segunda-feira, 13 de abril de 2009

ARTIGO DE HOJE - SOU UM PRIVILEGIADO

J. Morgado

Todos os dias, pela manhã, antes de sentar-me defronte ao computador, tento espairecer dando uma volta pela cidade. Não faço ponto em nenhum lugar; apenas respondo ou cumprimento as pessoas conhecidas, se surgir oportunidade. Caminho devagar, sem pressa, observando. Ali, uma mulher caída, roupas em frangalhos, suja, dormindo; provavelmente o sono da embriaguês. Adiante várias senhoras conversam; ao aproximar-me escuto: “coisa nojenta, o cara pegou a garrafa de coca-cola no lixo e tomou o que restava, nossa”! Diziam elas em tom de nojo. Continuo o meu passeio, pensando... Se essas pessoas fossem até o lixão “morreriam” de tanto vomitar. Um rapaz usando um par de muletas sem uma perna caminha em minha direção e pede uma ajuda; tiro uma moeda do bolso e a dou. “Que Deus lhe acompanhe moço”. Gostei do moço. Eu com barba e cabelos brancos. Sorri. Depois de caminhar por mais algum tempo lembrei-me da ponte no centro da cidade. Debaixo dela dormiam vários párias da sociedade. Pessoas que não mais sabiam o que era objetivo. Havia os viciados em álcool, em entorpecentes, os alienados... Para eles não havia futuro (era o que pensavam). À noite, vasculham as lixeiras das residências em busca de restos de alimento. Durante o dia, saem a pedir para comprar bebida ou o entorpecente que os faz esquecer-se da realidade. Lembro-me agora de um domingo ter assistido ao programa “Domingo Espetacular” na TV Record. Triste! Uma reportagem sobre a fome na Nigéria. Crianças cadavéricas eram embaladas pelas mães desesperadas. Porém, um cientista descobriu um superalimento a base de amendoim e isso estava salvando aqueles seres desnutridos.
Outra lembrança me vem à mente, um rapaz sem pernas e sem mãos. Recebi em vídeo essa reportagem. Fiquei um pouco surpreendido! O rapaz era feliz. Com essa deficiência, havia conseguido terminar a faculdade e escrever um livro e estava elaborando outro; o futuro sorria para ele. Nascera no seio de uma família que o amava e que o fizera superar o problema.
Devagar, pensando, recordando, vou observando cada detalhe ao meu redor. Mansões, casas de classe média... O vai-e-vem apressado das pessoas. Passando por um jardim, sento-me em um banco e fico a observar. Os pombos arrulhando, o traje dos caminhantes acusam o poder aquisitivo de cada um deles, se bem que “o hábito não faz o monge”. Os semblantes são tão diferentes! Uns parecem alegres, outros tristes, macambúzios, outros ainda, tão indiferentes, que não dá para se fazer uma avaliação. Deixo de observar e começo a me argüir. Por que tantas diferenças no mundo? Pobres, ricos, aleijados, sãos, doentes, inteligentes, cretinos, honestos, criminosos... Chego a uma conclusão. Sou um privilegiado! Cheguei a uma avançada idade. Passei por vários problemas naturais que a vida nos reserva e aqui estou... Feliz!
Volto a caminhar. Os passos agora são mais apressados. Avisto o que chamo a “estação do adeus”. Muitas pessoas ali se aglomeram. Mais um que parte, penso. Elevo meu pensamento e faço uma oração para aquela alma. Chego em casa. No portão, minha esposa recebe-me com um terno beijo!
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*J. Morgado é Jornalista e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. Morgado escreve quinzenalmente neste blog, sempre às sextas-feiras. E-mails sobre esse artigo podem ser postados no blog ou enviados para o autor, nesse endereço eletrônico:
jgacelan@uol.com.br
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Nesta terça-feira o oitavo capítulo inédito de "Trapalhadas de um foca", na sequência da série "As histórias das redações de jornais". Acompanhe mais um caso verídico de um jovem jornalista no começo de sua carreira.
(Edward de Souza)
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19 comentários:

  1. J. Morgado,
    Minha mãe, todas as vezes que eu ou meus irmãos reclamamos de alguma coisa, ela sempre diz: "vocês não conhecem a vida, não sabem como tem gente que sofre". Seu artigo mostra extamente isso, o outro lado da vida que está diante de nossos olhos e muitas vezes não enxergamos. Ou fingimos não ver.
    Lindo demais.

