sábado, 27 de fevereiro de 2010

BOLINHA DE GUDE

Havia chovido torrencialmente. Um homem idoso encapotado e com o guarda-chuva servindo de bengala, à moda inglesa, caminhava lentamente por aquela rua encharcada. Seus pensamentos fervilhavam de lembranças nostálgicas. Vivia naquele bairro desde criança e as casas antigas com grandes quintais, deram lugares a grandes sobrados e edifícios de apartamentos. Uma linha do metrô passava exatamente onde outrora havia morado e brincado. Onde estará o Lando, o Buzina, o Vicente... Os amigos de outrora? Vez em quando tivera notícias de um, de outro... Soube que o Luizinho morrera de forma trágica e que o Pedro virara doutor, um médico de renome...

Aquela esquina... Hã, aquela esquina... Quantas travessuras. Muitos foram os baldes d’água que o dono do armazém jogara nos garotos barulhosos que ali defronte jogavam bolinha de gude.

O empório do senhor Felisberto era o único em um raio de muitas centenas de metros e as luzes iluminavam o palco ideal para as brincadeiras da época. Mão-na-mula, esconde-esconde, bafa, cirandinha – “ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar, vamos dar uma volta, volta e meia vamos dar...” Todas essas vozes infantis com e mais os gritos da molecada jogando bolinhas. A forma preferida era a de percorrer quatro buracos, cada um com a distância de quatro palmos. O caminho deveria ser percorrido duas vezes. Quem conseguisse fazer o percurso em primeiro lugar ganhava a partida.

Bolinhas de gude... A mente do velho agora começou a viajar. Foi além da imaginação. Por analogia, começou a comparar as bolinhas de então com a vida dele e de seus amigos. Lembrou-se de uma “melosa”, sua preferida, toda colorida de branco e azul. Por onde andará? Lembrava-se de tê-la perdido para o Vicente, que por sua vez perdeu-a para outro garoto. Depois a perdeu de vista. Afinal, não foi assim que aconteceu? Cada uma daquelas bolinhas tomou um rumo. Cada um daqueles amigos seguiu um destino. Por onde andarão?

Certa ocasião, seu irmão, quatro anos mais novo, todo choroso chegou-se e disse que um garoto havia lhe rapado todas as suas bolinhas. Incontinenti, acompanhou o caçula e desafiou o tal para jogar. Triângulo foi à modalidade escolhida. Fazia-se o desenho de um triângulo na terra batida e ali a partir das pontas para dentro “casava-se” as bolinhas. O jogo consistia em “ticar” as esferas coloridas para fora daquele espaço.

Conseguira recuperar as bolinhas que o maninho havia perdido e “rapar” o adversário. Seu irmão saltitava contente. Seus olhos irradiavam alegria e admiração pelo mano mais velho.

Uma “bolinha” que já se foi!

Com lágrimas nos olhos, o velho continuou sua caminhada. Olhava atento o casario. Em meio às construções modernas, uma casa antiga aqui, outra acolá. Lembrava-se quem havia morado em cada uma delas. Dona Olívia, a benzedeira, uma portuguesa, fora pioneira naquele bairro. Atendia a todos que a procuravam, não importava a hora – dia e noite. Hã, naquela casa, meio assobradada com porão, outro casal de portugueses. A mulher, Dona Maria era a parteira do bairro. Poucas crianças naquela região não haviam passado pelas mãos hábeis daquela senhora. “Bolinhas de gude” que rolariam pelo mundo...

Continuando a caminhar, sentiu vontade de urinar. Buscou um local tranqüilo e longe de olhares curiosos. Enquanto satisfazia sua necessidade fisiológica começou a sorrir. Sorria por lembrar-se que naqueles tempos longínquos, naquele bairro poucas casas tinham sanitários ou banheiros em seu interior. As casinhas como eram chamadas ficavam no fundo do quintal. O urinol era a privada da noite. E isso aconteceu apenas ontem...

Ontem... Os meninos correndo pelas ruas, trocando figurinhas ou tampinhas de garrafas... Chilrando como filhotes de andorinhas a esvoaçar em seus primeiros vôos. Bolinhas de gude a jogar bolinhas de gude. Espalhando-se pelo mundo como as brilhantes esferas coloridas.

