segunda-feira, 31 de maio de 2010


DA BAHIA À CORNUALHA , I


A Costa do Dendê, situada entre o Recôncavo Baiano e o Rio das Contas, no litoral sul da Bahia, era ocupada pelos indios Tupinambás, quando do descobrimento. Essa tribo foi dizimada pela varíola, abrindo espaço para os Aimorés e, posteriormente, para os jesuítas portugueses que a colonizaram.

Bem próxima à Costa está situada Boibeba, uma ilha deslumbrante, distante 100km de Salvador, com um clima excelente e praias luxuriantes. O povoado, apesar de pequeno, é um dos locais de colonização mais antigos da Bahia (1537).

E foi ali que nasceu Maria da Paz. Criada e crescida no meio dos mangues, a catar siris e caranguejos, que seus pais vendiam aos turistas, num boteco à beira-mar.

Ali pelos dezesseis anos, Maria da Paz foi-se embora para Salvador, a trabalhar como faxineira diarista, por um tempo e, posteriormente, como garçonete. Dava um duro danado, mas jurava nunca mais voltar ao povoado natal: "Não nasci pra aquilo", dizia ela.

A Cornualha é um condado britânico, com pouco mais de 500 mil habitantes, situada ao extremo sul da Inglaterra. Uma inóspida região, açoitada pelos ventos costeiros e referendada como sendo a lendária terra perdida de Lyonesse, nas aventuras do Rei Arthur e seus Cavaleiros da Távola Redonda. Tem em seu nome - Cornwal - antiga origem galesa da palavra "corno".

Numa ponta da península, avançando pelo Canal da Mancha, situa-se a pequena cidade de Land's End (traduzindo-se para um bom português, "onde Judas perdeu as botas"). A cidadezinha medieval, no topo das escarpas rochosas, quase que se debruça sobre mar revolto e violento.

E foi alí que nasceu Jan Hornblower, criado e crescido no meio de peixes, já que seu pai era dono de uma pequena frota de barcos pesqueiros.

Aos 21 anos, após a morte do pai, o rapaz assumiu o comando da frota, o que o obrigava a ficar longas semanas distante de casa, numa solidão tremenda. Uma vez por ano, costumava viajar para lugares bem distantes, preferencialmente exóticos e diversos de sua triste terra natal.

Nos finais de semana, Maria da Paz fazia questão de não trabalhar, alegando que era o único tempo disponível que tinha para achar seu futuro. Com esse intento, ficava horas na praia, fingindo ler um volumoso romance e tostando-se ao sol. Sem coragem de usar biquini, "da Paz" vestia, sempre o mesmo maiô, tipo "arrastão", com duas peças e uma espécie de redinha que unia a parte de cima com a parte de baixo, deixando, apenas, uma visualização do umbigo.

Foi vestida assim que, na Praia do Forte, Jan Hornblowar a conheceu. Ela, uma mulata alta, sangue mestiço, pernas bem longas e cabelos da cor do carvão. Ele, um britânico alto, puro sangue celta, pernas bem longas e cabelos da cor do milho.

Em férias no Brasil, já estava meio enjoado das presas fáceis que encontrara pelas praias do Nordeste, porém, encantou-se com aquela trigueirinha de sorriso espontâneo, dentes brancos e corpo de deusa. Cheia de dengos e fazendo-se de difícil, em poucos dias, Maria da Paz conquistou o coração do gringo.

De volta à terra, Jan chorava a separação, medindo com o coração as longas cinco mil milhas que o separavam da amada. Após muitas cartas e telefonemas, capitulou ante à paixão e para lá chamou nossa baianinha, após um apressado casamento por procuração.

Como Jan lhe contara que Land's End era cercada por mar, levou na mala, dentre quase nada, seu maiô arrastão, duas "piranhas" de prender o cabelo e um pote de "Hené Maru" para alisar as caraminholas. Não se esqueceu dos patuás e nem das imagens de seus orixás protetores. Desceu em Londres, numa manhã fria e brumosa, quase em pânico. Deu um grito quando avistou seu amado "Jão", como ela o chamava. Correu a abraçá-lo, tascando-lhe um beijo, daqueles de desentupir pia, sem ao menos perceber que Jan estava acompanhado de uma senhora alta, extremamente branca e ainda bonita.

Era a sogra, Miss Daphne Hornblower que, vestida num longo manteau preto, a tudo assistia, dando claros sinais de reprovação, ante àqueles arroubos, para ela incabíveis.

