

Apesar de pertencer a uma família pobre, posso dizer que levei uma infância de rico. Nasci em Santo André numa fria madrugada de junho de 1948 e, dois meses após, fui no colo de minha mãe para Bálsamo, para onde minha família passou a morar. As ruas ainda eram de terra. As casas térreas, com amplos quintais, todos com árvores frutíferas. As residências dos meus avós eram as preferidas. A dos meus avós maternos possuía mangueiras com os mais diversos tipos de manga – a que eu mais apreciava era a Bourbon. Havia, ainda, rente às cercas de arame farpado no quintal, pés de abacaxi, que eu saboreava ali mesmo quando eles amadureciam. A dos meus avós maternos era preferida por causa de suas jabuticabeiras, das pequenas às grandes. Doces como mel, eu as saboreava nos próprios pés, diante do sorriso maroto do meu avô Angelim, um tipo pequeno e simpático.Na outras casas, também, nada era proibido. Por isso, eu, sempre quando tinha vontade, invadia os quintais dessas casas e pegava minha fruta preferida - laranja, caju, melancia, dependendo da época. As mangueiras predominavam na maioria dos quintais.
revista Cruzeiro, já extinta, e da Readers Digest e, nas horas de folga, eu ficava lendo em sua barbearia. Na Cruzeiro, não deixava de apreciar a última página, com a crônica de Rachel de Queiróz. Ambas, proporcionam boas leituras, bom passatempo, principalmente para uma criança que começava a descobrir o mundo exterior. .
Namorar com aquela idade era sonho e brincadeira. Cheguei a paparicar uma das meninas, da qual nem me lembro o nome. Mas lembro, não só do nome, mas também do rosto de uma por qual me apaixonei, se é que se pode chamar de paixão o sentimento de um menino com menos de dez anos. Chamava-se Alaíde, era morena, tinha cabelos negros e um sorriso encantador. Eu a via com mais freqüência aos sábados, pela manhã, quando ia até a sua casa engraxar sapatos. Ingênuo, ignorava que ela jamais iria se enamorar por um engraxate, sabendo que os garotos de família rica também a desejavam. Já se passaram quase meio século e eu ainda tenho essa menina em meu pensamento: Alaíde, minha paixão infantil. .
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aquela dos castelos gigantes e misteriosos, de ruas estreitas, de bares camuflados nos porões, nos tapetes voadores, nos reis e nas rainhas e, principalmente, de Ali Babá e os 40 ladrões – este último que ficou mais famoso no Brasil depois que políticos confundiram Ali Babá como chefe dos 40 ladrões e não como o seu o seu implacável perseguidor. Bagdá me lembrava – e ainda me lembra na imaginação – a cidade dos sonhos, das lâmpadas maravilhosas realizadoras de desejos impossíveis. Jamais – mesmo nos dias de hoje – deixei que a guerra desfechada por sanguinário norte-americano, no suposto extermínio de armas nucleares, na conquista permanente da paz mundial, eliminasse de minha mente essa visão romântica. Agradeci, respirei, como se ali estivesse um oásis. Restabelecida a respiração normal, ia recomeçar a caminhada de volta ao meu quarto, quando ela formou uma espécie de triângulo com seu braço esquerdo e ofereceu a ajuda, com uma ternura, com uma meiguice jamais sentida em toda a minha vida. Não afeito à delicadeza tão espontânea, me neguei a aceitar e ela insistiu, formando de novo o triângulo com o braço esquerdo: "Aceite, por favor".
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Na próxima quarta-feira, o décimo segundo capítulo de Memória Terminal, do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, falecido em 29/11/2008. O Prêmio Esso de Jornalismo é o mais tradicional, mais conceituado e o pioneiro dos prêmios destinados a estimular e difundir a prática da boa reportagem, instituído em meados da década de 50. (Edward de Souza/ Nivia Andres) Arte: Cris Fonseca.
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