Onde andará aquela melosa?
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*J. Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, para o qual escreve crônicas, artigos, contos e matérias especiais. Contato com o jornalista pelo e-mail jgarcelan@uol.com.br
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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010


LIPOASPIRAÇÃO

A VAIDADE QUE CEIFA VIDAS


Modelar o corpo, transformar a aparência. O fascínio pelo visual perfeito motiva desde atividades físicas, ao uso de cosméticos e procedimentos cirúrgicos com fins estéticos. Notícias de complicações e mortes decorrentes de lipoaspiração levantam as perguntas: quais os riscos desta cirurgia? Quem pode se submeter ao procedimento? O que leva uma pessoa a arriscar a vida em nome da autoestima? De tempos em tempos notícias sobre mortes durante cirurgias plásticas comovem a população porque na maioria das vezes os pacientes são jovens.

A jornalista Lanusse Martins, de tenros 27 anos morreu no dia 25 de janeiro do mês passado, em uma clínica particular, em Brasília, após uma cirurgia de lipoaspiração. Lanusse era repórter na TV Justiça e em 2009 também trabalhou na TV Globo de Brasília. Menina linda, competente e de futuro com certeza brilhante à sua espera. Em vez disso, foi-se antes da hora e deixou órfão um filhinho de apenas 6 anos. Quatro dias depois da morte da jornalista Lanusse Martins, o Conselho Federal de Medicina anunciou a elaboração de um novo protocolo de segurança para cirurgia plástica, que irá indicar procedimentos que devem ser seguidos em plásticas.

Também em janeiro, no dia 8, a técnica em radiologia, Carla Fares, 33, morreu após uma lipoaspiração em Duque de Caxias (RJ). Carla teve uma parada cardiorrespiratória e entrou em coma. A família da técnica responsabiliza a clínica e apresentou uma denúncia à polícia. Muitas outras mortes foram registradas durante cirurgias de lipoaspiração, além dessas duas este ano, quatro apenas no ano passado

O que antes era uma rotina que nem assustava os pacientes, agora se reveste de uma nova gravidade e exige uma apuração completa para que fique estabelecida a causa da morte e a responsabilidade de cirurgiões e instituições envolvidas.

A vaidade de vez em quando ceifa vidas. Inúmeros jovens já morreram ou tiveram graves problemas em busca de um corpo perfeito. O uso de anabolizantes é responsável por graves danos à saúde e a procura de músculos potentes e de um torso “sarado” já levou ao hospital centenas de usuários dessas drogas. No lado feminino a plástica impera como solução para se conseguir um corpo perfeito e que esteja de acordo com os padrões que vigoram na moda. Num mundo de manequins esqueléticas, vale tudo para se chegar à silhueta magra que os costureiros exigem, da fome ao estágio da anorexia que sempre traz complicações ao paciente.

O gosto pelos corpos oscila. Já tivemos a vez das rechonchudas no começo do século passado, quando as gordurinhas eram consideradas não só sensuais como saudáveis. Agora estamos sob o império das mulheres atléticas de corpo definido e músculos à mostra e quem não teve a sorte de nascer geneticamente preparado para esse desafio tem de recorrer ao bisturi se quiser fazer algum sucesso social. Assim, um número cada vez maior de mulheres procura os cuidados de um cirurgião plástico para tentar alcançar o ideal de beleza que está nas capas de revista.

A lipoaspiração não é feita para perder peso e sim para modificar a silhueta, por isso, não é indicada para pacientes obesos. A cirurgia apresenta resultado mais eficaz em pessoas que apresentam gordura localizada. Antes de passar pela transformação desejada, o paciente deve se submeter a exames laboratoriais e fazer uma avaliação de risco. Estes exames são uma espécie de “radiografia” da saúde do paciente e devem ser apresentados ao médico até sete dias antes do procedimento. Os exames mostram se há possibilidades de arritmia, infarto, problemas respiratórios. O paciente só pode fazer a cirurgia se estiver com a saúde perfeita. Se tiver uma anemia, por exemplo, terá de se recuperar para poder fazer a lipo.

