quinta-feira, 30 de abril de 2009

COMO SE CONSTRÓI UMA GRANDE PAIXÃO

Nivia Andres

O Sport Club Internacional, mais conhecido como Colorado, completou 100 anos nesse mês de abril. Resolvi então contar uma historinha de como nasceu a paixão da família Andres pelo Grêmio. Nada a ver? Tudo a ver! Foi por causa do Inter! Isso foi lá pelo fim dos anos 60. Meu pai, Luiz Carlos, não tinha preferência clubística. Quando jovem, jogou no Juventude, aqui de Santiago, time da Igreja, organizado pelo Padre Assis. Mas era só um hobby. Minha mãe, Maria Lidia, também não era ligada em futebol. Nós éramos crianças – Nivia, Nina, Marcia, João Luiz e Carlos Max. Acontece que tínhamos dois vizinhos que eram colorados doentes - Godofredo Beltrão do Nascimento (Seu Godô) e Agostinho Rodrigues Martins (Seu Neto). Fanáticos. As famílias idem. Era necessário um contraponto. A Rua Barão do Ladário não podia ser só vermelha...
Antes que eu esqueça, nossas famílias eram amicíssimas, pais e filhos. Pois bem, meu pai começou a torcer pelo Grêmio, de forma a "incomodar" os amigos. Na hora do jogo, o rádio berrava. Se o Grêmio ganhava, era um escândalo, meu pai soltava foguetes, gritava, e nós também, todos gremistas de paixão recente. Até a mãe (seguramente uma das maiores gremistas que conheço, até hoje!). A antena da nossa TV era uma torre, com sete bandeiras do Grêmio, à época do heptacampeonato gaúcho - exageros do Seu Nenê Andres, como era conhecido o meu pai. Ainda tinha um quarto personagem, o Seu Romano, um negro alto e forte, que também era colorado e vinha participar, diariamente, na Madeireira Andres, da roda de chimarrão e das discussões futebolísticas acirradas... Todos eram "entendidíssimos" de futebol! Então resolveram os amigos apostar nos resultados dos jogos de Grêmio e Inter. O prêmio - latas de doce de pêssego! A aposta era paga nas segundas-feiras. Lembro que fiquei anos sem poder pensar em comer doce de pêssego, enfarada, de tantas latas que o pai ganhou na época das vacas gordas!
Uma coisa curiosa - se o Grêmio perdia, meu pai não se importava e recebia, de bom grado e sorridente, a flauta dos vizinhos colorados... Agora, se a derrota era do Inter, o Seu Neto aparecia só na terça-feira, para o mate e a prosa. O Seu Godô, só na quinta... E não se falava no assunto. Comentários? Só se fossem sobre a próxima partida... Mas as latinhas eram sagradas! Perdeu, pagou, mesmo sem palavras. Na "impossibilidade" do pai (de cabeça "inchada"), um filho trazia.
Aliás, o bom humor e o espírito do meu pai acerca dos assuntos de futebol eram notórios e soava estranho para nós, tenros torcedores azuis. Certa feita, o Inter ganhou o campeonato e os vizinhos comemoravam, felizes. Seu Nenê não se apertou, também estourou todos os foguetes que tinha reservado para a vitória que não veio... O João Luiz, meu irmão, não entendeu nada e foi procurar a mãe, com cara de choro: "- Mãe, afinal, a gente é gremista ou colorado?" A mãe o consolou: "- A gente é gremista, filho. O teu pai só está brincando com os vizinhos!". O João ficou aliviado e foi nos encontrar: "- Ainda bem, a mãe disse que a gente é gremista!"
Assim, aprendemos, em família, a respeitar a paixão que nasce das preferências do futebol. Como não vou cumprimentar todos os colorados desta terra, nossos irmãos, cuja paixão completou 100 anos? São boas recordações. Meu pai, Seu Godô, Seu Neto e Seu Romano, já se foram. Mas o exemplo de amizade, carinho, atenção e saudável maneira de torcer vai permanecer para sempre.
A família cresceu, mas continua gremista. Só o Plínio, falecido esposo da Marcia e a Cristina, esposa do Max e sua filha, Ana, preferiram o Inter (com todo o nosso respeito, conforme a melhor tradição e o exemplo do Seu Nenê). Assim, quando vi o anúncio do Grêmio, em Zero Hora, cumprimentando o Internacional, lembrei de contar essa história. Chorei às pencas ao escrevê-la. Doce recordação.
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Nivia Andres, jornalista, graduada em Comunicação Social e Letras pela UFSM, especialista em Educação Política. Atuou, por muitos anos, na gestão de empresa familiar, na área de comércio. De 1993 a 1996 foi chefe de gabinete do Prefeito de Santiago, Rio Grande do Sul. Especificamente, na área de comunicação, como Assessora de Comunicação na Prefeitura Municipal, na Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACIS), no Centro Empresarial de Santiago (CES) e na Felice Automóveis. Na área de jornalismo impresso atuou no jornal Folha Regional (2001-06) e, mais recentemente, na Folha de Santiago, até março de 2008.
Acesse blog da jornalista: http://niviaandres.blogspot.com/
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