    Abçs

    Ana Caroline - Ribeirão Preto

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  2. Eucana disse...
    Opa! que honra ser seguida por vc, Edward! Adorei seu blog.. muitíssimo interessante. Obrigada desde já. Amei esse artigo do J. Morgado, lindo!!!

    bj

    13 de Abril de 2009 13:08

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  3. Juliano, ontem a noite, quando eu e minha esposa realizavamos o estudo do evangelho no lar, justamente esse foi o assunto, qual a causa de alguns serem felizes e outros não? Interessante conclusão a que chegamos, sendo ela, "É individual querer ser feliz ou não", veja só, depende de cada ser individualmente, ninguem pode ser feliz no lugar do outro, e isso nos leva a outro raciocinio, de que a felicidade se dá pela ótica que temos da vida, do mundo, das oportunidades acolhidas ou desperdiçadas, por ser doente do corpo, ou doente da alma!
    Deus coloca o sol sob todas as cabeças, mas somos nos que decidimos se essa luz é maravilhosa e como aproveita-la, ou se ela é ruim, cega-nos, queima e leva a morte por insolação, depende de nós, tão somente!

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  4. Prezado amigo Juliano Morgado!

    Seu texto de hoje é um exemplo de como um bom jornalista consegue escrever um artigo apenas praticando um passeio. Observando lugares, pessoas, para mais tarde descrever em minúcias, tudo que viu. Como o blog é frequentado por muitas estudantes de jornalismo, eis aí uma aula que pode e deve ser acrescida ao aprendizado de todas elas. Muitos repórteres deixam a redação hoje com uma pauta com todos os detalhes e nomes. No entanto, quando voltam à redação, acabam se perdendo e muitas vezes não conseguem desenvolver a contento a pauta que recebeu. Para um velho jornalista, nem seria preciso cumpri-la, bastaria a um deles escrever os dados contidos na pauta e estaria pronta a matéria, usando a experiência e muita criatividade que acumula com o passar dos anos. Pois bem. Teoria é bom, por isso existem as faculdades de jornalismo, mas a prática precisa ser exercitada, sem ela, jamais formaremos bons jornalistas. Num jogo de futebol, observando torcedores ao seu lado, pipoqueiros, sorveteiros e vendedores de amendóins, com boa criatividade, um jornalista escreve uma matéria especial de página. É isso, amigo Morgado. Seu simples passeio na manhã de hoje resultou num belo artigo. Tiro meu chapéu para você. Com todos os méritos.
    Um beijo em seu coração desse amigo-irmão que tem por você a mais alta estima.

    Edward de Souza

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  5. Ôi, Edward

    Li o texto do J. Morgado e pensei exatamente isso que vc acaba de escrever. É preciso usar a imaginação, fica tudo fácil. Mais ainda, penso eu foquinha: não ter medo de escrever o que vc pensa e viu, como o fez J. Morgado. Simplificou tudo e ficou um artigo delicioso de ler. Porisso adoro esse blog. Uma pergunta a vc, Edward. Já tomou o cafézinho? (rssssss)

    Bjos

    Thalita - Santos

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  6. OLÁ J. MORGADO!
    REALMENTE, O DOM DE ESCREVER NÃO VEM DA UNIVERSIDADE EM SI, CONFORME DISSE O JORNALISTA EDWARD. VEM DE DENTRO PARA FORA. VEM COM A ALMA, COM O ESPÍRITO. ISSO SENTI EM SEU ARTIGO DE HOJE.

    ADOREI SEU TEXTO... PARABÉNS!

    ELVIRA SAMPAIO - CUIABÁ -MT

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  7. J. Morgado

    Fico cada vez mais encantada com seus artigos, você consegue nos mostrar coisas que nos faz refletir sobre como são as diferenças entre nós seres humanos.
    Parabéns por mais essa lição.

    Jacira
    S.B.C.

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  8. Prezado Jornalista J. Morgado
    Ver, com os olhos, não é tudo. É preciso enxergar com a alma. Foi isso que seu artigo me transmitiu.
    Uma paisagem que todos os dias se abre diante de nossos olhos, pobres, ricos, aleijados, doentes, velhos e crianças e diante desse quadro, a maravilhosa natureza nos mostrando como Deus é bom e olha por nós. Precisamos erguer nossos olhos e enxergá-lo.

    Vanessa - Franca - SP.

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  9. Aprendendo um pouco, Senhor Morgado. Andamos como autônomos nas ruas, nos estressamos por tão pouco quando poderíamos tirar proveito de tanta coisa à nossa volta. Divino!