É preciso ficar definitivamente claro que esse é um procedimento tão sério e arriscado quanto qualquer outra cirurgia e não pode ser tratado como uma banalidade.

Vivemos num país de justiça lenta, mas o Conselho Federal de Medicina não está assim tão assoberbado que não possa dar à população a satisfação que ela merece e exige para que não fique maculado o nome dos verdadeiros profissionais por erros ou imperícia de um pequeno grupo. O que fez tão somente foi divulgar uma estatística de 2004 a 2008, mostrando que 238 denúncias de erros médicos ocorreram durante cirurgias plásticas, resultando na cassação do registro de seis profissionais além de censuras públicas (advertências) em outros 35. De acordo com o CFM, 89 processos foram arquivados.

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*Edward de Souza é jornalista e radialista. Trabalhou em vários jornais, emissoras de rádio e tv do Grande ABC e de São Paulo. Medalha João Ramalho, principal comenda do município de São Bernardo do Campo, outorgada pela Câmara Municipal daquela cidade pelos relevantes serviços jornalísticos prestados à região. Troféu PMZITO, entregue pelo alto comando da Polícia Militar de Santo André por ter se destacado como o melhor repórter policial do ABC nos anos 70. Menção Honrosa entregue em 2007 pela Câmara Municipal de Franca e outra pelo Rotary Clube Norte pela atuação brilhante na radiofonia e jornalismo da cidade. Participou de diversas antologias de contos e ensaios.
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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010



FLAGRANTES DA VIDA (V)


À medida que fatos vão sendo revelados, a memória é reativada e outros vão surgindo por entre a fumaça ofuscante do tempo. Os comentários deixados por nossos leitores estimulam lembranças dormidas, agora despertadas na erupção do vulcão da saudade. Ficou pequeno o espaço de cinco capítulos para contar uma história que já não é minha, envolvendo tantas e queridas figuras.

O rádio foi e ainda é veículo de comunicação muito imediato, o que lhe assegura posição estável entre as modalidades existentes. Homens e mulheres do rádio despertavam paixões só pela voz que possuíam, já que imagem havia apenas no imaginário dos ouvintes. Saint Clair Lopes - o Sombra (E), personagem por ele vivido com sucesso, que conheci como diretor da Rádio Nacional, foi grande locutor e também radioator de sucesso, pertencendo à época de Celso Guimarães e Rodolfo Mayer. Participou da primeira novela da Rádio Nacional – “Em busca da felicidade”. Contava-se no Rio que uma senhora de grandes posses, apaixonada por sua voz e sem herdeiros, deixou-lhe, em testamento, um patrimônio que não era pequeno. Eram ardentes as paixões pelas figuras do rádio e frequentes as aberturas de portas com amplas oportunidades aos radialistas. O fato explica o alto interesse alimentado por muitos pela carreira no mundo radiofônico.

A Rádio Nacional apresentava com sucesso de audiência em todo o Brasil o programa “Balança mais não cai”. A Rádio Mauá (emissora do trabalhador) viu possibilidade em disputar a preferência dos ouvintes com um humorístico bem elaborado. Assim foi criado e dirigido por Nêna Martinez e Zani Filho, “Palácio Flutuante”; eu estava lá (D), contratado como narrador. Não se conseguiu o intento, embora fosse boa sua qualidade e elenco.

Era prefeito do Rio o Cel. Delcídio Cardoso cuja ligação sentimental com uma linda cantora de fados, radicada no Brasil, Ester de Abreu (D) , provocava inveja ao galante mundo masculino da época. Durante seu governo ocorreu à primeira visita ao Rio de Nossa Senhora de Fátima; o prefeito entregou-lhe a chave ouro da cidade na Praça XV, em frente as barcas de Niterói. Eu estava lá, comandando a equipe da Emissora Continental, em cobertura da chegada e procissão pelo centro. Nossos repórteres carregavam pesados BTP’s às costas, microfones volantes da ocasião. Em um lindo domingo de sol, quando Oduvaldo Cozzi, o poeta dos esportes, iniciava no Maracanã a narração de uma partida, um incêndio ali ao lado, irrompeu-se na favela do Esqueleto, agredindo, com voracidade, barracos e pessoa; eu estava lá, com os Comandos Continental, a chamar por recursos humanos de bombeiros, médicos, hospitais e sociedade solidária. Ainda um domingo de sol, eu estava lá, levando Martha Rocha (D), aquela das polegadas a mais, ao Maracanã, para o pontapé inicial de um Fla-Flu. Andei tomando café na esquina da Machado de Assis com Largo do Machado, (Café São Paulo), ao lado do Brigadeiro Eduardo Gomes e sua mãe. Passei momentos de ritmo na batida da caixa de fósforos que o Ciro Monteiro (E, ao lado de Ivon Cury e Garcia Netto) gostava.

