domingo, 25 de julho de 2010

NO TEMPO EM QUE O AMOR ERA ETERNO

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Sou da geração em que os namorados fugiam e o amor era eterno. Tudo acertado, na calada da noite eles desabavam num carro emprestado ou num lombo de cavalo e deixavam loucos pais e mães. A moça era levada à casa de um casal amigo das duas famílias que garantiam sua virgindade até a hora do casamento. Mas o estrago já estava feito. Uma moça de família passar uma noite com o namorado numa estrada ou em casa estranha! Era o bastante para vencer a resistência familiar e correr as proclamas, enquanto os dois fugitivos eram mantidos isolados um do outro, depois da prazerosa noite de amassos. Muitos pais sérios de hoje casaram nessa base, uma história romanesca e cômica.

Meu avô, no começo do século passado, percebendo que sua amada estava prometida para o filho de um rico fazendeiro, arquitetou um plano audacioso para a época, principalmente porque a jovem, que viria a ser minha avó, tinha pouco menos de 14 anos de idade. Montado num cavalo, pela madrugada chegou de mansinho e bateu na janela onde a jovem, acordada, o aguardava. E fugiram pelas ruas poeirentas de Franca. Amanheceram num posto policial da cidade onde se casaram, por ordem do delegado de polícia, que chamou o capelão para celebrar as núpcias. Antes, os pais dos noivos, furiosos, foram comunicados e mesmo contrariados, participaram da cerimônia. Tudo pela honra, afinal, uma menina de 14 anos, virgem, havia fugido de casa no lombo de um cavalo e passado a noite em companhia de um homem pouco mais velho. Um amor eterno, registraria a história, que só a morte conseguiu interromper, depois de 10 filhos e muitos e muitos anos de feliz e pacífica convivência.

Tempos depois, nos anos 50, 60, a vida continuava difícil para um adolescente. Para conhecer melhor aquela menina bonita da escola, precisava torcer para que ela aceitasse o convite para a matinê de cinema. Depois, tinha que conseguir a autorização dos pais. Tudo isso para poder segurar na mão. Sexo, nem pensar. Era preciso amargar um longo namoro no sofá e muito tempo depois arriscar um pedido formal de casamento.
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Foi na minha época que surgiram as calças de naycron - revolucionárias -, as camisas Volta ao Mundo, assim como os sapatos Vulcabrás - eu usei esse sapatão como uniforme escolar. E do sabonete Life Boy. Ainda tinha os seriados enlatados da televisão. Bonanza, Combate, Missão Impossível, Bat Masterson, Magnum, Papai Sabe Tudo, Vigilante Rodoviário... Lembram-se disso? Do James West? Coisas inocentes... E como marcou o tal de Repórter Esso, hein?

E mais: sou da geração dos hippies que revolucionaram totalmente os costumes, pregando o amor livre, a não violência e protestando contra a guerra no Vietnã. Eram totalmente adeptos do pacifismo. Moravam em comunidades onde todas as tarefas domésticas eram divididas. E por aí afora. Fase importantíssima. Com eles apareceram os exercícios de meditação, os incensos, as gírias e algumas drogas - infelizmente. Seus cabelos eram compridos e suas vestes despojadas. O lema era “Paz e Amor”.

Hoje tudo mudou. Ninguém pede mais autorização aos pais para namorar e não se foge. Muito ao contrário, se fica. Nunca entendi e nunca vou entender, pois não faz parte da minha geração a diferença entre ficar e namorar. Mas deve existir algum, pois as meninas e meninos separam definitivamente uma coisa da outra e parece que ficar, segundo ouvi dizer, tem um conotativo mais irresponsável, menos comprometedor, tipo arte pela arte ou amor pelo amor. E assim os casais vão ficando, ficando até que alguma gravidez indesejada ou um desejo súbito os leve ao casamento que não precisa mais do consentimento dos pais e muito menos da aquiescência do pároco. Basta juntar as escovas e tudo está revolvido sem escândalos.

Imagino que essa geração dará casais bem mais sadios que a nossa, acostumada ao rigor dos pais mal-humorados e das mães vigilantes, para não falar naquele irmão menor ávido comedor de chocolates e vigilante na preservação do patrimônio moral familiar. Quando pequeno fui um destes “malinhas” - conhecidos na época como "velas" - a serviço de minha avó. Para ganhar balas e doces ela me deixava como um cão de guarda em volta de uma tia que namorava num banco de madeira, colocado no alpendre da casa. E pedia para que eu ficasse no meio do casal, coitados. Ao lado do aspecto cômico, muita crueldade se praticou em nome da moralidade, como separar casais que se amavam, exilar filhas amorosas e até surrar namorados mais ousados. Não é à toa que o “bardo” continua fazendo sucesso com seu Romeu e Julieta, pois os amores impossíveis são sempre mais lembrados que o amor comum.

As pessoas de mais de 50 anos aprenderam a tapa e na rapidez a assimilar todas as mudanças do mundo. Não existem mais velhos como antigamente. Essa foi uma geração que mudou tudo. Culpa da pílula, dos Beatles, da Internet, da globalização, do Muro de Berlim, da televisão, da tecnologia, do Viagra. Até morrer ficou diferente, perceberam? Os filhos, por falta de emprego, não têm mais anseios de ir embora. Ficam morando eternamente e com os controles remotos da TV, do DVD, do ar-condicionado na mão. Afinal, quem detém o poder do controle remoto manda na casa. São eles.

Acredito que essa geração nunca ouviu falar que os casais antigos fugiam, nem saiba ou imagine o que é isso dispondo de toda liberdade que eles dispõem para se encontrarem e se afastarem, se experimentarem e experimentarem a vida sem que por isso reputações sejam derrubadas. Tudo bem longe do meu tempo onde uma “moça falada” estava condenada à perpétua solidão ou à constante troca de pares, pois não mais era noiva adequada a ninguém e muito menos apreciada pelas famílias de quem herdariam o nome. Cheguei a uma conclusão, vivo num mundo muito louco onde cada um veste sua fantasia e pula sozinho; e desta época jamais sentirei saudades!
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*Edward de Souza é radialista e jornalista
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