segunda-feira, 30 de março de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Exclusivo
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Jornalistas perseguidos
e presos pelo DOI-CODI
Parte XIII
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Milton Saldanha
Memórias
Capítulo Final

"È a polícia!" Nossa saída do Diário começou com esta frase. Não eram ainda seis horas da manhã quando nosso apartamento, no Edifício Satélite, Baixada do Glicério, em São Paulo, foi invadido por oito agentes do DOI-CODI, armados com pistolas e metralhadoras. Era dezembro de 1970, portanto antes do assassinato de Vladimir Herzog. Eles entraram gritando “É a polícia! É a polícia!” e já foram revirando tudo. Quem atendeu a porta fui eu, ao ver o rosto do zelador no olho mágico. Mal virei a chave e eles invadiram, aos berros. Rubem dormia num quarto do fundo e foi acordado com o cano de uma metralhadora no rosto. As razões da nossa prisão são uma história muito longa, que aqui vou dispensar. Alguns, como o Dirceu Pio, conhecem em vários detalhes. Outros, parcialmente. O fato é que o Brasil vivia um dos momentos mais duros da ditadura militar, governo Médici, com tortura, censura e repressão por toda parte, em resposta à luta armada das organizações de esquerda. Passamos o dia presos, sendo interrogados várias vezes, e pouco antes do escurecer fomos liberados.
Liberados é maneira de dizer. Ali começavam os dois piores dias das nossas vidas. Éramos ostensivamente seguidos por um grupo de agentes, em vários carros. Um aparato absurdamente desproporcional à nossa (in) significância política, pois não éramos militantes de nenhuma organização, nem de partido legal ou clandestino, nunca pegamos em armas, e tínhamos uma vida totalmente na legalidade, dedicada ao trabalho, como contei acima. Nossa sensação, naquelas tenebrosas horas, eram de um jogo de gato e rato, onde o gato se diverte antes do derradeiro salto sobre sua presa. Decidimos então não dar-lhes este gosto, surpreendendo-os, como contarei logo adiante.
Fomos presos e liberados numa sexta-feira. No sábado, já pela manhã, fomos para o Diário. Bem barbeados e, coisa rara, de terno e gravata, uma forma de passar uma imagem austera, menos informal, até de mais respeito, e prontos para qualquer circunstância. Lá dentro, na redação da casinha, fingimos estar trabalhando, algo que na prática era impossível, pela tensão, com nossos nervos em frangalhos. Da janela víamos nossos seguidores lá na rua, literalmente cercando o prédio. Convocamos, como chefes, todo o pessoal ao jornal, e no começo da tarde fizemos uma reunião geral na sala do Fausto, já informado previamente sobre a situação. Não sei como consegui falar, a voz não saia, tal a tensão. Foi um esforço tremendo. Alertei: “Todos devem saber a partir deste momento que Rubem e eu estamos sendo seguidos pelo pessoal da Oban, DOI-CODI, e podemos ser presos a qualquer momento. Se a gente desaparecer, todos já sabem onde deveremos estar”. Era uma medida de segurança informar a categoria, através daquele grupo de colegas. O sigilo não nos interessava. Encerramos a reunião em meio a um silêncio impressionante, todos tomados de surpresa e sem acreditar que aquilo pudesse estar acontecendo justo conosco, que passávamos horas todos os dias no jornal, indo dormir na madrugada. Nem tempo tínhamos para supostas atividades subversivas. Na verdade éramos suspeitos. As acusações pesavam sobre nosso amigo e parceiro de residência, um publicitário, acusado de ligações com a VPR. Ele foi barbaramente torturado.
Naquele mesmo sábado, após a reunião, Fausto pegou seu carro e foi conosco ao Glicério, onde outros agentes revistavam durante horas nosso apartamento. Levou o famoso livro de ponto do Seu Abílio e lá mostrou aos agentes nossas assinaturas e horários diários de entrada e saída do trabalho. Foi uma atitude corajosa e amiga, pela qual serei eternamente grato a Fausto Polesi.
Agora vem a surpresa. Como tínhamos absoluta certeza que seríamos novamente presos, era só questão de horas, ou minutos, tomamos uma decisão, em companhia do nosso pai, coronel da reserva do Exército e advogado, que tinha vindo de Porto Alegre para nos dar alguma assistência, se é que isso era possível, e apoio moral. Pegamos nosso carro, saímos pelas ruas de São Paulo, os agentes atrás, nos seguindo, certamente supondo que tentaríamos alguma fuga (e acho que era isso que desejavam, para agir), e fomos direto para o próprio DOI-CODI, na Rua Tutóia, onde nos apresentamos. “Queremos esclarecer tudo”, foi nosso argumento. Essa atitude nos ajudou e foi mencionada por eles em várias fases dos