quarta-feira, 25 de março de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Edward de Souza
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INÉDITO
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TIROTEIO NO CEMITÉRIO
Parte VIII

Escolher histórias da minha vida profissional é tarefa difícil. Ao longo de mais de 30 anos trabalhei para importantes jornais brasileiros. O caso do “sepultamento de Assis” é um dos mais curiosos. Foi logo quando fui contratado como repórter policial pelo Jornal Notícias Populares. Claro que tinha experiência, depois de um bom tempo trabalhando na Região do ABC Paulista, inclusive carregava na bagagem o prêmio de melhor repórter policial outorgado pelo 10º Batalhão da Polícia Militar do ABC, o PMzito. Trabalhar num jornal recordista de vendas era meu primeiro desafio. Dias depois de minha chegada ao NP, fui escalado para cobrir o sepultamento de Assis, considerado um dos mais perigosos assaltantes que agia em São Paulo. Havia a suspeita que membros de sua quadrilha poderiam invadir o cemitério e entrar em confronto com a polícia, revoltados com a morte de seu líder. Dois dias antes, depois de um cerco policial sem precedentes na história, Assis foi localizado num barraco, reagiu contra dezenas de policiais, mas acabou sendo fuzilado, depois de mais de uma hora de cerrado tiroteio. Duro na queda, mesmo atingido por vários tiros, Assis, ainda assim deixou o barraco. Sangrando, tentou saltar o muro da casa para fugir. Recebeu uma saraivada de tiros e caiu morto ao solo. Era o fim de um dos maiores bandidos dos anos 70. Festa para a polícia e alívio para a população. Os principais jornais do País estamparam em suas primeiras páginas a notícia. No entanto, marginais ligados a Assis prometiam dar o troco e atacar policiais no dia do sepultamento. O Secretário de Segurança Pública da época escalou uma tropa de elite para acompanhar o enterro do marginal, além de dezenas de PMs armados até os dentes para garantir a tranquilidade da população vizinha ao cemitério.
Deixei a redação do jornal, na Rua Barão de Limeira, por volta das 9 horas da manhã, acompanhado pelo premiado fotógrafo Tarcisio Leite, um dos melhores do Grupo Folhas. A editoria de polícia tinha a informação que o sepultamento de Assis seria às 11 horas. Tempo suficiente, pensava eu, para a cobertura do enterro. Quando chegamos ao cemitério, surpresa e decepção. O marginal havia sido sepultado mais cedo, por determinação das autoridades policiais, que temiam um confronto com membros de sua gang. Percebi que no cemitério estavam conhecidos repórteres de polícia, famosos na época, entre eles o Orlando Criscuolo, do Diário da Noite, Nelson Gatto, Inajar de Souza e outros que não recordo o nome. Tentei buscar informações e fui recebido por eles com ironia. Fui tratado como um “foca” na roda dos velhos jornalistas, que zombaram de minha capacidade. Um deles, o Criscuolo, disse: “Pois é, moleque, você não tem futuro nenhum como jornalista, não sabe nem chegar cedo para cobrir um caso tão importante assim. Vá perguntar para o coveiro, quem sabe ele lhe dá algumas informações”, sentenciou de forma brusca. Todos eles me viraram as costas. Conseguiram me humilhar, sem piedade. O Tarcísio, fotógrafo, se afastou e conversava com alguns investigadores de polícia, tentando ver se salvava nosso dia com alguma informação de importância sobre o sepultamento de Assis, mas nada havia acontecido de destaque. Ficamos apenas eu, Tarcísio e esses cinco investigadores do 3º Distrito Policial. Todos tinham ido embora. Notei que nas casas próximas ao cemitério, dezenas de moradores se acotovelavam nas janelas e alpendres para ver o que se passava. Aproximei-me de um dos investigadores e lhe fiz uma proposta. Caso ele e seus companheiros desses alguns tiros para o alto iriam figurar na coluna “Exclusivas” do Notícias Populares, editada pelo meu amigo, saudoso Lázaro Campos. Era o sonho dos policiais da época sair em destaque nessa coluna. Além da fama, sempre rendia uma promoção. Proposta aceita. Pedi ao Tarcísio que não perdesse tempo. Quando os tiros fossem dados para o alto, ele deveria fotografar os moradores e conseguir nomes de todos eles. Assim foi feito. Os investigadores exageraram no tiroteio. Descarregaram suas armas e sumiram para suas viaturas. Esperto, Tarcísio, mesmo ainda sem nada entender, fez o que eu lhe pedi. Conseguiu mais de 15 fotos, algumas mostrando moradores com olhares espantados e expressão de medo no rosto.
Entramos na redação. Entreguei os nomes dos policiais ao Lázaro Campos – Editor de Polícia - e lhe expliquei todo o ocorrido. Também o teor da minha matéria. Sorrindo, Lázaro deu sinal de positivo e sapecou: “isso, dê uma lição naqueles velhos”, referindo-se aos repórteres de polícia que me humilharam no cemitério. No dia seguinte todos os grandes jornais de São Paulo estamparam manchetes semelhantes: “Tranquilo o sepultamento de Assis”, ou “Paz no enterro de marginal”. Notícias Populares iria estourar mais uma vez as vendas nas bancas. Sua manchete, com matéria trazendo minha assinatura, era essa: “Tiroteio no sepultamento de Assis”. 15 fotos de moradores, com nomes, comprovavam a veracidade da notícia.

