quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O RESUMO COM O ÚLTIMO CAPÍTULO DA SÉRIE HISTÓRIAS DE ADHEMAR, ESCRITO PELO JORNALISTA CARLOS LARANJEIRA, SERÁ PUBLICADO NA PRÓXIMA QUARTA-FEIRA.
PROBLEMAS IMPEDIRAM SUA POSTAGEM HOJE.
PEDIMOS DESCULPAS.
EDWARD DE SOUZA


Foi uma festa midiática a tomada do Complexo do Alemão que rendeu espaço do Al-Jazira a Gazeta de Restinga, sempre mostrando que o mocinho vence o bandido. Uma ação para limpar o nome do Rio de Janeiro prestes a sediar uma Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e muito necessitado de propaganda positiva. Há muito tempo que a televisão brasileira não se deliciava com uma semana da mais pura ação com bandidos temíveis, policiais heróicos e os inefáveis especialistas em segurança opinando sobre tudo e todos. Tomamos Monte Castelo pela segunda vez.


Na semana passada li um artigo contundente assinado pelo jornalista Sylvio Guedes, editor-chefe do Jornal de Brasília, criticando o “cinismo” dos jornalistas, artistas e intelectuais ao defenderem o fim do poder paralelo dos chefes do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Guedes desafia a todos que se drogaram nas últimas décadas que venham a público assumir: “eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro". O jornalista pega pesado, quando escreve que... “Quando a cocaína começou a se infiltrar de fato no Rio de Janeiro, lá pelo fim da década de 70, entrou pela porta da frente. Pela classe média, pelas festinhas de embalo da Zona Sul, pelas danceterias, pelos barzinhos de Ipanema e Leblon. Invadiu e se instalou nas redações de jornais e nas emissoras de TV, sob o silêncio comprometedor de suas chefias e diretorias. Quanto mais glamuroso o ambiente, quanto mais supostamente intelectualizado o grupo, mais você podia encontrar gente cheirando carreiras e carreiras do pó branco. Em uma espúria relação de cumplicidade, imprensa e classe artística (que tanto se orgulham de serem, ambas, formadoras de opinião) de fato contribuíram enormemente para que o consumo das drogas, em especial da cocaína, se disseminasse no seio da sociedade carioca - e brasileira, por extensão. Achavam o máximo; era, como se costumava dizer, um barato. Festa sem cocaína era festa careta”.

Sylvio Guedes foi além: “as pessoas curtiam a comodidade proporcionada pelos "gentís" fornecedores que entregavam a droga em casa, sem a necessidade de inconvenientes viagens ao decaído mundo dos morros, vizinhos aos edifícios ricos do asfalto. Nem é preciso detalhar como essa simples relação econômica de mercado terminou. Onde há demanda, deve haver a necessária oferta. E assim, com tanta gente endinheirada disposta a cheirar ou injetar sua dose diária de cocaína, os pés-de-chinelo das favelas viraram barões das drogas”.
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Pela minha experiência acumulada em mais de 30 anos como repórter de polícia, o editor-chefe do Jornal de Brasília está correto. O narcotráfico tem três vertentes. O produtor, o distribuidor e o consumidor. No Rio, a polícia conseguiu desmontar um desses pilares, ferindo gravemente o setor de distribuição com a tomada do Complexo do Alemão, mas os outros dois vetores continuam firmes e ilesos, prontos para continuar sua caminhada. Os fabricantes de Bolívia e Colômbia não vão querer parar esse lucrativo e fácil comércio carioca e, os viciados, esses esperam com maior ansiedade que a briga esfrie para que eles possam, outra vez, desfrutar seu veneno em paz e a preços mais módicos.
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São poucas as providências que o Brasil pode tomar para, quem sabe, deter a fabricação e importação das drogas. Vigiar melhor suas fronteiras, que são enormes, tentar contar com o apoio dos governos dos países onde a droga é plantada e a pasta base produzida, e solicitar a ajuda de organismos internacionais com um serviço de inteligência maior e mais bem montado. No âmbito interno, a saída seria criminalizar igualmente o consumo que trata o dependente - talvez a ponta mais importante desse triângulo, pois é quem financia - como uma vítima e não um contraventor.
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Tudo bem que o drogado precisa de apoio, mas esse apoio deve vir de forma mais contundente, com o Estado voluntariamente internando ou não os viciados em clínicas de recuperação, para ver se detém com isso o fluxo de financiamento que é a base do narcotráfico. Prender e soltar é realimentar uma máquina que não para, pois a primeira providência do dependente é procurar o traficante na esquina mais próxima e voltar a se drogar. Pode-se questionar que esse tratamento forçado não seria eficaz, mas a sociedade não pode mais passar a mão na cabeça de um viciado apenas porque ele resolveu nadar contra a Lei.
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Há muito ainda para ser feito e ninguém pense que as drogas vão desaparecer do Rio por mágica, até porque o proibido, o raro, exerce ainda mais fascinação sobre quem consome. Sempre haverá um viciado, e para ele, haverá um traficante. Romper esse triângulo maldito que reúne produtor, vendedor e consumidor é a única forma possível para acabar definitivamente com o reino de terror dos narcotraficantes.
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*Edward de Souza é jornalista e radialista
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