quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010



FLAGRANTES DA VIDA (IV)


Quatro horas da manhã/Sai de casa o Zé Marmita/Pendurado na porta do trem/Zé marmita vai e vem/ (...)

Hoje iremos reviver histórias do Rio, a terra do carnaval, de tórridos amores, das
escolas de samba, dos puxadores onde sempre estará no primeiro trono Jameão (D), que conheci em São Paulo, cantando no Salão Verde (taxi girls) inicialmente no Edifício Martineli, depois na Rua São Bento, ao lado do largo do mesmo nome, onde há uma estação do metrô. Era cantor efetivo de uma gafieira do Rio, proximidade da Lapa, acima do Arcos. Eram comuns as gafieiras na cidade como entretenimento popular. Jorge Veiga (E), cantor da Rádio Nacional, fez enorme sucesso com a música “Pistão de Gafieira”, inspirado nelas: Na gafieira, segue o baile calmamente/Com muita gente dando volta no salão/Tudo vai bem, mas, eis, porém, que, de repente/Um pé subiu, alguém de cara foi ao chão. (...)

Ainda em ressaca do carnaval que acabou, sigo cantando para minha colombina: você partiu/ saudades me deixou/ eu chorei/ o nosso amor foi uma chama/ o sopro do passado desfaz/ agora é cinza/ tudo acabado e nada mais/(...)

Eu falava no capítulo anterior, da carreira de Bob Nelson; no entanto, o Brasil não conhece uma particularidade de sua vida atrelada ao grande Lua, o mestre sanfoneiro Luiz Gonzaga. O sanfoneiro começou no Rio, tocando nos cabarés da Lapa e ainda não cantava. Ao final de cada apresentação, corria a bacia para recolher gorjetas e manter-se. Contava Bob Nelson que a primeira contratação do Lua foi arrumada por ele, na Rádio Nacional. Bob ao assinar seu próprio contrato, sugeriu o sanfoneiro que queria como acompanhante: Luiz.

A emissora Continental do Rio, pertencente ao grupo de Rubens Berardo, era projeto ambicioso no rádio carioca. Gestor de sonhos, Gagliano Neto (D) foi seu fundador, em 1948
, ele o homem que transmitiu a primeira Copa do Mundo, realizada na França, em 1938. Imaginava a Continental integralmente dedicada à notícia e esportes. Chegava a adiantar em meios radiofônicos: “um dia teremos, no Rio, a Emissora Continental cobrindo tudo, com carros de reportagem equipados para transmissão, ombreando-se com a rádio-patrulha em número de veículos”. Não viu realizado o desejo, voltou a São Paulo onde se dedicou a transmitir corridas de cavalos, no Jockey Clube.

Temos entre nossos leitores um número considerável de universitários, sempre interessados em avaliar acontecimentos importantes da história. Em minha opinião, a Emissora Continental do Rio de Janeiro, embora conte com escassez documental de seu passado e, até prova oral, pelo desaparecimento de muitos que viveram seus momentos, merece estudo mais acurado de sua ação e efeito na vida da rádiorreportagem. O sonho, a abnegação, o amor ao sempre presente “Comando Continental,” falando de todos os pontos do Rio, seu pioneirismo e sua utilidade pública, faz pertinente pesquisa mais aprofundada.

Carlos Palut, Ary Vizeu, Manoel Jorge, Paulo Caringi, Dalwan Lima, Perez Júnior, Jorge Sampaio, Paulo Cesar Ferreira eram jornalistas do microfone volante, rondando a cidade nas 24 horas. A reportagem externa contava com a retaguarda dos informativos de meia em meia hora: Repórter Carioca (local) e Repórter Continental (internacional).

Fui contratado, inicialmente, para leitura dos informativos. Acumulei, mais tarde, a apresentação de um musical na madrugada; Boate dos 1.030, onde promovia lançamentos musicais. Era muito frequente a visita de um grande repórter, com suas produções musicais - David Nasser (E), com quem alonguei papos nas noites do Rio.

Por indicação do deputado Rubens Berardo, fui prestar serviços à dona Darcy Vargas, no Palácio do Catete, na elaboração e distribuição de informações da LBA, Legião Brasileira de Assistência, entidade por ela criada em 1942, em cuja presidência se mantinha.

Em Copacab
ana, longe de pensar na violência que hoje assola o Rio, a noite cheia de mistério e romantismo era constante convite aos prazeres e à boemia. Minha morada, antes no Flamengo, passou a ser na Rua Viveiros de Castro, no Posto 2 de Copacabana. Participei, com Fernando Salgado, crítico de cinema, Ângela Maria, Esther de Abreu, Marly Sorel, Manoel Jorge e outros, da fundação do Clube de Cinema em espaço cedido pelo Barão Von Stuckart. Ali ao lado funcionava a Boate Vogue, de sua propriedade, cujo prédio veio a incendiar-se em 1955, deixando trágico resultado. Parece ser sabido o gosto de Silvio Caldas pela arte da culinária. O barão abriu no local um fino restaurante chamado Casa Grande e Senzala; Silvio assumiu a cozinha, área Brasil. Eu estava lá: era seu convidado às quintas feita.

Uma pequena casa noturna em frente ao Vogue, de nome Tasca, pilotada por seu proprietário, músico e compositor, Djalma Ferreira (D), era ponto obrigatóri
o das mais lindas mulheres. Eu estava lá. Foi transformada, mudou de nome: Boate Drinks. As lindas mulheres permaneceram. Entrou Miltinho (E), esbanjando sucessos musicais. A bola da vez era: Você, mulher/Que já viveu, que só sofreu/Não minta/Um triste adeus nos olhos seus/A gente vê, Mulher de Trinta/No meu olhar, na minha voz/Um novo mundo, sinta/É bom sonhar, sonhemos nós/Eu e você, Mulher de Trinta/Amanhã sempre vem/E o amanhã pode trazer alguém/

Eu fiquei lá...(continua)
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José Reynaldo Nascimento Falleiros (Garcia Netto), 81, é jornalista, radialista e escritor francano. Autor dos livros Colonialismo Cultural (1975); participação em Vila Franca dos Italianos (2003); Antologia: Os contistas do Jornal Comércio da Franca (2004) e Filhos Deste Solo - Medicina & Sacerdócio (2007). Cafeicultor e pecuarista, hoje aposentado. A Série Relembranças será editada em cinco capítulos semanais, às quintas-feiras, em que o profissional revisita, com sua memória privilegiada, flagrantes da vida que fazem parte da história de nosso país.
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