20 comentários:

  1. Olá Edward!

    Fico imaginando a cara desses repórteres famosos daquele tempo. Vai ver que teve neguinho que até o emprego perdeu, não? Essa foi demais. Vibrei com o relato.

    Abraços, meu irmão!

    Luiz Antonio (Bola)

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  2. Imagina inventar uma cena uma para fazer uma reportagem.
    É assim que se enganam os trouxas dos leitores.
    Ainda bem que esse jornal acabou. Só devia contar mentira. Sobrava criatividade mas faltava seriedade.
    Não vejo que serviço a impressa presta, cobrindo enterro de marginais. A policia agiu certo enterrando esse marginal, antes da hora anunciada.
    Fernanda - BH.

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  3. pois é, Edward, com que orgulho o pessoal valorizava a foto, o nome, a matéria assinada, o reconhecimento, o profissionalismo...
    hoje, a coluna política do DGabc é assinada por uma "entidade", que psicografa "bento"....

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  4. Acho que teve falha na postagem acima....
    interferência do "bento"???kkkkk
    aqui é a Claudia,
    um abraço!

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  5. Tem sempre um imbecíl, ou uma imbecíl que tenta não compreender que os tempos eram outros. Caso da Fernanda, de BH. Qual o serviço que estava prestando a imprensa no sepultamento do marginal? A opinião pública época, e eu vivi esses tempos, clamava por notícias sobre a morte desse bandido que aterrorizou a Capital por meses a fio. Havia ameaças de um confronto entre marginais e policiais e o dever da Imprensa era estar alí para noticiar. Ou queria a donzela de Belô que todos ficassem sentados na redação, de braços cruzados? Quanto ao sensacionalismo, isso era a Imprensa policial daqueles tempos. Não só Notícias Populares, mas também o Diário da Noite, antes a ùltima Hora e diversos outros órgãos policiais. Trabalhei na Última hora, Notícias Populares, inclusive com o Edward e sei disso. Repórteres sem criatividade não sobreviveriam naqueles bons tempos. Meu amigo Edward apenas deu o troco, e bem dado, numa jogada de mestre, nos "papas" da Imprensa daquele ano, cara amiga de Belô. Bom que tenha nascido em novos tempos. Agora você pode ler notícias sobre bolsas do Lula, roubos de políticos e palhaçadas do Gugú.
    Falta de humor à toda prova essa participante desse blog, o que indica que escreveu de Belô, mas mineira não deve ser. Mineiro tem humor. Na verdade, postou sem nem Nem sobrenome acrescentar. Pra mim, anônima que tem a intenção de prejudicar essas gostosas brincadeiras escritas por profissionais que ocupam esse espaço maravilhoso. Você, cara Fernanda, deveria visitar blogs onde se aprende a costurar cuecas e fazer comida. Vai dar certo por lá.