intermináveis interrogatórios. E tiramos o gostinho dos nossos seguidores, porque sabe-se lá como agiriam, e com certeza não seria nada agradável. Além disso, estar novamente preso era um fato consumado, um alívio quando comparado com o horror de ser seguido daquela forma ameaçadora e acima de tudo incerta. A gente temia até ser metralhado na rua, sem qualquer chance de defesa. Só quem conheceu a ditadura sabe que isso não é exagero. Finalmente libertados, depois de onze dias presos e incomunicáveis, não havia qualquer clima para continuar trabalhando. Nosso trauma era profundo, e durou muito tempo. Fomos em busca de repouso, em lugar seguro e isolado, numa praia de Santa Catarina. Nem nossa família sabia onde estávamos, por segurança. Assim terminou minha primeira fase no Diário. Rubem nunca mais voltou, foi morar no Rio. Voltei para o ABC em 1976 para chefiar a sucursal do Estadão, durante quatro anos. Os melhores, a propósito, da minha carreira. Saí em 80, como conseqüência da desastrosa greve dos jornalistas, em 79. Nos anos 80, convidado pelo Fausto em três longas conversas regados a vinho, no Terraço Itália, voltei ao jornal, como editor-chefe. Agora já era outra empresa, claro, totalmente diferente, em tudo. Foi uma fase interessante, apesar de algumas dificuldades inerentes ao cargo. Depois de uns dois anos, saí por quebra da confiança junto à diretoria, por não ter aceitado uma tentativa de redução de salários. Além de imoral, isso afetaria minha autoridade no comando da redação, que ficaria desmotivada. Fui para a TV Globo e depois para a Ford, em ambos a convite. Mais tarde, nos anos 90, voltei convidado pelo Alexandre Polesi, para montar um caderno de economia. Estava trabalhando, mas acabei topando. Foi um erro. A crise interna da direção do jornal já começava a explodir, com repercussões em todos os setores da empresa e no clima da redação. Uma pena. Que saudade dos primeiros anos, tão precários, e tão românticos.
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A garotada de hoje, mas também muita gente adulta, não sabe o que foi a ditadura militar. Não sabe o que passaram milhões de brasileiros para liquidar com aquele período de falta de liberdade, de opressão, de total ausência de garantias individuais e sociais. A grande maioria, hoje, não sabe o que é viver em um regime em que falta a liberdade, a democracia. Na noite do dia 24 de outubro de 1975, o jornalista Wladimir Herzog, então diretor de jornalismo da TV Cultura, de São Paulo, apresentou-se na sede do DOI-CODI para prestar esclarecimentos sobre a sua atividade política. Herzog era filiado ao Partido Comunista Brasileiro. Ficou apenas uma noite nas mãos da repressão e foi barbaramente torturado. Os militares assassinos simularam seu suicídio, entregando à imprensa fotos do corpo de Herzog pendurado pelo pescoço à grade da cela por uma peça de roupa. Como Wladimir Herzog era judeu, o Shevra Kadish (comitê funerário judaico) recebeu o corpo e, ao prepará-lo para o funeral, o rabino percebeu que havia marcas de tortura no corpo do jornalista. O suicídio tinha sido forjado. Esse foi o sinal, porque Herzog foi enterrado dentro do cemitério judaico, e não do lado de fora dos muros, como a religião determina que seja feita com os suicidas. Será que vinte anos de democracia fizeram a sombra da censura, que tanto aterrorizou as redações, desaparecer? Esta é uma pergunta sem resposta. O jornalista do século XXI é livre para escrever o que quiser e continua levantando cedo e saindo tarde. Porém, a liberdade é somente dentro da linha editorial da empresa. A censura, hoje, vem de dentro da própria casa, sem tortura, mas via ameaça de desemprego. Edward de Souza
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Milton Saldanha, 63 anos, gaúcho, torcedor do Inter, começou no jornalismo aos 17 anos, em Santa Maria (RS). Trabalhou na grande imprensa de Porto Alegre e de São Paulo. Foi da Folha da Manhã (RS), Diário do Grande ABC, Agência Estado, Estadão e JT, Rede Globo, Rádio Jovem Pan, Última Hora (com Samuel Wainer), entre vários outros veículos. Foi também assessor de imprensa da Ford, do IPT e do Conselho Regional de Economia. Tem um livro publicado, "As 3 Vidas de Jaime Arôxa"; participou de uma antologia de escritores gaúchos; um livro pronto e ainda inédito, "Periferia da História", onde conta de memória 45 anos da recente história do Brasil sob um ângulo totalmente inédito; trabalha num livro sobre Reforma Agrária. Pouco antes de se aposentar fundou o jornal Dance -
www.jornaldance.com.br - que já tem um filhote regional em Campinas, e que neste 2009 completa 15 anos.