Com os olhos brilhantes, Maria da Paz abriu, ali mesmo, um pequeno isopor, lotado de acarajés, fritos e acondicionados há mais de vinte horas atrás. Entregou o pacote ao rapaz, dizendo: - O que você mais gostou na Bahia, alem "de eu"...

O saguão do aeroporto ficou impregnado pelo forte odor do dendê. A sogra tapou o nariz com um lencinho de seda e ordenou ao filho que jogasse aquilo no lixo.

Foi antipatia mútua e instantânea.

ACARAJÉ: 1 quilo de feijão fradinho (aquele que tem um "olhinho" na barriga); 3 cebolas grandes; 3 dentes de alho; 300 gramas de camarões secos; sal e 1 litro de azeite de dendê. Deixe o feijão de molho de um dia para o outro. Esfregue-os e lave-os em várias águas, para soltar a casca. Passe em moedor ou processador, juntamente com a cebola e 300 gramas de camarão seco e bata, com colher de pau, até ficar uma massa leve (Quanto mais bater, mais leve fica). Tempere com o sal (cuidado), pimenta e dendê. Coloque o azeite de dendê em frigideira bem quente e frite às colheradas, virando-os apenas uma vez. Abra os acarajés e sirva bem quente, recheado com vatapá ou com o seguinte molho de camarão: Refogar em uma xícara de azeite de dendê, 3 cebolas, alho a gosto e 700 gramas de camarão defumado, sem casca, cheiro verde e pimenta à vontade.

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*João Batista Gregório, 57, paulista de São João da Boa Vista, é cronista de mão cheia. Publicou, em 2009, suas crônicas reunidas em Crenças e Desavenças e já prepara um novo livro, a ser lançado em breve. Para conhecer a sua produção, acesse o blog do JB, cheio de histórias divertidas, onde cada crônica pitoresca acaba com uma receita culinária especial, testada e aprovada! Clique no endereço abaixo e delicie-se! http://contoscurtosgrandesreceitas.blogspot.com/
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**Não percam, amanhã, as emoções da segunda e última
parte de DA BAHIA À CORNUALHA!

31 comentários:

  1. É uma pena que isto aconteça!! O covarde "fantasma das letras garrafais" ataca novamente! Amigos, acessem o blog pelo Internet Explorer e desfrutem de minha crônica, em dois capítulos, sobre a saga de Maria da Paz, uma baianinha faceira e ardilosa.
    Boa tarde a todos
    João B Gregório

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  2. Olá “Jão”

    Adorei. Choque de culturas. O proverbial ciúme de sogra e o picante acarajé.
    Mas, o amor vence tudo.
    Valeu cidadão de São João da Boa Vista.

    Um abraço

    Paz. Muita Paz.

    J. Morgado

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  3. Boa tarde, amigos e amigas!

    Hoje, de volta ao blog, nosso esfuziante João Batista Gregório, duplo mestre na arte de escrever e cozinhar, traz à tona a história de amor entre a baianinha Maria da Paz e o inglês Jan Hornblower, pescador nativo das costas da inglesa Cornualha.

    Pois os dois se conheceram nas areias escaldantes da Bahia e não puderam ficar mais separados...

    Aproveitem esse belo folhetim em dois capítulos, que amanhã segue seu curso, cheio de novas e delirantes aventuras!

    Um abraço a todos e aproveitem o dia!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Então, João Gregório, não sei o que pode acontecer no capítulo de amanhã, mas nesse de hoje, caso a sogra tivesse arriscado a dar uma mordida neste acarajé, aí sim correria atrás da nora com um pau de macarrão e a mandaria de volta pra Bahia mais cedo. Isso se não gritasse por socorro pedindo a intervenção dos bombeiros mais cedo. O que o baiano mais gosta é apimentar suas comidas e o acarajé, vide sua receita, é uma delas. Vou acompanhar a sequência, mas gostei dessa receita. Em breve vou tentar ver se fica bom, com menos pimenta.

    Bjos,

    Gabriela - Cásper Líbero - SP.