Fui cicerone de Marly Sorel (E) filmando na Atlântida. Andei pelo restaurante “Sambão e Sinhá” em que o Ivon Cury tornou famoso.

Ao assumir a direção da Rádio São Paulo, antes pertencente ao grupo de Paulo Machado de Carvalho, da Record, que me senti entre um de bando feras do radioteatro brasileiro: Marthus Mathias (D), Gilmara Sanches (E), Ézio Ramos, Diva Lobo, Amélia Rocha, Dolores Machado e tantos outros cobras da novela de rádio. Eram todos dubladores de artistas famosos do cinema internacional. Citarei Mathias que dublava a série Os Flintstones. Na Rádio São Paulo, à época, iam ao ar 30 novelas por dia, numero que reduzi para seis ao final de minha gestão. Chegou de Jaú um menino humilde e aplicado que me honra ter feito por seu mérito, um sucesso, incluindo o cognome que lhe dei: locutor sorriso, Eli Corrêa.

Foram muitas as noites gloriosas vividas em serenatas com Noite Ilustrada, que gravou um samba que fiz: “No braço do meu violão”. Lúcio Cardim, a expressão maior da música sentimental brasileira, autor de “Matriz ou Filial” ainda hoje confundida como sendo de Lupicínio Rodrigues. As longas madrugadas cheias de sonhos embriagavam nossos espíritos de romantismo, cantando ao lado de janelas em homenagem à beleza da mulher brasileira. As noites no Nick Bar, o encanto e o perfume de lindas mulheres, o piano e a voz do Dick Farney (D), mais tarde na Praça Roosevelt (Farney Bar) eram o prêmio que a vida nos reservara. Em um capítulo passado me lembrava J. Morgado, na mesma praça, a Boate Stardust, frequentada pela nata paulistana, vinha surgindo em início de carreira a eletricidade de Jair Rodrigues, o sambista que ainda hoje faz vibrar a plateia. Naquela boate, quando em São Paulo, ao final de seus programas na TV, sempre armado de boa sátira, jantava o pioneiro do gênero talk show: médico, ator, autor, diretor e nunca igualado promotor de entrevistas chegava ao Stardust Silveira Sampaio (E), acompanhado das figuras da alta estirpe paulistana, entre as quais a ilustre Bia Coutinho.

É bastante grande a seara de lembranças, no entanto, o espaço da série para revisitar o passado acabou. Obrigado, amigos, por viajarem comigo na saudade.

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José Reynaldo Nascimento Falleiros (Garcia Netto), 81, é jornalista, radialista e escritor francano. Autor dos livros Colonialismo Cultural (1975); participação em Vila Franca dos Italianos (2003); Antologia: Os contistas do Jornal Comércio da Franca (2004) e Filhos Deste Solo - Medicina & Sacerdócio (2007). Cafeicultor e pecuarista, hoje aposentado. A Série Relembranças foi editada em cinco capítulos semanais, às quintas-feiras, quando o profissional revisitou, com sua memória privilegiada, flagrantes da vida que fazem parte da história de nosso país.
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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Prezados amigos(as). Problemas técnicos ainda não detectados nos impediram de postar um novo texto nesta quarta-feira. Estamos trabalhando para restabelecer o sistema e voltarmos em breve. Contamos com a compreensão de todos!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010