20 comentários:

  1. No encerramento dessa série de ouro, deixo meus cumprimentos aos brilhantes jornalistas que nos legaram esse tesouro, desenterrando histórias maravilhosas que vão servir para melhorar nosso aprendizado e nos ajudar a sermos, como todos eles, bons profissionais de Imprensa. Todos esses cinco capítulos fiz questão de copiar e arquivar, como sei que outras amigas também o fizeram. Que venham mais histórias, ansiosas, estamos no aguardo.
    Bjos do fundo do coração a todos!!!

    Ana Caroline - R. Preto - SP.

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  2. Bom dia, senhores,
    Não estava conseguindo postar meus comentários, mas com a ajuda de uma amiga, sem problemas. Agora vejo que é fácil. Também estudo jornalismo aqui no Rio e adorei essa série escrita pelo jornalista Milton e as demais crônicas. Ontem, domingo, passei o dia lendo, com minha mãe ao lado. Acabo de ler esse capítulo final e fiquei revoltada. Senti-me envergonhada pelo período nebuloso que passou nosso País. Cçaro que já li sobre isso, mas sempre que se toca no assunto, como foi hoje abordado pelo Milton, meu sangue ferve nas veias. Uma vergonha!!!! O que fizeram esses dois jornalistas? Trabalhavam em busca de notícias, nada mais que isso. Cultura, para aqueles "milicos" despreparados era sinal de cadeia. Saber demais era perigoso nesses tempos. Uma mancha na nossa rica história.
    Obrigada pelos belos artigos, senhores jornalistas.

    Maria Fernanda M. Veiga - Nova Friburgo - RJ

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  3. Parabéns pelo resgate de tão belas histórias, amigos Edward e Milton.

    É muito importante contar como foram esses terríveis anos de chumbo, para que as futuras gerações jamais deixem qualquer tipo de obscurantismo retornar.

    Semana passada, por acaso, vi o documentário "Vlado: 30 anos depois". Mesmo conhecendo toda a história, fiquei chocada com os depoimentos. Aliás, tive a impressão de que um dos entrevistados era o Rubem Mauro. Confere?

    Finalmente, "suplico" ao Milton que crie um blog e continue contando suas histórias tão saborosas. Embora eu ainda prefire ouvi-las ao vivo!

