terça-feira, 8 de março de 2011

Na esteira do artigo publicado ontem, segunda-feira, e assinado pelo escritor e jornalista Guido Fidelis, em plena terça-feira “gorda” de carnaval e quase nas cinzas da quarta-feira, resolvi escrever sobre os bons tempos dos bailes carnavalescos nos salões que reuniam adolescentes, jovens e adultos dos anos 1970, e que a partir da década de 80, foram escasseando até sucumbirem aos desfiles de rua, hoje existentes em cidades grandes, pequenas e nos vilarejos.
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Como hoje é 8 de março, Dia Internacional da Mulher, seria imperdoável caso não deixasse minhas homenagens à grande deusa de nossa existência. A ela a nossa reverência e o preito de gratidão pelo que nos ensina e incentiva, e as palmas mais vibrantes. Ela merece os aplausos. Viva a mulher!
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Corria o ano de 1975 e, como já era tradição, a Rádio Diário do Grande ABC realizava transmissões ao vivo dos principais salões da região. Para tanto, era escalada uma equipe de locutores, operadores, plantonistas e motoristas. Eram quatro noites, todos os profissionais sem dormir, com a atenção voltada exclusivamente ao trabalho de relatar, com o maior número possível de detalhes, o que ocorria de bom e de ruim nos salões onde estava um representante da Diário.

Nesse ano (1971), o time era comandado pelo locutor Rolando Marques e pelo diretor artístico Paulo César, ambos falecidos. Foram então requisitados sete locutores para cobrir a mesma quantidade de postos de transmissão: Rolando Marques, na Associação dos Funcionários Públicos de São Bernardo, Sidney Lima, no Clube Aramaçan (Santo André), Jurandir Martins, no Volkswagen Clube (São Bernardo), Oswaldo Lavrado, no Clube da General Motors (São Caetano), Márcio Santos, no Meninos FC (São Bernardo), Wilson Nascimento, no Primeiro de Maio. (Santo André) e João Motta, no plantão da rádio, em São Bernardo.

A primeira noite tudo transcorreu normalmente com o trabalho sincronizado entre os experientes locutores. O comando partia de Rolando Marques, que acionava, de acordo com determinado cronograma, os demais integrantes da equipe e cada um executava seu trabalho conforme o andamento do baile no salão onde estava e, claro, como rádio não tem imagem, com cavalar dose de imaginação do colorido das mais esdrúxulas fantasias e estereótipos dos foliões.

Na noite de domingo, no entanto, o panorama se transformou radicalmente. O salão onde eu estava, na GM, na Avenida Goiás, em São Caetano, teve um princípio de incêndio, sem causar vítimas, mas provocou alvoroço e pânico geral. A transmissão da Rádio Diário, naquele instante, estava com Sidney Lima, no Clube Atlético Aramaçan. Do local privilegiado em que eu estava instalado na GM presenciei o início do fogo, originado nas serpentinas que enfeitavam o salão, próximo a uma das portas de saída. De imediato interrompi o companheiro que estava em Santo André e comecei a narrar o incêndio. Estava em pé sobre uma mesa num canto estratégico do salão. O povão, que lotava o clube, entrou em pânico, uma vez que as chamas atingiam algumas cortinas e outros adereços do salão. As pessoas se empurravam, gritavam histericamente e procuravam as portas. Como o estouro de uma boiada, derrubava tudo que encontrava pela frente, a procura do objetivo que era um vão para escapulir do imenso salão e das labaredas que se alastravam.

Eu seguia transmitindo do meu posto até o instante que uma turba, quase tresloucada, arrebatou minha mesa, meus papeis e, claro, fui atirado ao chão segurando apenas o microfone, já fora do ar. O rompimento da linha de transmissão provocou um forte e estranho barulho. Os companheiros ficaram entre apavorados e apreensivos, pois a forma abrupta em que eu havia saído do ar sugeria a todos um desenlace trágico. O chefe, Rolando Marques, na Associação de São Bernardo, chamava aos berros (como se isso fosse necessário) a presença dos bombeiros, ambulância e médicos no Clube da GM. Os demais postos de transmissão da rádio emudeceram, como em solidariedade e apreensão ao que estava ocorrendo em São Caetano.

Acionada, a Brigada de Incêndio da própria General Motors, cuja fábrica ficava cerca de 200 metros do clube, apagou o fogo, molhou alguns foliões, as mesas foram colocadas em seus lugares e a banda seguiu com as velhas e boas marchinhas carnavalescas. De um orelhão, depois de recomposto da queda e do pânico da possibilidade de ser pisoteado, entrei em contato com a rádio, onde o plantonista João Motta se encarregou de acalmar os companheiros e os poucos ouvintes que a transmissão deveria ter, até porque era um domingo de madrugada.

A Telefônica restabeleceu a nossa linha no salão da GM e o nosso trabalho prosseguiu, sem as preocupantes interrupções. Na pista, os foliões, felizes, cantavam: Lencinho Branco, Lata d'Água na Cabeça, Bandeira Branca, Jardineira, Máscara Negra, Me dá um dinheiro aí, Cabeleira do Zezé e outros inocentes e agitados acordes carnavalescos da época, até o amanhecer da segunda-feira. As cenas de pânico na GM foram, naturalmente, por mim relatadas inúmeras vezes aos companheiros, à direção da Rádio e para alguns ouvintes pessoalmente, nos dias posteriores. Um tanto assustado, mas seguro retornei ao Clube da GM nas noites seguintes (segunda e terça), afinal o samba e nosso trabalho não poderiam parar.

Os bailes realizados nos salões praticamente sucumbiram, mas a Rádio Diário prosseguiu com sua equipe transmitindo os desfiles de rua nas principais cidades do Grande ABC e, especialmente, na Capital Paulista. E assim foi durante muitos anos, também com fatos inusitados, hilários e pitorescos que poderão ser relatados neste espaço mais à frente. Afinal, a imortal marchinha: “Ô abre alas, que eu quero passar" ainda está sendo executada nas ruas ou mesmo nos simplórios salões de periferia.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC
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