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  6. Cris, eu sempre tive a vontade de escrever uma crônica situada na Cornualha. Apaixonei-me por aquelas paragens desde que li "As Brumas de Avalon". Até início da Idade Média, essa pequena e mística civilização era independente. Mais tarde é que foi conquistada e anexada à Inglaterra. Imaginem uma baiana fogosa e friorenta morando num lugar daqueles!!
    Bjs
    João

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  7. NÍVIA: a postagem ficou "supimpa". Desculpe-me pelo trabalho que dei, com relação às figuras.
    PROFESSOR: Na década de 70, tudo era mais liberado, com relação à alfândega, malas e mochilas...rsrs
    João

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  8. J Morgado, choque de culturas vc vai ver no capítulo de amanhã.
    Aguarde!
    JAN

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  9. Professor, a "Da Paz" não possuía a beleza loura e deslumbrante de Joan Fontaine mas a Ms Daphne, também, não era tão feia como a Judith Anderson!!
    Abraços laurenceolivierianos
    JBGBarrios

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  10. Muito boa essa crônica, tem um ar de realismo.
    Eu levei o maior susto a hora que eu vi aquele vestido preto, parece com a minha batina que estava pendurada no varal que fica nos fundos da igreja, e foi roubada recentemente.
    Eu quando vou à praia pelo menos um acarajé eu tenho que comer, acho legal as combinações de sabores.
    Gringo não é nada bobo, eles gostam muito das nossas mulatas, e nós estamos levando desvantagem, a exportação dessas beldades estão cada vez maiores, e pra nós fica só os negão.
    “Sai fora meu!!!”.
    Desculpem, se eu sai da linha, não foi essa a minha intenção.

    Padre Euvideo.

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  11. Gabriela, a receita é "facin, facin". É só diminuir a pimenta e misturar o dendê com azeite de oliva.
    Joao

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  12. Padre, você é demais!!
    Os "negão" que ficam, são jogadores de futebol, gostam de loiras e não curtem padres rsrs
    Abraços
    joão

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  13. Super gostoso o texto do João Batista Gregório, que nos transportou para as duas regiões, brasileira e britânica. Quando lia, até ouvi o mar batendo nos costões rochosos da fria praia inglesa. João, quem tem sogra assim não precisa de inimigos. Tô curioso para ler o segundo capítulo. Abraço grande,
    Milton Saldanha

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  14. Boa noite criançassssssssss.
    Olá João,amei ler sua crônica,mas fiquei imaginando a cara da sogra ao ver a nora, deve ter feito caras e bocas,mas acredito que após o susto ela deve ter experimentado o acarajé e gostado,mas coitadinha da Maria da Paz,agradar sogra já é difícil e ainda passar por essa primeira impressão?kkk.
    Mas o que importa é que o Jan se apaixonou por ela, e certamente ela acabou "ganhando a sogrinha"
    Menino, essa receita me deu água na boca.
    Parabénsssssssssssssssssss.

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  15. Pessoas, tenho um compromisso agora e voltarei depois da 9:30hs. Apesar de que a coisa está "parada" por aqui, hoje, volto mais tarde para as réplicas e tréplicas. Acho que o "Lula" assustou o pessoal!!
    Tomorrow is another day...
    João

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  16. Sogra é sogra em qualquer lugar deste planeta, João Gregório, até na Cornualha, não tem quem dê jeito. Amanhã volto para ler a sequência. Só uma perguntinha, onde estão minhas coleguinhas da metodista?

    Bjos,

    Andressa - Cásper Líbero - SP

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  17. JBGBARRIOS.
    Aquele abraço.
    Como posso chamar a composição que você fez: anglobaiana?
    Importante mesmo João, pra eu ficar feliz, é você mandar paralelamente a história de amanhã, uma porção do acarajé, (eu gosto) para que eu possa degustar com a boa cachaça que separei para esperar. Ah, pode mandar bem quente tá?
    Um abraço do Garcia Netto

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  18. A danada da baiana quando dá pra ser bonita sai debaixo, João Batista. Não tem gringo que não se apaixone. E como eles gostam de invadir nossas praias do Nordeste, coisa de louco. Tem uns que também correm atrás dos "negão" do padre Euvideo, isso tem, mas a maioria atrás das nossas mulatas, com certeza. Quero ver como termina seu "causo" amanhã. Será que Maria da Paz vai rodar a baiana?

    Um alô para a Andressa! Suas coleguinhas da metodista fugiram do blog, agora sem motivos, já que o Mister Edward moderou os comentários, veja se as convence a voltar, senão meu coraçãozinho pára (tem acento ou não tem mais???). Ai... Ai... Ai...