    Beijos,
    Lara Fidelis
    Jornalista
    Ex-repórter do Milton em sua última passagem pelo Diário

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  4. Com atenção acompanhei toda essa série aqui no blog do Edward de Souza. Só não entendi uma coisa, prezado jornalista Milton Saldanha. Seu pai era coronel do Exército, isso? Li que era reformado, mas pensei que costumavam respeitar militares graduados. Raça ruim esses agentes da época, não? Tive um amigo que sofreu barbaridade nas mãos deles. Além da tortura, a humilhação sofrida não tem preço que pague. Recentemente esse amigo foi reconhecido como vítima da ditadura militar e recebeu uma boa indenização, além de uma aposentadoria pela pancadaria que sofreu. Adiantou pouco. Era solteiro e morreu com câncer. Outro, dos meus tempos de infância, também recebe uma boa aposentadoria, mas não pode aproveitá-la. Ficou louco, com as pancadas que recebeu, coitado. Os pais administram tudo. Inteligente, formado, esse amigo anda aqui, nas ruas da cidade, com cabelos desgrenhados, chinelos nos pés, dentes estragados e sem falar coisa com coisa. Herança da maldita ditadura militar. Que Deus os conserve longe de nós.

    Luiz Cesar C. Carvalho - Iracema - Roraíma

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  5. Encontrei esse blog num site de busca quando procurava por determinada palavra e acabei premiado com bons artigos que acabo de ler. Gostaria de meter minha colher nesse doce, permitam? Li alguns comentários, inclusive um do Sr. Edward de Souza, no final da coluna principal de hoje, dizendo que hoje o jornalista tem liberdade, apedsar ser cerceado no local de trabalhgo pelos patrões com ameaças de desemprego. Outro dia recebi um artigo de um primo, jornalista, dizendo que a Imprensa sofre assédio constante do atual Governo Lula. Alguns jornbalistas teriam até sido demitidos, entre eles Boris Casoy, e o Jabor. Não sei se é verdade. Se for, essa perseguição continua. Mesmo sem pancadaria. Falou mal do governo, ou a empresa jornalística manda embora o infeliz ou perde subsídios do governo. Vocês que estão por dentro, com a palavra.

    Dioníso S. Machado - Sena Madureira - Acre

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  6. Meus cumprimentos ao jornalista Milton Saldanha, pela brilhante serie de artigos aqui postados.
    Que continue nos premiando com seus relatos, recheados de fatos importantes como este de hoje, que nos remete a um periodo negro da vida nacional.
    É preciso contar e recontar a historia, para que a memória não se apague.
    abços..
    Cristina- S/P

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  7. Lidiane - Metodista - S. Bernardosegunda-feira, 30 março, 2009

    Oieee...
    Foi chegar em casa, atirar os livros na cama e correr para o micro. Não perderia essa série final de nenhuma forma. Aliás, não perdi um só artigo desse blog. Na saida do faculdade é uma briga entre nós para saber quem lê primeiro (rssssssssss).
    E o assunto revolta mesmo. Vocês chegaram a se espancados, Milton? Você entrou com pedido de indenização pelas bárbaries que sofreu com seu irmão? O Rubem, seu irmão é conhecido como Rubem Saldanha? Quem é o mais velho, você, ou ele?
    Vigeeeeeeeee.... Enchi você de perguntas, mas sou assim, gosto de saber tudo. Será que serei uma boa jornalista, curiosa desse jeito?
    Bom demais a série, vou sentir saudades dela. Mas, vai ter outras, não vai???
    Bjos,

    Lidiane

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  8. Valeu a pena visitar esse blog. Aplausos para todos vocês. Merecidos!

    Vanessa - Franca - SP.

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  9. Acompanhei, logo pela manhã, esse capítulo final escrito pelo jornalista Milton Saldanha. Não tive tempo para deixar meu comentário, fui para a faculdade, mas volto para fazê-lo agora. Antes devo dizer que apaixonei-me pelo blog e pelos artigos postados, tanto que meu professor, José Coimbra, intrigado com nossos comentários na faculdade, prometeu vir hoje visitá-lo. Certamente irá gostar, ele que viveu esse período conturbado da ditadura militar e foi também perseguido pela polícia, como o foi o autor desse texto final e seu irmão.
    Obrigada, em meu nome e em nome de minhas amigas pelos relatos históricos, muitas vezes engraçados, mas sem dúvida valiosos para nosso apremdizado.