CORPO, ALMA E

CARTÃO DE CRÉDITO

Bufff! Partindo do nada, um flash estoura na cara e você não sabe onde, como, quando e por quê. As pernas tremem, o coração dispara, milhares de borboletas começam a dançar dentro do estômago. Danou-se. Você se apaixonou. Não entende bem o que aconteceu, mas percebe que abriu uma porta misteriosa. Não sabe qual a saída daquele corredor enorme e claro. Contudo, é impulsionada a desbravar o novo território. Na hora, não pensa se será feliz ou infeliz. Simplesmente mergulha. Splash! E entra no coração do outro para tentar uni-lo ao seu, numa espécie de rave sem hora para acabar. Pula, sacode, mexe todo o esqueleto naquele ritmo frenético. Toca telefone, não toca, é ou não é? Por que não liga? Está com defeito? Puuuuu... Não, ufa, a linha não está muda. Quer tanto ouvir a voz do outro lado que permanece com o aparelho colado nas mãos. É capaz de dar loopings no ar quando consegue se comunicar com aquele ser estranho, até desconhecido, mas que gera uma verdadeira descarga elétrica em seus nervos. É, minha cara, o amor escancarou os dentes para você, num sorriso indecifrável, mais misterioso que o da Monalisa. Será bom ou ruim? Sempre soa como a oitava maravilha do mundo. Quando encosta em você, então, é como se os anjos tocassem trombetas nos ouvidos. Parece que passou gel em todos os pêlos do corpo de tão arrepiada. O mundo sai de baixo dos seus pés, os joelhos dobram, e você ali, de língua de fora, parecendo um cachorro olhando para a vitrine do açougue. Sim, seu olhar abobado, parado no ar, é notado por todo mundo. Não adianta disfarçar, usar maquiagem de drag queen, óculos ou máscara de dormir em avião. Quem olha para um ser apaixonado, logo sente o cheiro de enrascada no ar. Mesmo assim, você se entrega totalmente. Doa tudo: corpo, espírito e até as prestações da loja de departamentos. Gasta horrores em vestidos esvoaçantes, perfumes sensuais, cremes poderosos, poções milagrosas que deixam a pele viçosa e tiram a aparência de casca de laranja do bumbum. Escolhe os melhores filmes românticos, embora a outra parte prefira fitas de luta. Você detesta violência, no entanto passa a enxergar a singela beleza dos golpes de caratê. Comem pipoca, entrelaçam os dedos, sussurram, fazem juras de amor eterno, grudam como gêmeos siameses. Tudo é lindo, até mesmo a baba que escorre da boca enquanto permanecem abobados olhando nos olhos, querendo entender o que o outro diz, imaginando que a felicidade é eterna. Um dia, porém, ao acordar, a dura realidade grita na sua orelha. Um berro de terror. Assim como veio, o amor partiu. Foi embora sem explicações. Sem ao menos assinar o bilhete de despedida. Páaaaaa. A porta se fechou bruscamente. As luzes se apagaram, o corredor sedutor se transformou numa passagem estreita, abafada, escura. O coração saltita de novo, dançando um novo e frenético ritmo. A música do ódio toca no mais alto volume. Você atira cinzeiros cheios na parede, se arrasta pelo chão feito lagartixa, gasta o resto do salário em antidepressivos, caixas e caixas de lenços de papel, óculos escuros novos para ninguém perceber seus olhos inchados de choro e noites mal dormidas. Afinal, a dor também precisa ter classe. Procura a cigana, faz amarrações, pede o dinheiro de volta porque nada funcionou, investe em livros de autoajuda. Nada resolve. A tristeza dilacera o peito. Você deseja a morte. Arrasta-se até a loja de ferragens, escolhe a maior arma que consegue enxergar por trás das lágrimas. Quanto é? Dá para embrulhar? Chega em casa, vai para a frente do espelho, arranca a roupa, segura com as mãos desajeitadas a tesoura de cortar grama e, num gesto dramático e rápido, faz cléc. Pronto. Arrancou a erva daninha do coração. Cortou o amor pela raiz, tirou toda a terra que ainda restava ali dentro e ainda deu uma espanadinha. Doeu, é verdade. Mas, agora, é só passar mertiolate, tomar anti-inflamatório e comprar roupas novas que a ferida cicatriza. Logo, logo mesmo, corpo, alma e cartão de crédito estarão prontos para outro flash.
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*Lara Pezzolo Fidelis é jornalista, escritora e colaboradora especial deste espaço. Entre outras atividades profissionais, Lara mantém um blog na internet, o Lagarta de Fogo. Clique para acessar:
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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010


DISCUSSÃO ESTÉRIL

Desde os meus tempos de garoto, pelas mãos de minha mãe era semanalmente levado até a Rua da Glória em São Paulo, onde se situava a Federação Espírita do Estado.