    J. B. Paladino - São Paulo

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  6. Donzelas mineiras com TPM frequentando blog errado. Cruzes! Baita mal humor, Meu Deus!
    Eu adorei mais essa história. Também, não sou sou de BH, tá na cara!

    Thalita - Santos

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  7. Mais uma vez, saio da faculdade e venho ao seu blog. Adoro essas histórias bem humoradas. Para nós, estudantes de jornalismo, é uma volta ao tempo e essa criatividade nos encanta. Fascinante essa do tiroteio no sepultamento do Assis. Minhas colegas vão adorar. Comentamos e damos muitas risadas, lá na Metodista.
    Bjos, Edward!
    Adoramos você e seus "causos."

    Lidiane

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  8. Percebi uma coisa, em todas essas histórias que você conta aqui em seu blog, Edward. Os velhos jornalistas eram arrogantes e tratavam mal demais os mais jovens. Parece até o batismo de calouros dos dias de hoje? Como eram maus. Deveriam ajudar os mais jovens e incentivá-los na profissão. Mereceram o troco. E foi muito bem dado.

    Fernanda

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  9. Prezado amigo Edward
    Uma grande coincidência, mas, essa história que você contou hoje em seu blog, sobre o Assis, foi comentada na última sexta-feira numa roda de amigos. O Kalil, investigador de polícia aposentado tomou a frente e narrou nos mínimos detalhes essa e outras peripécias suas como repórter. Demos risadas até não mais poder. Segundo o Kalil, depois dessa manchete sua sobre o tiroteio, os velhos jornalistas quando lhe viam, brincavam, tomando benção. O Kalil contou que você, assim que encontrou o grupo cobrindo uma importante notícia policial, virou-lhes as costas, como fizeram com você e está no seu relato e disse: "Para aprenderem a não sair mais cedo de uma cobertura policial"
    Hahahahahahahahahahahahahahahahaha!
    Hilário. Só você mesmo!

    Abraços, meu amigo!

    Amilcar

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  10. Encantado com esses artigos engraçados que passei a ler em seu blog.
    Muito bom. Ganhou um admirador e um acompanhante assíduo.

    Hugo Jovanovich - Santa Catarina

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  11. Como alguém já disse, os velhos jornalistas de outros tempos, especialmente os da área policial, eram mesmo impiedosos com os focas. Fazia parte da tradição das antigas redações "batiza-los".
    De início aplicavam o teste da calandra que solicito ao Edward contar em detalhes, dia desses por aqui.Ou que tal o Antonio Catelani - que já postou comentário - contar sua própria experiência?
    Por outro lado, eram grandes mestres. Aprendi muito com eles. Por exemplo, uma frase inesquecível de meu chefe de reportagem, nos primórdios do Diario do Grande ABC, Rubens Capozzoli, outro grande repórter policial que fez sucesso na Última Hora, de Samuel Weiner: todo ser humano, desde o mais simples até o mais letrado tem uma história de vida para contar. Com todos os componentes de dramas, tristesas, alegrias, derrotas,vitórias,amor e ódio. O bom reporter deve ter faro apurado,sabe ouvir e ter talento para garimpar uma boa história quando entrevista. Que pode render um livro ou, no minimo, uma boa reportagem.
    Parabéns Edward, a série está bombando.

    Abração amigo,

    édison motta
    Santo André, SP

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  12. Todos os dias entro nesse blog e corro para ler a história do dia. Depois leio também todos os comentários. Hoje vou discordar de alguns que dizem que o Edward foi vítima dos mais velhos por ser foquinha. Por acaso já pararam pra pensar se não fosse ele foquinha então? Deu um banho nos coitados dos velhos, nessa histório do tiroteio, no enterro do bandido, que acabei morrendo de rir, já de imaginar a cara deles. Devem ter ficado sem dormir um bom tempo, depois dessa (rssssssssssssss....)
    Um delícia!!!

    Karina C. Junqueira

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  13. Legal esse blog!!!


