quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

As armas (duas metralhadoras e bazucas, além de granadas) que haviam sido encontradas no jornal são enfatizadas no inquérito instaurado pela secretária da Segurança Pública e a família proprietária de O Estado de S. Paulo não apresenta formalmente nenhuma contestação, só Júlio de Mesquita chama Adhemar de “um fantoche a serviço de Vargas.”

“As armas não teriam sido depositadas na sede de O Estado por pessoas interessadas em calar o único jornal que luta para romper a censura à imprensa?” pergunta-se nas ruas. O Interventor Federal nem dá ouvidos. O inquérito o convence que se trata de um complô para derrubar Vargas e, além de Júlio de Mesquita Filho e Paulo Duarte (foto), ele manda prender 41 pessoas, inclusive o jurista Francisco Morato, colaborador de O Estado de S. Paulo e, até então, o único brasileiro com o título de professor emérito da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e homem de uma oratória instigante. Ao ser preso, Morato organizava as celebrações do centenário de nascimento do conselheiro Antônio Prado, fundador do Partido Democrático, o qual havia sustentado a candidatura presidencial do ex-governador Armando de Salles Oliveira. No entendimento do Interventor, essas comemorações seriam utilizadas como um pretexto para os seus organizadores promoverem manifestações de rua contra o Estado Novo, inclusive com o uso de armas.

Concluído o inquérito, o governo federal confisca as ações da empresa jornalística O Estado de S. Paulo por 20 mil contos de réis, mas a família Mesquita recusa-se a receber sua parte, preferindo manter o direito de um dia recomprar as ações confiscadas e tê-las de volta. O jornal havia sido fundado em 1875 por um grupo liderado por Américo Brasiliense e Campos Salles, com o nome de Província de S. Paulo e desse grupo Júlio de Mesquita, representante da elite agrária paulista, o patriarca da família, comprou a maioria das ações, alcançou a direção e nela permaneceria, exceto numa rápida passagem de Rangel Pestana.
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Boa parte dos paulistas não se conforma com o fato de o jornal ter sido retirado à força por Getúlio Vargas e esse inconformismo deixa-o em situação incômoda. Então, por intermédio do chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), Lourival Fontes (foto), tenta repassar as ações à Associação Paulista de Imprensa, que rejeita a oferta. Lourival sugere ao governo transferir as ações aos funcionários do próprio jornal para eles o gerenciarem por meio de cooperativa, mas Vargas não aceita a proposta e, a despeito das pressões do povo paulista, decide continuar a tocar o Estadão, como o jornal passaria a ser conhecido.

Em consequência dessas notícias e de que no relatório final do inquérito do delegado Hugo Auler, enviado ao Tribunal de Segurança Nacional, é citado como um dos incentivadores do plano contra o Estado Novo, Armando de Salles Oliveira vê a saúde declinar no exílio. Ele dá conferências nos Estados Unidos, mas a vontade de retornar ao Brasil não o abandona, então para ficar mais próximo do país de origem decide transferir-se para a Argentina, mas o ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha (foto), dificulta na diplomacia americana o endosso no passaporte para ele deixar o país e, assim, Armando fica mais indignado e deprimido.
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A doença do ex-governador chega ao conhecimento de Adhemar de Barros, este chama ao seu gabinete o poeta Cassiano Ricardo, funcionário público estadual lotado na Secretaria de Governo, figura de proa do movimento modernista de 1922 e escritor consagrado, por quem o Interventor tem especial admiração. Adhemar pede-lhe para escrever uma carta a Getúlio Vargas, na qual, em nome da pacificação do estado, sugere o retorno de Armando de Salles Oliveira ao país e a sua presença na vida pública, sem retaliações. Cassiano redige então um documento que seria apontado como um dos melhores já escritos na política brasileira, mas Adhemar, precavido por não saber qual será a reação de Vargas, não o divulga.