    Abçs

    Karina - Campinas

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  10. È amigo J Morgado. esse panorama que se nos apresenta em sua cidade,infelizmente é a realidade em quase todo País.
    Não existe um programa governamental em qualquér esféra , Municipal, Estadual ou da União para recolher e tratar esses infelizes,pois afinal eles não vótam mesmo !
    Não querendo ser mais realista que o Rei, mas até uns anos atrás existia o "famoso" Hospital do juqueri, cuidando desse pessoal,e que alguns iluminados acharam por bem estinguir.
    Pois bem, o que sobrou para a sociedade foi exatamente o que o amigo descreve, muitos loucos, mendigos,pedintes,viciados e ébrios que poderiam muito bem estarem sendo tratados corretamente náquele Hospital.
    Só que agóra além de sofrerem mais, éssas póbres pessôas nunca terão uma perspectiva melhór a não ser o caixão,porém precocemente.
    Em tempo, vinha eu pela Rodovia Anchieta na tarde de domingo quando avistei pelo acostamento, dois mendigos caminhando em direção á Baixada. Lógo pensei comigo....
    mais dois que estarão brévemente no centro da cidade de Mongaguá !! rsrsrss.
    Amigo, seu artigo de hoje é o retrato fiél do dia a dia que eu também presencio náquela Cidade
    Abraços fraternos.
    Admir Morgado
    Praia Grande SP

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  11. Valentim Miron Franca- sp.segunda-feira, 13 abril, 2009

    Olha J. Morgado , varias vezes eu me sinto pequenino.
    O que mais me enche de angustia e aperta o meu coração, é quando eu vejo aqueles irmãos africanos esqueléticos. Confesso-lhe que eu chego a chorar. Se você reparar bem aquelas criaturas, verá que não tem brilho nos olhos, é a face da desesperança.
    Embora possamos nos considerar felizes, por ter nascido na melhor região do planeta, pouco ou quase nada poderemos fazer para amenizar o sofrimento daquelas criaturas, a não ser lamentar o futuro nos umbrais da inconsciência dos dirigentes daqueles países. Com um forte instinto bélico, usam a força para espalhar a guerra, o horror e a subnutrição, levando a população no mais absurdo estado de miséria humana. É doloroso de se observar.
    É inadmissível que um país como o Brasil, algumas regiões ou até mesmo em grandes centros, possamos encontrar algumas criatura naquelas mesmas condições. Aqui elas têm mais sorte, por que podem contar com a generosidade do povo brasileiro. Ser brasileiro é às vezes esquecer o seu próprio sofrimento para auxiliar o próximo em seu sofrimento. Obrigado Sr Morgado, por esse texto de grande reflexão.

    Valentim Miron- Franca SP.

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  12. Boa noite, Jornalista Morgado.
    Todos nós deveríamos seguir seu exemplo. Sair às ruas e observar nosso povo, nossa gente. Tenho certeza que, na maioria das vezes, triunfalmente diríamos: "somos privilegiados".
    Linda mensagem que me fez bem. Vou fazer o possível para me lembrar sempre dela. Sinto-me recompensado quando leio um texto assim.

    Grato,

    Miguel Arcanjo - Juazeiro/Bahia

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  13. Gostei demais do artigo do jornalista J. Morgado. Leitura simples, pensamento coerente.
    Ótimo.
    Com meu beijo,

    Mary Menezes Pimentel - Fortaleza

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  14. Prezados amigos do blog!
    Confesso que sou fã incondicional de todos os escritores deste blog. Até estranhei quando vi hoje um artigo postado pelo jornalista J. Morgado. Isso porque estava esperando seu artigo na sexta-feira, e deve vir, tenho quase certeza. Enviei um e-mail ao Edward de Souza para perguntar e nada de resposta até agora. Deve estar fazendo o Imposto de Renda dele. Também, pudera, com tantas fazendas e pés de cafés, sem contar as milhares de cabeças de gado... Deve ser um sufoco mexer com isso. Eu, hein! Mas, vamos ao assunto que me chamou a atenção. Acabo de ler uma postagem do Sr. Admir Morgado. Seria parente do nosso J. Morgado? Se for, tem briga em família. Se não for, é só procurar a árvore genealógica dos dois que alguma coisa acontece, mesmo que seja um parentesco como primo de quinto grau. Muito bem. O Sr. Admir só leu um trecho onde J. Morgado fala de pobres e miseráveis. Esqueceu-se de ler o resto, onde são citados, nesse passeio de nosso escritor, também os ricos. Do contrário, não teria sido um passeio, mas sim um pesadelo. Ou Mongaguá anda na corda bamba desse jeito, ou o Sr. Admir está querendo comprar algum apartamento por lá mais barato. Leiam os comentários dele. Disse que viu, na Via Anchieta, dois mendigos descendo a pé. Qual foi a conclusão que chegou? Não deu outra. Estavam indo pra Mongaguá. Na maior cara de pau, sem nem pensar que estava ofendendo o xará de sobrenome. Estou preocupado com os comentários de Admir Morgado e penso seriamente em fazer uma vaquinha, ou pedir uns trocados ao Edward, mesmo que ele tenha que vender algumas cabeças de gado, pra trazermos J. Morgado para uma cidade onde ele tenha, no mínimo, segurança. Com tantos mendigos descendo a serra rumo a Mongaguá, temo que os trocados de nosso escritor acabem antes do tempo. Se bem que ele é generoso, viram nesse passeio? Meteu as mãos nos bolsos e ajudou um dos pedintes.
    Deixando de lado o comentário do Sr. Admir, quero parabenizar mais uma vez, e faço sempre isso, o brilhante J. Morgado, que nos traz sempre uma lição de vida. Tocante sua mensagem, caro jornalista. Parabéns e aceite minha gratidão pelas mensagens lindas que nos passa.