    Thalita - Santos

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  10. O mundo realmente é pequeno. Vejam só. Edward de Souza e Milton Saldanha. Durante anos, separados em redações. Onde estava um, não estava o outro. Trabalhei com o Edward no Correio Metropolitano, Jornal "O Repórter", "Diário do Grande ABC", na época da casinha e já em seu moderno prédio e na sucursal do Estadão, em Santo André, quando a chefia era do Sarmento, se não me engano, ou do Dirceu Pio, o Pafundi deve se lembrar melhor. O Milton esteve no Diário várias vezes, no Estadão e mais ainda na Globo, onde o Edward foi locutor nos anos 70, com o Lombardi, tendo até gravado o Jornal Nacional, cuja publicidade de abertura era o Banco Português e depois nas redações da TV Globo, Rádio Globo e CBN. Os dois não se cruzaram. O milagre da internet uniu esses dois magníficos profissionais, pelos quais tenho grande estima e consideração e o trabalho não poderia ser melhor. Uma série magnífica apresentada e a presença maciça de estudantes de jornalismo nesse blog. Anotei tudo e tenho visto que, aos poucos, cresce em popularidade, com comentários de lugares longinquos desse País. Parabéns aos dois e aceitem meu abraço afetuoso e ainda essa sugestão. Façam um livro juntos, o sucesso será garantido.

    Flávio Soares - Jornalista - S.Bernardo do Campo - SP.

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  11. Viu só, Milton! Viviam criticando o velho Abílio, chamando-o de chato. E foi o livro de ponto dele que o Fausto levou aos agentes do DOI-CODI que te livrou da prisão. (hahahahahahahahahahaha). Coitadi dosêo Abilio, uma figuração, com aquela barba branca e amarelada, dedos amarelos de cigarros que não parava. Acendia um no outro. Estou gostando do blog do Edward. Abração aos dois.

    Rubão - Ex- Diário

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  12. Milton Saldanha - São Paulosegunda-feira, 30 março, 2009