    ABÇS

    Juninho - SAMPA

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  19. Sabe, Milton, tem uma parte nas "Brumas de Avalon" em que a rainha Igraine, fica à beira dos penhascos rochosos, vendo e ouvindo o trovoar selvagem das altas ondas batendo nas pedras, pensando em seu amado que estava em lutas, distante. E a névoa e charnecas contribuiam mais para fazer daquele pedaço de terra um cenário lúgrube. brurrrr
    João

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  20. Ana Célia e Andressa, nem todas as sogras são "sogras". Eu amava a minha como amo a minha mãe.
    JB

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  21. Garcia Netto, quando eu faço o acarajé, eu coloco a pimenta cumari (que é curtida apenas no sal e cachaça). É muito saborosa e não deixa "tão quente".
    Johnny

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  22. Prezado amigo João Gregório "Barrios".
    Tarde, mas cheguei. A coisa andou feia por estas plagas, meu bom amigo. Deixa quieto... Acabo de ler o primeiro capítulo da "Bahia à Cornualha", além da sua receita do acarajé. E vou lhe contar uma passagem minha, na primeira vez que fui parar em Salvador, na Bahia, em companhia de três amigos jornalistas, um deles da "terrinha", nosso cicerone. Perto da praia de Boa Viagem (na Bahia também tem, fica na "cidade baixa"), topei com uma baiana vendendo acarajé.

    Estava com fome e esse amigo baiano havia desaparecido. Dei sinal para a baiana que queria um acarajé e ela me perguntou: "quer quente ou frio?" Não hesitei, pedi quente. Entrei na maior fria, assim que dei a primeira mordida no danado. O quente da baiana era pimenta e ela mandou ver, com muito gosto, para meu azar. Fiquei igual a um dragão. Sai soltando fogo pelas ventas até entrar num boteco perto, agarrar uma garrafa de cerveja e mandar pra dentro. E a baiana atrás pra receber, bandida!

    Quando contei o ocorrido para o baiano, amigo jornalista, ele quase morreu de rir e ainda teve a cara de pau de me perguntar: "e você não sabia que quente aqui é com muita pimenta?" Saber como! Depois disso, sempre que ia comer alguma coisa já entrava gritando: "quero tudo gelado". E olha que como pimenta e gosto, mas igual ao baiano, difícil...

    João, legal seu conto, amanhã acompanho a parte final para ver o que virou o encontro da sogra inglesa com a nora baiana, mistura bem indigesta.

    Um abração...

    Edward de Souza

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  23. Juninho, as baianas são realmente lindas e têm um charme manemolente que cativa qualquer cristão. Quando solteiro, namorei uma chamada Mirandina.
    Abraços
    João B.

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  24. As brumas de Avallon, bela leitura. São quatro livros que tenho em minha biblioteca. Quando comecei a ler, João, eu tinha 40 anos. Levei um susto quando em certo trecho de minha leitura, deparei-me com o seguinte trecho: "e o Rei Ricardo morreu velho, aos 44 anos de idade". Pensei comigo, estou no bico do corvo, com 40 anos...

    Comprei esses livros do famoso "Clube do Livro", que já comentamos aqui. Um outro trecho que ficou gravado em minha memória, João, foi sobre o Papado em França e a briga para se eleger um novo Papa, quando então surgiu a famosa fumacinha no castelo onde, trancados e sem comida, os cardeais foram obrigados a votar no indicado, um senhor de idade avançadíssima, para assumir o trono da Santa Igreja. Bela recordação, amanhã vou assoprar a poeira deste livros e bater os olhos em suas páginas novamente.

    Um forte abraço...

    Edward de Souza

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  25. Naquela época, quase ninguém chegava aos cinquenta. Mas eu acho, smj, que vc está falando da série "Os Reis Malditos" de Maurice Druon. rsrs
    Abraços fraternos
    João

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  26. João, fui salvo pelo e-mail. Como a postagem está aberta, pelo menos sob vigilância por algumas horas, recebi um e-mail com sua resposta ao meu comentário. Programei para que isto aconteça. E você está coberto de razão, troquei as bolas feio. Trata-se sim, de "Os Reis Malditos", nada a ver com "As Brumas de Avalon" que também já li e tenho comigo. Peço desculpas pela "rata". Não falei que as coisas andaram feias hoje?

    Abraços, obrigado pelo esclarecimento...

    Edward de Souza

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  27. Professor, de Safo ela não tinha nada. Estaria mais para Madame de Stael.
    Bom dia para você
    Joao

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  28. Essa baiana é tão faceira que está demorando para aparecer ao segundo ato só porque não consegue alisar as caraminholas a contento. Acho que depois de 26 anos, o Hene Maru endureceu! kkkk
    João Batista

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