    Francisco Heitor - Franca - SP.

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  15. Parabéns pela singela mensagem, nobre amigo!

    Fagundes Leal - Coimbra - Portugal

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  16. Ana Célia de Freitas.segunda-feira, 13 abril, 2009

    Olá meu amigo...
    Belíssimo artigo, penso que os seres humanos deveriam ser mais himildes e enchergar as coisas belíssimas que estão a sua volta, mas na maioria das vezes estão preocupados com o consumismo desenfreado.
    Ana Célia de Freitas. Franca /SP.

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  17. LUIZ ANTÔNIO DE QUEIROZterça-feira, 14 abril, 2009

    Olá caros leitores e amigo Juliano,

    Mais um presente para nossa reflexão.
    As grandes diferenças sociais existentes entre nós, em parte é fruto do nosso egoísmo. Apesar das nossas diferenças somos iguais como seres humanos, filhos do mesmo Pai.
    Precisamos sair um pouco de nós, como exemplifica Morgado, para nos vermos nos nossos irmãos.

    Parabéns Juliano pelo texto.

    Luiz Antônio de Queiroz
    São Sebastião do Paraíso-MG

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  18. JMorgado, o conmheço há muito, não poderia esperar outra coisa de vc, se não essa visão realista das mazelas dos que tem possibilidades e somente tem olhos para si. Apeedi com vc e com a doutrina espírita que nessa vida olhar e se omitir das mazelas alheias, teremos problemas futuros, se não nessa, com certeza em outra encarnaçâo. Por isso a postura da oaração em favor daquele que sofre é o melhor que podemos fazer nesser casos de vício que levam o serumano a sagerta. Por isso meralioso seu conto. Espero que as pessoas com seu exemplo, apreedam que dois minutunhos em uma oração dirigida a Jesus para os que sofrem aumente a cada. LEMBRA DE PAULO ¨A CARIDADE COBRE UMA MULTIDÃO DE PECADOS. E NÃO EXISTE NA NATUREZA DE DEUS MAIOR CARIDADE DO O AMOR TRANSFORMADO EM ORAÇAO. MUITO OBRIGADO POR ESSE CONTO. ELE ME TOCOU PROFUNDAMENTE. CONTINUE SEU TRABALHO........! ABROÇOS PARA VC E SUA COMPANHEIRA.SIMÃO DIOGO MORGADO

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  19. Sr,Francisco Heitor, meus respeitos.
    por cérto o sr não conhece a mim e nem a meu Xará (sim amigo e xará, inclusive de profissão),senão o sr não teria feito ilações a respeito de meu comentário.
    Saiba sr Francisco, que eu resido na divisa da Cidade de Mongaguà e tenho pelo meu amigo e méstre J Morgado o maiór apreço.
    Não pretendo comprar apartamento em Mongaguá, pq não tenho posses, e jamais renegaria áquela Cidade, que faz parte do meu dia a dia.
    Meu comentário foi em tom de brincadeira com meu amigo J. Morgado, e para seu conhecimento, quem deveria censurar-me, mesmo que por um E-mail, seria o aludido jornalista, mas o mesmo entendeu o que de fato eu quiz dizer.
    Se o sr, Sr Francisco não conhéce a realidade dáquela Cidade,não póde e nem déve opinar a respeito.
    Mesmo assim, apesar de sentir-me ofendido por seu comentário e em respeito ao meu amigo Edward e ao meu Xará J.Morgado,( que é uma pena não ser meu parente) darei por encerrado ésta polemica.
    Passar bem, sr Francisco Heitor.
    Admir Morgado
    Praia Grande SP.

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