quinta-feira, 1 de abril de 2010

CONTOS & CRÔNICAS DE PÁSCOA

A PÁSCOA DE

ADOLPHO POLACO


Em casa, a Páscoa era a data mais festejada do ano. Além da ressurreição de Cristo, também comemorávamos o aniversário de meu pai. Ele nascera em 1916, num longínquo domingo de Páscoa e por isso, recebeu o nome de Paschoal. Não importava em qual dia do mês de março, desde que fosse no domingo da Páscoa, os amigos e familiares apareciam para o almoço festivo, aquela coisa de italianos, com mesa farta, muito vinho e assados de todo tipo.

Meu pai tinha um amigo, grandão e branco como um porco landrace. Não sei qual a nacionalidade dele mas era conhecido por Adolpho polaco e morava em um sítio onde não havia luz elétrica e nem banheiros, cuidando de seus rebanhos de cabras e carneiros.

Certa vez, aconteceu um acidente tragicômico com o homem que culminou com sua ida ao hospital e virou piada na cidade: Devido à sujeira e falta de higiene em que vivia, ele ficou infestado de piolhos e no intuito de matar os parasitas, esfregou querosene em todos os pelos do corpo, tanto nas partes pudicas como nas impudicas.

Durante a noite, com uma lamparina acesa, tentou verificar se os piolhos haviam morrido mas ao aproximar demais o pavio de suas virilhas o fogo passou para seu corpo, chamuscando tudo quanto tinha de pelos e penugens. Ficou vários dias de quarentena com as pernas abertas, penduradas e cobertas apenas com um fino lençol.

Meses depois, na Páscoa, meu pai convidou o amigo para almoçar lá em casa. Quando chegamos da missa, desde a rua já sentimos o aroma delicioso da leitoa à pururuca que só minha mãe sabia fazer. A mesa estava posta e o Adolpho polaco, já meio zonzo pelos canecos de vinho que meu pai servia, falava alto e gesticulava a todo vapor.

Nossa casa era assobradada e no canto da cozinha tinha um pequeno cano de metal por onde escoava a água em dias de faxina. Fomos, eu e meus irmãos, pelo quintal e, utilizando-nos do cano como um gramofone, gritamos a plenos pulmões: "Adolpho polaco, botou fogo no saco... Adolpho polaco, botou fogo no saco..."

O homem virou uma fera e não sabendo de onde provinha a zombaria, saiu pela rua, esbravejando e procurando os autores da desfeita.

Minha mãe, esperta, descobriu logo e sem que a visita desconfiasse, trancou-nos, de castigo, na despensa dos fundos. Resultado: enquanto o chamuscado refestelou-se com a leitoa, nós ficamos em jejum até à noite, quando nos foi permitido provar de uma sopinha de fubá bem chinfrim.

Desde então, lembro-me dessas passagens de minha infância toda as vezes em que faço um carneiro ou uma leitoa assada.

CARNEIRO À CAÇADORA :


Para o cozido: 3 Kg de carneiro, cabrito ou coelho novos (8 meses, mais ou menos) em postas; 2 latas de ervilhas (prefiro pacotes de ervilhas semi- congeladas); 1 kg de batatas (cortadas em 4), 1/2 kg de cenouras em rodelas; 1 kg de tomates (sem sementes) cortados em 4; 12 mini cebolas inteiras; 2 pimentões em cubos e azeitonas pretas. Se quiser, pode acrescentar favas cozidas e escorridas.

Para o tempero: Tempere os pedaços de carne com sal, azeite e algumas folhinhas de alecrim. Deixe a carne de molho (de um dia para o outro) na seguinte marinada, batida no liquidificador : 3 cebolas grandes; 1 cabeça de alho; 1 galhinho de manjericão; folhas de hortelã, de sálvia; 3 folhas de louro; 1 molho de salsa e cebolinha; 1 copo de vinho branco seco; 1 copo de água; 1 copo de vinagre branco; 1/2 vidro de molho inglês ou shoyo e pimenta a gosto. No outro dia, frite as postas de carne numa panela grande, até ficarem bem douradinhas. Escorra o excesso de gordura (importante!) e cozinhe, acrescentando água fervente, aos poucos e até ficarem bem macias. Junte os tomates, as mini cebolas, os pimentões e as azeitonas. À parte, cozinhe, em água e sal, as batatas e as cenouras. Junte esses legumes, mais as ervilhas, à panela e misture tudo, de leve para não desmanchar os legumes. Sirva com arroz branco.