    Queridas amigas e amigos
    Primeiro, obrigado de coração ao grande amigo Edward de Souza por esta oportunidade de contar algumas das minhas historinhas. Tenho um livro de memórias pronto (em revisão e acertos) chamado "Periferia da História". Ali conto minha vida, desde a mais remota lembrança, e mais ou menos 45 anos de história do Brasil. Gente, tudo de memória. Mas não é a história oficial dos gabinetes. São capítulos, como estes, em que conto episódios que testemunhei, de pertou ou de longe, desde garoto, ou deles participei, inclusive como militante político. Um dos primeiros é o dia do suicído do Getúlio Vargas, que, pasmem, um ano antes conheci ao vivo, na porta da Catedral de São Borja, RS. Ele era o presidente e foi lá para ser padrinho de casamento de uma sobrinha. Tá tudo lá no livro. Foi em 1953 e até hoje tenho na cabeça o filminho do Getúlio saindo da igreja, sorrindo. Passou a mão na cabeça do meu irmão, o Rubem, que estava ao meu lado. É minha mais impressionante imagem de infância. Como neste episódio, minha vida foi cheia de grandes impactos culturais e muitas viagens. E uma familia que se reunia nas refeições, todos os dias, e conversava e discutia sobre tudo que estava acontecendo no Brasil e no mundo. Filho de militar, moramos por este Brasil e tivemos a sorte de estar no lugar certo na hora certa. Isso explica minha formidável memória, que espanta minha família quando cito nomes de vizinhos de 50 anos atrás. É uma coisa formidável. E a experiência de escrever o livro me levou a uma descoberta: a gente não esquece, tudo fica armazenado nos escaninhos do cérebro. Quando comecei a escrever minha vida as lembranças brotavam como num filme. Coisas que já estavam apagadas vinham a tona, com todos os detalhes. Se não achar editor vou colocar tudo num blog, seguindo a sugestão da minha querida amiga, e excelente jornalista, Lara Fidelis, filha de um casal, Guido e Virginia, que muito estimo. Agradeços a todos que comentaram meus textos neste blog e também aos que não comentaram mas me honraram com sua leitura. Algumas respostas e depois um comentário final: o DOI-CODI era uma casa de horrores. No meu livro, no capítulo sobre isso, fiz questão de contar todos os detalhes, mesmo os mais chocantes, incluindo o dia em que pensei em suicídio. Para que as pessoas saibam disso e nunca mais aceitem um golpe militar neste país, nem de direita, nem de esquerda. Toda ditadura é execrável. Tenho severas críticas ao Lula e seu governo, como também tenho elogios. Mas comparar com a ditadura é um absurdo. Só fala isso quem não viu a ditadura por dentro, como nós vimos. Aquilo foi o pior dos infernos, em todos os sentidos. Rubem e eu entramos com processos e somos anistiados. Por último, quero dizer que não existem diferenças entre os jornalistas de ontem e de hoje. Existe sim quem nasceu (ou não) para ser jornalista, em qualquer época, com qualquer tecnologia. Até hoje sou um repórter. Tenho um jornal sobre dança. Não faz muito tempo viajei 18 horas, sozinho,dirigindo, para fazer uma grande reportagem num fim de mundo do interior de Santa Catarina. Descobri que havia uma cidade de 4 mil habitantes que fazia todos os anos um festival de dança, com balé e tudo. A cidade não tem sequer hotel e restaurante. Tive que me hospedar a 11 km. A comunidade se mobiliza, com ajuda da prefeiturinha, e faz tudo, monta o festival. Puta assunto, fiz uma belíssima reportagem, repleta de emoção. Jornalista é isso, gente!
    Beijos carinhosos a todos,
    Milton Saldanha

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  13. Abração ao Milton Saldanha e à série com que brindou os leitores do blog.É certo que ele tem muitas outras histórias interessantes das redações para contar.E fica aqui, desde já, um apelo para que o faça.
    Vou dar meu piteco em relação aos anos de chumbo. Foram horríveis,especialmente para os perseguidos.Eu mesmo tomei cacetadas e respirei muito gás lacrimogêneo cobrindo o movimento estudantil de 1976 e as greves de 79 e 80.Nesta última, tive metralhadoras apontadas para minha testa enquanto o pessoal do Doi-Codi retirava, do carro oficial da Prefeitura de São Bernardo, o Rubens Teodoro de Arruda, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.Foram excessos, cometidos por gente despreparada.Porém, o Brasil se encaminhava, nos anos 60, para uma outra ditadura, de esquerda, à la Chaves que alguns novos "donos do poder" em Brasília insistem em procurar emplacar.
    É bom que as novas gerações se informem de tudo o que ocorreu naquele período para descobrir que muitos "herois" de hoje não passavam de pseudo-guerrilheiros, filhinhos da classe média alta, em busca de sucesso pessoal. Pretendiam fazer parte da "nomenklatura" tupiniquim, nas costas do proletariado, ao implantar aqui o regime de Cuba.De certa forma, chegaram lá.
    Efetivamente, não é o caso do Milton que tem história própria digna de orgulho e admiração de quem o conhece.