Ao receber a carta e lê-la, o ditador considera o pedido de perdão típico de um homem ingênuo, que não sabe tratar inimigo como inimigo. Então, de uma hora para outra, Adhemar torna-se alvo de uma forte campanha iniciada por Epitácio Pessoa Cavalcanti, o Epitacinho, (foto), amigo pessoal de Getúlio e por Coriolano Góes, ex-secretário da Fazenda do Interventor. Eles preparam um dossiê entregue a Vargas no qual alegam ser a administração paulista perdulária, de ter ligações com integralistas, que teriam informado ao Interventor as reuniões secretas na sede de O Estado de S. Paulo. Ainda lembram os discursos antigetulistas que Adhemar pronunciava na Assembléia Legislativa como deputado estadual.
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No Rio, Getúlio Vargas havia esmagado a “revolução verde”, liderada por um outro paulista, Plínio Salgado (foto), chefe dos integralistas, também preso e enviado ao exílio em Portugal. Plínio havia sido enganado: Getúlio lhe prometeu o Ministério da Educação se contasse com o apoio dos integralistas para derrotar os comunistas. Teve esse apoio e não cumpriu a promessa, então os “camisas verde”, como os integralistas eram chamados, realizaram um movimento armado contra a ditadura, que os dominou. No Ministério da Educação, sonho de Salgado para infundir na juventude a sua doutrina, continuou o político mineiro Gustavo Capanema, assessorado por um outro mineiro, o poeta Carlos Drummond de Andrade.
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Mas, nesse ano, não era Drummond quem brilhava no mundo das letras e sim a poetisa, professora e jornalista Cecília Meirelles (foto), autora de artigos incisivos contra a ditadura Vargas, no Diário de Notícias: “Educação, para mim, é botar, dentro do indivíduo, uma estrutura de sentimentos, um esqueleto emocional,” escrevia a jornalista e poeta, que possuía um rosto afável, mas um gênio de revolucionária. A ela recorre um jovem com o desejo de se introduzir nos mistérios da arte da palavra escrita e falada, para vingar o pai que havia sido preso e humilhado sucessivas vezes pelo ex-presidente Wenceslau Braz e por Getúlio. Nome: Carlos Lacerda. Assim como o pai, jornalista Maurício de Lacerda, Carlos havia comungado do ideal comunista, o qual renegou ao descobrir que se tratava de “uma ditadura mais organizada que a de Vargas.”
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Carlos Lacerda (foto), aproxima-se dos opositores de Vargas, inclusive das famílias Mangabeira (João e Otávio) e Mesquita (Júlio de Mesquita Filho e Júlio de Mesquita Neto) e começa a articular a cisão das forças armadas. Ele entende que a queda de Getúlio passa por um processo de desunião da Marinha, Exército e Aeronáutica e com este pensamento conquistaria à sua causa a simpatia de oficiais graduados como o general Juraci Magalhães e o Brigadeiro Eduardo Gomes, que o ajudariam a costurar amplo acordo nacional e formalizar a criação da UDN (União Democrática Nacional).
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Getúlio Vargas (foto), demite da Interventoria Federal em São Paulo Adhemar de Barros, de quem passou a desconfiar com o pedido de perdão para Armando de Salles Oliveira. Então Carlos Lacerda, que se transformaria em gênio da oratória política e jornalista panfletário e combativo, encontraria campo fértil para espalhar a idéia de que movimentos de rebeldia isolados não adiantavam e só uma união nacional possuiria as característica para derrubar o ditador. Ele seria preso mais vezes do que o pai, e a cada prisão cresce o sentimento de ódio à ditadura e não o faria desistir da ação de aplicar quantos golpes fossem necessários à queda de Getúlio Vargas.
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CARLOS LARANJEIRA
começou no Jornal da Bahia, Salvador, no ano de 1968, época em que Glauber Rocha era o editor do Suplemento Cultural no qual escreviam João Ubaldo Ribeiro, Caetano Veloso, Tom Zé, Tuzé de Abreu, Capinam e outros menos conhecidos no Sudeste, a exemplo de Florisvaldo Matos, um dos poetas mais consagrados do estado, hoje editor-chefe do jornal A Tarde. Na Bahia, trabalhou também na Rádio Cruzeiro e na Semana Católica, criada por Dom Eugênio Salles, Arcebispo de Salvador e Cardeal Primaz do Brasil. Diretor do POLÍTIKA DO ABC e do JORNAL DO LIVRO, o jornalista é autor de vários livros, o mais recente, POLÍTICA PARA PRINCIPIANTE.
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Na próxima quarta-feira o quinto capítulo da série “Histórias de Adhemar”, escrita por Carlos Laranjeira com exclusividade para este blog. (Edward de Souza).
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