Evidentemente, criança ainda, dormia eu a sono solto na maior parte dos trabalhos espirituais ali realizados. Mais tarde a instituição mudou-se para a Rua Brigadeiro Tobias. As sessões eram realizadas em um enorme salão de uma antiga mansão então existente naquela região paulista e eu continuava a tirar minhas sonecas. As reuniões eram públicas naquela época. Lembro-me vagamente de um tio, irmão de minha genitora, com um livro nas mãos doutrinando os espíritos doentes que ali iam ter em busca de esclarecimento e lenitivo. Naquele tempo, fins da década de 30 e início da de 40, não havia o que há hoje – Juventude Espírita, Educação para crianças através de livros infantis e adaptados para compreensão dos jovenzinhos, etc. Os adeptos do Espiritismo eram tratados como párias da sociedade. Os vizinhos nos tinham como bruxos e coisas do “diabo”. Nós pequerruchos podíamos sentir isso nas perguntas de nossos amiguinhos de folguedos; “vocês são macumbeiros não é”? Não sabíamos o que responder. Mais tarde, já na pré-adolescência, partíamos para uma briguinha cada vez que nos interrogavam a respeito do assunto. A história sobre essa época é longa e interessante. De qualquer forma há uma semelhança (ressalvando as devidas proporções) quando dos primeiros cristãos perseguidos, primeiro pelos soldados a serviço do clero judaico e em seguida pelos romanos. No século XX, os espíritas sofreram muitas perseguições e eram até alvo de investigações pela polícia que exigiam licença e outros documentos para o funcionamento de uma Casa Espírita. A coragem de muitos pioneiros na divulgação da Doutrina sobressaiu-se e venceu os detratores e aqui estamos cada vez mais lúcidos e imbuídos de nossa responsabilidade perante a humanidade.

São muitos os fatos que enriquecem a História do Espiritismo no Brasil que vão desde as polêmicas em torno da figura de Jesus até a desagregação de entidades e a formação de outras.

Mas, uma delas nos causa desprazer; é quando se referem ao Cristo como “Político”. Foram muitas as ocasiões em que escutamos ser Jesus “O maior socialista que já existiu”. Com paciência, fiz ver as pessoas de quem ouvi essa frase a diferença entre política e a Moral pregada pelo Mestre. Muitas dessas pessoas ou pelo menos a maior parte delas se deixam envolver com “doutrinas milagrosas utópicas”, criadas pelo homem e divulgadas pela mídia comum e publicações que até pouco tempo eram proibidas pelo governo; não se preocupam em ler nas suas minúcias os livros de Kardec e principalmente o Evangelho Segundo o Espiritismo, onde certamente deixariam de ter tais idéias.

Não foram poucas as pessoas, ou melhor, interesses políticos que tentaram usar o Espiritismo para tirar proveito. Aconteceu no passado com outras religiões resultando no atraso moral em que nos encontramos. Só que na Doutrina dos Espíritos não há brechas (pelo amor ou pela dor).

As definições estão claras nos dicionários da Língua Portuguesa, tanto para Socialismo que é um conjunto de doutrinas de fundo humanitário que visam reformar a sociedade capitalista tentando diminuir um pouco as desigualdades, quando para a Moral que se refere aos bons costumes e um conjunto de regras de conduta consideradas válidas, quer de modo absoluto em qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada.

E vai por ai a fora.


EVOLUÇÃO

Quando será que o homem entenderá que apenas a evolução espiritual resolverá os problemas da humanidade? Que a matéria carnal é provisória e que “ao pó voltará”? Pudemos verificar que muitas coisas estão acontecendo em várias partes do mundo. Por exemplo: a mídia vem divulgando (não com tanta ênfase) que grupos de jovens estão saindo algumas vezes por semana vasculhando o lixo e verificando o desperdício que acontece em restaurantes em casas de família (sejam elas de que classe for) e outros lugares. Interessante que eles pertencem à classe média e sem nenhum pejo comem daquilo que recolhem. É verdade que são assistidos por médicos e outros profissionais; mas é uma idéia maravilhosa, pois mostra ao mundo verdadeiramente o que poderíamos fazer com o excesso que guardamos ou jogamos fora.