    édison motta
    Santo André, SP

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  14. Ditaduras são execráveis, não importa qual a tendência política. De direita, de esquerda, de cima, de baixo, ou seja lá de onde for.
    Para não ir muito longe, podemos começar com os déspotas que se seguiram a Queda da Bastilha, Robespierre, Danton, Napoleão... Stalin... Hitler, Fidel Castro...
    Aqui na América do Sul houve muitos ditadores. A Guerra do Paraguai com sua Tríplice Aliança combatendo Solano Lopes, que além de tirano era imperialista. Seu desejo de conquista levou o Brasil e seus aliados, a Argentina e o Uruguai a combatê-lo. Os jornalistas que se dispuserem a fazer uma pesquisa nas fazendas pantaneiras, farão uma fantástica e ilustrativa reportagem. O ponto de partida poderá ser Corumbá.
    No Brasil, acredito que a ditadura Vargas foi pior do que a chamada Ditadura Militar. O período foi mais curto é certo, mas as mortes e as prisões foram muitas. Revolução em 1930. Revolução Constitucionalista em 1932, Tentativa de golpes em 1935, etc.
    Não vou me estender muito. Tinha eu uns 9 anos de idade quando meu pai foi preso por um agente do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), sabe por quê? Em um bar, numa roda de amigos ousou falar mal do governo! Para nossa sorte papai era de nacionalidade portuguesa. Um contato com o consulado e ele conseguiu sua libertação, não sem antes ser humilhado.
    Ilha Grande, navio-prisão, entre outras coisas... Há uma literatura farta a respeito. Mas nossa memória é curta.
    Abaixo qualquer tipo de ditadura. Inclusive a que estamos vivendo no momento. “Ditadura da Corrupção”.

    J. Morgado

    Mongaguá - SP

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  15. Karina - Campinas - SP.segunda-feira, 30 março, 2009

    Gente!!! Meu coraçãozinho está batendo forte. Esse último capítulo me deixou com gosto de quero mais. Parece até o final de uma novela que a gente ama e chega ao fim. Estava lendo os comentários dos jornalistas Milton Saldanha, Édson Motta e J. Morgado, postados no final de muitos outros. Profissionais que sofreram e hoje repudiam aquela época negra da Ditadura militar. Meus pais viveram esse tempo e nem gostam de comentar sobre isso.
    Vou ficar esperando mais artigos maravilhosos, hein? Venho todos os dias, fiquei fão de carteirinha!!!

    Karina

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  16. Acompanhei o excelente relato do jornalista em todos os capítulos.
    Apenas não entendo uma coisa nessa história toda. Porque os autores dessa barbárie, na época da ditadura militar não foram ou não são punidos? A União é obrigada a pagar pensões e indenizações com o dinheiro do Povo Brasileiro, mas os assassinos cruéis estão vivos e soltos, pelo menos a maioria deles. Hitler cometeu uma chacina, nos anos 40 e até hoje encontram alemães que participaram da morte de milhares de judeus. São caçados pelo mundo e quando presos, condenados à morte ou prisão perpétua. O Governo alemão não paga nada a ninguém, responsável que foi por essa atrocidade. A ditadura militar no Brasil durou até os anos 80. Estão por aí, soltinhos e dando risada. Mataram centenas de inocentes e ninguém tem peito de puni-los. E o medo da farda?

    Abraços...

    Tarcísio Monfort - Barra do Saí - Santa Catarina

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  17. Estou acompanhando há dias os artigos desse blog, mas não conseguia postar meus comentários. Lendo a opinião acima, do senhor Tarcísio Montfort, não resisti e chamei minha filha para me ajudar a entrar e deixar minha opinião. Prezado senhor Tarcísio. É preciso não misturar joio com trigo. Os carrascos da ditadura que prendiam, torturavam e matavam estudantes, jornalistas e pessoas de bem, nada tinham a ver com policiais militares que faziam rondas, guardavam o patrimônio público e eram vítimas diárias de terroristas que agiam em todo o País na época, prezado senhor. Quantos policiais militares foram vítimas de emboscadas e morreram a tiros, bombas e até apunhados pelas costas, o senhor sabe me dizer? Ou desconhece que terroristas estavam soltos em todos os cantos. Amigos meus morreram senhor e deixaram viúvas e filhos. Ninguém tem piedade deles, ou não tiveram nenhuma dó. Por essa razão, talvez, seja dificil prender esses que o senhor chama de assassinos. Confundem os pobres policiais com agentes do DOI-CODI. Os terroristas da época não cunfundiam, senhor Tarcísio. Bastava usar fardas e eram metralhados pelas costas, sem nenhuma misericórdia. E muitos desses terroristas estão à solta. Ocupam até cargos importantes no Governo. Porque então não prende-los?
    Senhores jornalistas, desculpem meu desabafo, mas injustiças me revoltam. Parabenizo a todos pelos artigos e entendi, da parte do Milton Saldanha, a sua colocação, onde acusa os responsáveis reais pela sua prisão.

