado. O objetivo era, consumada a transa, extorquir o executivo sob ameaça de denunciá-lo à polícia ou ao Conselho Tutelar. E assim foi. O garoto, boa aparência, se insinuou ao homem que acabou atraído e tendo relações sexuais com o menor. Autor do plano, adrede preparado e em combinação com o garoto, o pai flagrou o executivo transando com o menino na própria casa. A tática funcionou. Ameaçado de denúncia, o executivo não teve alternativa a não ser calar a boca dos denunciantes com certa quantia em dinheiro, cujo valor aumentava com o passar do tempo. Certo dia, revoltado com os estupros praticados pelo pai e após ter levado uma surra por ter recusado uma transa com o genitor, o adolescente foi procurar o executivo e propôs uma aliança para denunciar o pai. Assim foi feito. Ambos foram à delegacia, cujo plantonista era o delegado nosso amigo, que ouviu do menor e do executivo toda a confusa e inusitada história. O delegado mandou chamar o pai do rapaz, que tentou negar as acusações, mas diante das testemunhas, acabou confessando a trama engendrada por ele e foi preso na hora. O executivo foi apenas denunciado e liberado para responder o processo em liberdade, uma vez que o delegado entendeu ter sido ele vítima de uma trama diabólica de um degenerado, no caso o pai do menor de 13 anos, que gastou uma "grana preta" com advogados, não conseguiu safar-se da condenação e perdeu de vez o filho.
Essa história, contada pelo delegado há alguns anos, sugere que quando o bandido está dentro de casa não há fechadura que evite o crime. No caso da pedofilia, os ataques em sua imensa maioria acontecem no mais absoluto sigilo, entre atacante e atacado, e geralmente fica confinado ao espaço familiar. Isso acontece há anos nas capitais, pequenas cidades, no agreste, na periferia, nos templos religiosos, nos abrigos para menores, nas escolas, favelas, cortiços, chácaras, sítios, fazendas, casas de praia e luxuosas mansões. A luta do Governo contra a pedofilia parece não estar tendo resultado, e os anjos continuam perdendo sua inocência e infância para atender aos desejos patológicos dos mais velhos. Denunciar um ente querido - filho, pai, mãe, irmão, padrasto, avô, tio ou primo - requer muito mais que coragem; é necessário possuir espírito de renúncia e é aí que o bicho pega.
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*OSWALDO LAVRADO é jornalista e radialista na Região do ABC Paulista.
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