Mesmo Antes de Cristo apareceram muitos homens que nos ensinaram filosofias dignificantes e durante os séculos que se passaram até os dias de hoje foram muitos os exemplos de como deveríamos nos comportar para termos uma felicidade relativa e uma vida sem muitos problemas.

Não quero dizer aqui que a Sociedade não tenha que se organizar para que haja uma civilização ordeira visando o progresso do ser humano. Aliás, essas questões estão muito claras no Livro dos Espíritos na pergunta 711 e seguintes. Refiro-me sim ao excesso de materialismo e imediatismo que cega o indivíduo e faz “ouvido mouco” as preleções e aos conselhos evangélicos que surgem a cada momento e cada vez mais a “Porta Estreita” é preterida porque não oferece o que o ser humano deseja, ou seja, manter seus vícios morais e materiais que lhe dão prazeres imediatos. “Meu Reino não é deste Mundo” disse Jesus. As pessoas ainda não conseguiram assimilar que eles são espíritos imortais e não matéria que um dia poderia “ressuscitar”. Por essa razão Kardec não admitia que pessoas participassem das sessões mediúnicas ou práticas apenas por curiosidade. Exigia que a o pleiteante lesse as obras codificadas e só depois então, se convencidos, participassem das reuniões.

A moral de Jesus através do Evangelho e da Codificação Espírita nos mostra claramente conforme frase de Kardec que “Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade”. Assim sendo, só existe um caminho para a nossa evolução: REFORMA ÍNTIMA.

Os homens através de seus arroubos idealistas inventam ou criam filosofias para a melhoria da sociedade; ótimo, pois é esse o seu dever. Só que na medida em que o tempo avança deixa-se se levar pela ânsia do poder ocasionando sofrimentos e amarguras.

Poucos, muito poucos foram os homens que ao assumirem a responsabilidade de dirigirem nações o fizeram com o coração limpo de qualquer resquício de orgulho ou ganância. No século que passou lembro-me de dois e os escrevo com letra maiúscula NELSON MANDELA E MAHATMA GANDHI. O primeiro depois de 28 anos de prisão tornou-se presidente de seu país (África do Sul) e instituiu pequenos tribunais populares para julgar os pedidos daqueles que solicitavam anistia pelo que fizeram no regime da Apartheid e praticamente os perdoou a todos, instituindo assim a “Lei do Perdão”. O segundo, com sua filosofia hinduísta, conseguiu libertar o seu povo (Índia) do jugo estrangeiro sem usar da violência, mas infelizmente, os desejos pelo poder ocasionaram seu assassinato, em 1948.

A consulta de jornais escritos, televisivos, revistas, rádio, etc., todos os dias, nos dão uma idéia do que vai pelo mundo. A evolução moral é lenta e uma boa parte da população prefere o misticismo e os milagres para resolverem seus problemas. Deus, nosso Pai não revoga suas próprias Leis, daí, o sofrimento constante e as reencarnações múltiplas até que o ser humano entenda o que o “Verdadeiro Cilício” é o combate de seus defeitos morais, ou seja, o orgulho, o ódio, o rancor, a mágoa, a vaidade e assim por diante. Daí, só há uma solução “AMAR O PRÓXIMO COMO A TI MESMO”. Quando chegarmos a cumprir esse mandamento, o mundo terá atingido o que Jesus apregoou para quem quisesse ouvir e seremos todos felizes...

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*J. Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, para o qual escreve crônicas, artigos, contos e matérias especiais. Contato com o jornalista pelo e-mail jgarcelan@uol.com.br
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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010



FLAGRANTES DA VIDA (IV)


Quatro horas da manhã/Sai de casa o Zé Marmita/Pendurado na porta do trem/Zé marmita vai e vem/ (...)