LEITOA À PURURUCA:

A leitoa não deve ser grande e nem muito gorda (uns 7 a 8 quilos) e temperada de véspera, da seguinte maneira: perfure a carne em vários pontos (sem cortar a pele), esfregue sal, pimenta-do-reino e alho espremido por toda a leitoa, principalmente nas partes do couro. No liquidificador, bata uma vinha d'alhos com duas cebolas grandes; uma cabeça inteira de alho; uns raminhos de alecrim; 3 folhas de louro (ou louro em pó); 5 colheres de molho inglês; 1 copo de água; 1 copo de vinho seco (branco ou tinto); azeite de oliva e pimenta a gosto. Em uma vasilha larga e rasa (não pode ser de alumínio) coloque a leitoa com o couro para cima (a pele não pode ficar molhada) e deixe tomar tempero. No dia seguinte, leve-a para assar em forno alto e pré-aquecido. Não é necessário cobri-la, desligue o forno somente quando a pele ficar com uma cor de caramelo escuro e crocante. Sirva com limão, farofa, arroz branco, tutu de feijão e couve refogada. O segredo é não deixar a pele da leitoa em contado com a vinha d'alhos.

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*João Batista Gregório, 57, paulista de São João da Boa Vista, é cronista de mão cheia. Já publicou, em 2009, suas crônicas reunidas em Crenças e Desavenças e exercita seus dotes no Blog http://contoscurtosgrandesreceitas.blogspot.com/ onde cada crônica pitoresca finda com uma receita culinária especial.
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21 comentários:

  1. Bom dia prezado João Batista Gregório, seja bem vindo ao blog!
    Confesso-lhe que gostei da tática que usa para escrever seus contos e crônicas, postando sempre ao terminar uma delas, deliciosas receitas. Assim, se uma crônica não agradar, pelos menos as receitas certamente receberão a aprovação dos leitores, principalmente do sexo feminino. Só lhe peço um favor, não publique receitas de frangos ou aves, (arghhh). Pratos com mandiocas sim, o Oswaldo Lavrado adora!

    Deixando de lado as brincadeiras, o conto do Adolpho Polaco é ótimo. Fico imaginando a cabeça de "jerico" do dito cujo. Esfregar querosene no corpo todo e depois aproximar o pavio acesso de uma lamparina, deu no que deu. E a molecada faz mesmo a festa, sem dúvida, mesmo que depois tenha que passar a escaldado, nome que damos aqui para essa tal sopinha de fubá que você citou.

    Outra coisa, caro João Batista. Desde o dia que você enviou um e-mail para a turma me chamando de Oswald de Souza (confundiu-me com o matemático), você ganhou um apelido entre os mosqueteiros deste blog. Agora é o nosso prezado "Gregório Barrios", cujo livro "Crenças e Desavenças" recebi de presente, enviado pelo amigo João Paulo de Oliveira, o mestre, que no próximo sábado escreve aqui suas reminiscências da Páscoa. Amanhã tem J. Morgado e eu escrevo minha crônica no domingo.

    João Batista Gregório (Barrios), meus cumprimentos pelo conto, pelas receitas (deu água na boca só em ler), e espero que volte sempre para nos brindar com outras crônicas e contos. Como disse ontem para a amiga Silvana Boni de Souza, as portas estão abertas. Uma Feliz Páscoa a você e família!

    Um forte abraço a todos...

    Edward de Souza

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  2. kkkk, "baita" escorregão! Desculpe-me, grande e prezado jornalista. E pensar que o saudoso matemático muito me fez sofrer na faculdade!! Quanto ao Gregório Barrios, muito me fez sonhar nos bailinhos d'antão... "nosotros, que fuimos tan sinceros, devemos separarnos, no me preguntes más..."
    Agradeço, de coração, pela oportunidade e espero ser convidado outras vezes.
    Grande abraço
    JG"Barrios"

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  4. Olá João Batista

    Adorável sua crônica. Lembranças nostálgicas de tempos idos (muito idos).
    A receita é fantástica. Pena que meu tempo já passou. Ficam as lembranças das comilanças de “idos”.

    Um abraço

    Paz. Muita Paz.

    J. Morgado

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  5. Olá, João Batista, nosso Gregório Barrios!

    Já era seguidora do seu blog há algum tempo. Magnífica a ideia de contar a história e acrescentar uma receita culinária referente ao tema abordado.