    Olavo Martins Cordeiro - Ex-Tenente da polícia militar

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  18. Milton Saldanha, São Pauloterça-feira, 31 março, 2009

    Queridas amigas e amigos
    Eu não pretendia abusar deste espaço e do tempo de vocês, mas a intervenção do prezado leitor Ten. Olavo Martins Cordeiro inspira algumas reflexões. É preciso que se diga que os militares honrados não participaram e não apoiaram essas atrocidades cometidas no porões da ditadura. Fui de familia militar, cresci dentro de quartéis do Exército. Conheci de perto, e dentro de casa, a cultura do militar de carreira. Como em todas as profissões, incluindo jornalismo, havia de tudo: homens bons, honrados e cultos; e também atrasados, violentos e corruptos. O ser humano e sua imensa diversidade. Devemos ter orgulho que nosso país combateu o nazismo com seus bravos soldados. Meu pai chegou a coronel mas nunca teve comando, era médico-veterinário do Exército. E era um homem sensível, aplicado em leituras, escrevia novelas por hobby. Já estava reformado (aposentado)bem antes do golpe de 64. Gostava do Brizola, votava no PTB, que era o partido do povão. Não tivemos conflito em casa, pelo contrário, me deu grana para eu fugir; ajudou outras pessoas perseguidas; já era também advogado e defendeu presos políticos; escondemos em nossa casa em 1964 um oficial da ativa que decidiu desertar. Ajudamos, principalmente o Rubem, a passar esse oficial para o Uruguai, onde se asilou. Tudo isso era muito arriscado. Tirando alguns casos isolados, os presos em 64 foram tratados com respeito e dignidade. Isso mudou a partir de 68, com o Ato 5 e no brutal governo Médici. Foi quando estourou a luta armada, nascida nas universidades, da resistência estudantil. Eram raros os operários. Os militantes eram quase garotos. E numa guerra há erros dos dois lados, sempre. O tenente Olavo tem razão em alguns pontos, mas se equivoca num fundamental para nós: eles não eram terroristas. Eram combatentes contra uma ditadura. Como foi a famosa resistência francesa contra o nazismo. São coisas totalmente diferentes. Eram também soldados, só que do outro lado e, óbvio, sem farda. A propósito, até nisso os torturadores tinham uma vantagem em relação aos demais militares. Não usavam farda,nem cabelo curto. Eram descaracterizados, alguns tinha até barba e cabelos longos. Passavam por civis e muitos podiam ser tomados por "jovens rebeldes". Era, claro, um disfarce. Nem seus próprios nomes e documentos usavam, eram todos codinomes. Terroristas foram aqueles oficiais envolvidos no famoso episódio do Riocentro, onde havia na multidão até crianças. Não fosse o acidente da bomba estourar antes nas mãos deles, teriam provocado uma tragédia sem precedentes, com centenas de mortos e feridos. A mão de Deus, para quem acredita, chegou antes.
    Beijos a todos,
    Milton Saldanha

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  19. Adorei essa série, que se transformou em polêmica, no final. Essa é a democracia que a gente gosta. Todos com direitos a opinar. Meus cumprimentos ao Milton Saldanha e ao Edward de Souza, que deixaram esse espaço aberto para que todos participem.

    Amilcar - São Paulo

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  20. Prezado jornalista Milton Saldanha,
    Acabo de postar um comentário nessa nova série, hoje assinada pelos jornalistas Edward de Souza e Édison Motta, mas não poderia deixar de lhe cumprimentar pela maravilhosa série que nos brindou, com cinco capítulos escritos de uma forma agradável e profissional. Aceite meus cumprimentos. Valeu a pena ter lido todos esses cinco capítulos que escreveu.
    Obrigada,

    Carla - São Paulo

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