segunda-feira, 15 de novembro de 2010


Tivemos uma história política tumultuada, sobressaltada, onde os ditadores civis e militares marcaram a fogo nossa memória e nos deram uma espécie de anestesia coletiva da qual vez ou outra acordamos. Ao contrário dos americanos que hasteiam orgulhosamente sua bandeira na porta, nós brasileiros somos meio encabulados nessa área de mostrar um patriotismo explícito. Não cultivamos o amor nem a exposição dos nossos símbolos. Isso somente muda na Copa quando bandeiras, escudos, chapéus e roupas se enfeitam com as cores da pátria e ninguém é capaz de censurar nem estranhar esse súbito amor pela nação que se desenrola de quatro em quatro anos em meio a foguetes e charanga.

O dia 15 de novembro ficou marcado na história como o dia da proclamação da República. Só aos poucos a população tomou conhecimento de que a parada militar, ocorrida pela manhã, no ano de 1889, conduzira à mudança de regime. Logo após o dia 15 de novembro, o regime lutava para consolidar-se. Dois grupos adquiriram especial importância: os militares e os republicanos históricos, sendo os últimos, representantes da burguesia cafeeira.

Muitos brasileiros não sabem o que é república e neste feriado de segunda-feira, dia de sua proclamação, vai ter gente perguntando o que é isso, garanto. Muito desse receio de expandir o patriotismo veio de nossa história onde os símbolos patrióticos foram apropriados e espoliados por ditaduras de tal maneira que acabamos por confundir o Estado com os generais. A nossa bandeira, nem muito bela nem muito correta em matéria de heráldica nos deixa sempre um ranço de militarismo e com isso afasta a população civil que somente na época dos jogos, timidamente, como quem apresenta uma amante proibida, exibe orgulhosamente sua bandeira, venera-a, lhe faz carinhos, beija o símbolo nacional como se ele fosse a mais terna das namoradas.

Já se disse que a seleção é a pátria de chuteiras tal a importância que o futebol alcança em nosso país. Detentores de cinco títulos mundiais temos realmente de nos orgulhar de nossa performance em campo que vem desafiando os anos sempre com uma nova safra de craques que vão substituindo e demolindo os mitos antigos. Da seleção de 70 à seleção de hoje, praticamente não sentimos falta de quem já se foi, de quem perdeu o jogo da vida, pois há sempre uma nova geração para segurar a chama.

Quando um Deodoro febril mandou às favas o Império, nascia a República sem nenhuma legalidade e sem o batismo do apoio popular. República que às vezes acho que ainda não foi proclamada, devido a tanta dependência que temos. Acordamos todos unidos com Tancredo que cedo se foi, mas deixou a marca de sua coragem e tornou-se símbolo de uma luta pela liberdade. Mas não tardou para que a República mergulhasse nos mesmos vícios, na mesma luta mesquinha que torna os políticos mais importantes que o povo, quando na verdade eles não são nada mais que delegados temporais desse povo.
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Chegamos ao estágio Collor quando tivemos de recorrer à Justiça para reintegrar o país no seu caminho, para livrar a corrupção que corria desenfreada da Casa de Dinda para o Alvorada passando pelos porões das Alagoas. Mas nem isso desacelerou nosso passo. Lula que veio como o cavaleiro da esperança, o Prestes que fez a revolução pelo voto não demorou a envolver-se nas malhas do mensalão, o maior escândalo político de nossa história. Não adianta argumentar que Lula passou incólume pelo episódio. O partido que ele criou, os homens que ele escolheu, a República que ele comandava sai enlameada daquele episódio que igualmente não foi o final.

Republicano passou a ser sinônimo de cidadão correto e de cidadania. Ser republicano é uma graça alcançada apenas por poucos como os estigmas de Cristo o são para os religiosos. Só para colocar água na fervura, é bom lembrar que Adolf Hitler era um republicano. Ele não chegou ao poder por direito divino nem por um golpe armado. Ele foi conduzido ao comando da Alemanha por eleições republicanas com a benção e aprovação do povo germânico. Só depois de instalado no poder é que ele deu o golpe e criou um dos regimes mais perversos que a Terra já viu. Perverso e republicano.

Os nossos ditadores militares acreditavam - ou faziam a gente acreditar - que estavam salvando a República das garras satânicas do comunismo. E por isso criaram Atos Institucionais dignos da melhor ditadura, mas todos santificados pelo selo republicano que recebeu inclusive o endosso do Congresso. Era republicano Getúlio Vargas com seu Estado Novo e nem por isso podemos eximi-lo dos pecados mais graves contra a nossa democracia.

Republicano está na moda hoje, como já esteve ser de esquerda ou ecologista. São manias e ondas passageiras desse abençoado país que nem o Imperador consertou nem a República deu jeito, um país construído em nome de uma igualdade que é teórica, em nome de princípios que não são respeitados e de uma Constituição que pode ser rasgada ao sabor do vento como o foi no caso do Projeto Ficha Limpa. Mas como é moda, sejamos republicanos, tão ou mais republicanos que os franceses com sua guilhotina e os ingleses com sua forca os dois maiores símbolos da República no mundo.
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*Edward de Souza é jornalista e radialista
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