    Recentemente, recebi o seu livro, por intermédio do Professor João Paulo de Oliveira. Adorável, divertidíssimo! Sem contar com as receitas deliciosas, que enriquecemos temas que desenvolves.

    Parabéns! Seja bem-vindo ao blog!

    Feliz Páscoa paravocê e sua família!

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  6. Oi João Batista, bom ler contos seus e saber que juntou-se a essas "feras" do blog. Engraçada e dolorida a história do Polaco, tadinho. Além de sofrer queimaduras ainda precisou aguentar a gozação da molecada. Essa Páscoa ele não se esquece mais. Quanto as suas receitas, só dei uma pequena olhada, não posso cair em tentação, estou fazendo regime (rssssssssss). Só vou me dar ao luxo de comer um ovinho de chocolate, botado por uma galinha garnizé; Bem pequenininho........

    Bjos e uma boa Páscoa a vc!

    Tatiana - Metodista - SBC

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  7. Olá João Batista, bem vindo ao nosso pedacinho querido. Esse espaço eu chamo de nossa segunda casa. Percebi, pelo conto do Adolpho Polaco, que vc escreve muito bem e nos deixa com água na boca, com essas receitas deliciosas. Por acaso vc também é cozinheiro? Ou trouxe essas receitas de livros culinários? Seja como for, já as imprimi para tentar ver se consigo fazê-las, principalmente a leitoa à pururuca, deve ser deliciosa.

    Volte sempre com mais contos ou crônicas e com suas receitas divinas, tá?

    Boa Páscoa!

    Gabriela - Cásper Líbero - SP.

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  8. Olá, Gabriela!
    Todas as receitas que eu passo, são minhas, ou de minha esposa, mãe, sogra, avó. Dizem as boas línguas que eu cozinho muito bem. É um dos meus "hobbies".
    Boa Páscoa para vc também
    João

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  9. Tudo bem João Batista, vc me agradou em cheio, com o conto extraído, parece-me, de um caso real, sobre a inesquecível Páscoa de Adolpho Polaco. Êta molecada danada, não? não perdoaram o coitado do Polaco chamuscado (rssssssssssssss).
    Sobre suas receitas, uma delas é aqui da minha terrinha. O leitão à pururuca é um dos muitos pratos da culinária mineira. Delicioso. Fiz como a Gabi, já imprimi as duas. Ainda mais agora que vc entrou explicando que as receitas são de família. Melhor ainda. O Edward e a Nivia quando trazem novos escritores ao blog o fazem com olho clínico. Todos ótimos e vc acaba de mostrar todo o seu talento. Parabéns e boa Páscoa!

    Bruna - UFJF - Juiz de Fora/MG

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  10. Olá João Batista, obrigada pelas informações, assim marco em meu caderninho que as receitas são suas e da família. Já que publicou um livro de contos, porque não publica outro com suas receitas? Teria sucesso também...

    Mais uma vez, uma boa Páscoa a vc e família!

    Gabriela

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  11. Então agora temos no blog um escritor, cozinheiro e cantor? Ulalá, que bom. Caro João Batista, depois da arte que aprontaram com o pobre Polaco, intimo você e seus colegas a comparecerem com urgência em minha paróquia para uma confissão. Adianto-lhe que o mandante terá que rezar 500 Ave Maria e 300 Pai Nosso, de joelhos, sem se levantar. Costumo colocar grãos de milho para que os pecados sejam realmente pagos com rigor. Fico no aguardo de seu presença. Peço-lhe que traga junto seu livro de crônicas e contos, para que eu possa ler enquanto você paga seus pecados, correto? Depois vamos à cozinha, atrás da sacristia, onde espero que vc coloque em prática seus dotes culinários e nos ofereça esse belo carneiro à caçadora como prato especial de Páscoa. O vinho é por conta do bispo, que está sumido, procurando um padre pedófilo aqui do pedaço.