    Maria Lúcia

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  14. Edward,

    Mais uma foquinha voltando ao seu blog. Adoro ler os artigos que são postados aqui. Antes eu corria muitos blogs de amigas, mas são vazios, muita bobeira. No seu, cada dia uma novidade, como essa do tiroteio no cemitério.
    Bjos,

    Juliana S. Bernardes

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  15. Pois é Edward, você foi pescar e não pegou nenhum peixe. Como não podia voltar de mãos abanando, passou na peixaria e...
    Brilhante companheiro...

    J. Morgado

    Mongaguá - SP

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  16. Prezado Edward

    Meus cumprimentos pelo blog. Facil perceber o sucesso, visto o número de visitantes em tão pouco tempo e os comentários que abundam em cada texto.

    Fausto - Santo André

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  17. olá Edward...
    Essas histórias são demais, todos os dias fico curiosa só em pensar o que está postado nesse blog, Parabéns pelo dinamismo.
    Abraçossssssssss.
    Ana Célia de Freitas. Franca/SP.

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  18. Edward,
    Gostei imensamente de saber que vc foi agraciado com a medalha
    PMzito, a qual eu também tenho, de
    4º grau, por merecimento e ter participado de ocorrências de vulto. Fui Patrulheiro na Zona Centro, entre final de 1967, até 1985, quando me transferi para a Policia Rodoviária, onde encerrei a carreira.
    Conheci pessoalmente o Orlando Criscuolo e o fotógrafo "Bola Sete", do Diario da Noite. Participei de muitas ocorrências policiais no centro de SP, pois minha Cia de Rádio Patrulha, era junto ao 3º DP na Rua Aurora X Vitória. Lembra? Trombei com prostitutas e cafetões da boca do lixo e da boca do luxo. Lembro-me perfeitamente dos bandidos, Assis (citado em sua coluna), Jorge Preto, Saponga, Saponguinha, Luz Vermelha, todos da "Velha Guarda." O Jorge Preto, inclusive, foi morto em um tiroteio, no bairro em que eu morava, na Zona Leste, e que se chama Vila Ré.
    Lembro também do Esquadrão da Morte, com o Delegado Fleury, o Fininho I, seu irmão, Fininho II, o Correinha, o Japonês, os quais infelizmente deturparam a ação que o esquadrão criado pelo delegado Fleury se propunha a realizar e que era acabar com a bandidagem. Os subalternos do Fleury, começaram a "achacar" os traficantes da época. Tinha ainda o Cabeção da Vila Maria. Um negão que comandava o tráfico da Zona Sul, que não me lembro o nome agora. O "Japa" que comandava na Zona Oeste, e o Fidalgo (conheci pessoalmente) e que era o Rei da Maconha, comandava a Zona Centro e a Zona Leste, foi morto pelo Fininho, e no dia em que o Fidalguinho (filho do Fidalgo) ia depor contra eles no Forum, tambem foi assassinado pelos colegas do Fininho. Eu também tenho muitas histórias daqueles tempos. Penso que daria para escrever um livro, mas não tenho o dom de escritor. Gosto de contar alguns causos aos amigos e, dessa vez, um pouquinho aqui no seu blog.
    Parabéns mais uma vez pelo seu PMzito, um grande prêmio só dado a pessoas especiais. São poucos que o têm.
    Abraços, amigão.

    Admir Morgado - Praia Grande - SP.

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  19. Eeeebaaa! Será o Fausto, que postou comentário aí em cima, o mesmo que estou pensando?
    O GRANDE MESTRE FAUSTO POLESI a quem gerações de jornalistas - onde me incluo - lhe serão sempre gratas por preciosos ensinamentos?

    Abração, saúde e paz grande Fausto Polesi.

    édison Motta
    Santo André, SP

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  20. A matéria sobre o caso do ´´ enterro do Assis ´´ foi muito interessante pelo lado pessoal, o então repórter foca deu o troco nos outros colegas experientes! Como repórter-fotográfico detesto fotos montadas, pois não mostra a realidade dos fatos acontecidos aos leitores como também a matéria escrita!
    Estevam C. Figueiredo (Ituiutaba MG)

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