    Tenha uma boa Páscoa

    Padre Euvideo

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  12. Olá João Gregório.
    Seja bem vindo ao nosso canto com a brilhante apresentação do Polaco, que infestado pelo chato e não resistindo a coceira decidiu-se pelo trágico acontecido.
    Você certamente não quis idenficar o piolho por respeito ao Polaco, mas não tenho dúvida que ele é da espécie conhecida dos:(Pthirus pubis)

    "inseto anopluro da fam. dos ftiriídeos, cosmopolita, que mede cerca de 1,3 mm de comprimento e vive ger. na região pubiana do homem; carango, ladro, piolho-das-virilhas, piolho-de-soldado, piolho-do-púbis, piolho-ladro [A infestação produz na pele manchas azuladas em conseqüência da toxidez da saliva desse inseto". Deixa pra lá meu arrogante didatismo e vamos juntos pedir ao João, o Oliveira, inteceder junto a Miquelina que promova a feitura da leitoa que você receitou. Quero você e outro João comigo para saboreá-la com as damas, por que, lógico incluo a Hermenegilda. A cachaça, deixem comigo, levarei ao ágape: da boa.
    m abraço do Garcia Netto

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  13. Olá João Batista, adorei seu conto e suas receitas. Realmente, de dar água na boca.... Hummmm....
    Espero que continue escrevendo sempre neste blog, viu?

    Bjos, boa Páscoa!

    Renata - Metodista - SBC

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  14. Como ficaria extenso agradecer a cada um, deixo meu abraço a todos...
    1)J.Morgado, os tempos são "idos" porém, plagiando Neruda, "confesso que vividos"
    2)Padre, só se o milho for cozido!
    3)Gabriela, meu livro contém 40 contos e 40 receitas.
    4)Garcia Netto, as demais denominações do piolho eu até endosso mas: por que "cosmopolita?
    5)Edward, professor JP, Cristina, Nivía: obrigado pela força!!
    Boa Páscoa a todos e aproveitem os ovos, pois eu que não sou bobo, vou de cerveja rsrsr.

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  15. Boa noite, João Batista!
    Eu tenho a impressão que a maioria do pessoal que comenta neste blog está viajando. Não vi muitas amigas minhas que gostam sempre de participar. Particularmente, gostei do texto sobre o Polaco. Ele, por certo, não aprovaria.
    Suas receitas são excelentes e segundo o seu comentário acima, vc já tem um livro editado com muitas delas, estou errada? Onde eu poderia comprar seus livros, João?

    Obrigada!

    Fabiana - Cásper Líbero - SP.

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  16. Boa noite, João Batista, muito engraçada a sua história sobre o Polaco. Antigamente tinha muito desses tais piolhos, que o Garcia tentou dar o nome científico e acabou dando um nó cego em todos nós. Na gíria, os danados tinham um nome popular: chato! Quando rapaz usei Neocid a dar com pau para acabar com uma epidemia dessas que me deixou louco. Não deu certo. O recurso foi me depilar todinho, aí sumiram. Engraçado, João, hoje você não ouve mais falar em chatos, piolhos, carrapatos e nem em pulgas. Onde andarão as pulgas que infestavam nossas cobertas e colchões? Estariam em extinção, como a Páscoa? Confesso que estou com saudade delas. Provocavam uma coceirinha gostosa... Eis aí uma idéia para um belo conto, João Batista: onde andarão as pulgas?

    Abraços, você é dez... Uma boa Páscoa!

    Gilberto Macedo - Ribeirão Preto - SP.

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  17. Este comentário foi removido pelo autor.

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  18. Fabiana e demais interessados. Vcs poderiam adquirí-lo no site da livraria Cultura ou da própria Ed. Baraúna. Mas se quiserem com dedicatória e autógrafo (além de mais barato), posso enviar pelo Correio, pois que chega em três dias úteis. Maiores instruções, escrevam para meu e-mail (jbgregor@uol.com.br).
    Gilberto, acho que o "crepúsculo dos parasitas" deu-se com os maiores cuidados de higiene e limpeza, trazidos pela modernidade (o sabão "Rinso" não era sufuciente para acabar com as "lendias" do passado)
    Abraços a todos

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  19. LUIZ ANTÔNIO DE QUEIROZsexta-feira, 02 abril, 2010

    Caro João,

    Gostei da crônica. Divertida, leve de se ler.
    Parabéns.

    Luiz Antônio de Queiroz
    Franca-SP

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  20. ANA CÉLIA DE FREITAS.sábado, 03 abril, 2010

    Boa tarde João...
    Seja muito bem vindo ao blog,e tenha certeza que sua estréia foi muito engraçada.
    Coitado do homem,que maldade,além de passar por tudo aquilo,ainda teve que aguentar as traquinagens suas e de seus irmãos?
    Mas o difícil mesmo foi não degustar a deliciosa comidinha da mamãe,não é mesmo?
    Beijossssssssss.
    ANA CÉLIA DE FREITAS.

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