Hoje iremos reviver histórias do Rio, a terra do carnaval, de tórridos amores, das
escolas de samba, dos puxadores onde sempre estará no primeiro trono Jameão (D), que conheci em São Paulo, cantando no Salão Verde (taxi girls) inicialmente no Edifício Martineli, depois na Rua São Bento, ao lado do largo do mesmo nome, onde há uma estação do metrô. Era cantor efetivo de uma gafieira do Rio, proximidade da Lapa, acima do Arcos. Eram comuns as gafieiras na cidade como entretenimento popular. Jorge Veiga (E), cantor da Rádio Nacional, fez enorme sucesso com a música “Pistão de Gafieira”, inspirado nelas: Na gafieira, segue o baile calmamente/Com muita gente dando volta no salão/Tudo vai bem, mas, eis, porém, que, de repente/Um pé subiu, alguém de cara foi ao chão. (...)

Ainda em ressaca do carnaval que acabou, sigo cantando para minha colombina: você partiu/ saudades me deixou/ eu chorei/ o nosso amor foi uma chama/ o sopro do passado desfaz/ agora é cinza/ tudo acabado e nada mais/(...)

Eu falava no capítulo anterior, da carreira de Bob Nelson; no entanto, o Brasil não conhece uma particularidade de sua vida atrelada ao grande Lua, o mestre sanfoneiro Luiz Gonzaga. O sanfoneiro começou no Rio, tocando nos cabarés da Lapa e ainda não cantava. Ao final de cada apresentação, corria a bacia para recolher gorjetas e manter-se. Contava Bob Nelson que a primeira contratação do Lua foi arrumada por ele, na Rádio Nacional. Bob ao assinar seu próprio contrato, sugeriu o sanfoneiro que queria como acompanhante: Luiz.

A emissora Continental do Rio, pertencente ao grupo de Rubens Berardo, era projeto ambicioso no rádio carioca. Gestor de sonhos, Gagliano Neto (D) foi seu fundador, em 1948
, ele o homem que transmitiu a primeira Copa do Mundo, realizada na França, em 1938. Imaginava a Continental integralmente dedicada à notícia e esportes. Chegava a adiantar em meios radiofônicos: “um dia teremos, no Rio, a Emissora Continental cobrindo tudo, com carros de reportagem equipados para transmissão, ombreando-se com a rádio-patrulha em número de veículos”. Não viu realizado o desejo, voltou a São Paulo onde se dedicou a transmitir corridas de cavalos, no Jockey Clube.

Temos entre nossos leitores um número considerável de universitários, sempre interessados em avaliar acontecimentos importantes da história. Em minha opinião, a Emissora Continental do Rio de Janeiro, embora conte com escassez documental de seu passado e, até prova oral, pelo desaparecimento de muitos que viveram seus momentos, merece estudo mais acurado de sua ação e efeito na vida da rádiorreportagem. O sonho, a abnegação, o amor ao sempre presente “Comando Continental,” falando de todos os pontos do Rio, seu pioneirismo e sua utilidade pública, faz pertinente pesquisa mais aprofundada.

Carlos Palut, Ary Vizeu, Manoel Jorge, Paulo Caringi, Dalwan Lima, Perez Júnior, Jorge Sampaio, Paulo Cesar Ferreira eram jornalistas do microfone volante, rondando a cidade nas 24 horas. A reportagem externa contava com a retaguarda dos informativos de meia em meia hora: Repórter Carioca (local) e Repórter Continental (internacional).

Fui contratado, inicialmente, para leitura dos informativos. Acumulei, mais tarde, a apresentação de um musical na madrugada; Boate dos 1.030, onde promovia lançamentos musicais. Era muito frequente a visita de um grande repórter, com suas produções musicais - David Nasser (E), com quem alonguei papos nas noites do Rio.

Por indicação do deputado Rubens Berardo, fui prestar serviços à dona Darcy Vargas, no Palácio do Catete, na elaboração e distribuição de informações da LBA, Legião Brasileira de Assistência, entidade por ela criada em 1942, em cuja presidência se mantinha.

Em Copacab
ana, longe de pensar na violência que hoje assola o Rio, a noite cheia de mistério e romantismo era constante convite aos prazeres e à boemia. Minha morada, antes no Flamengo, passou a ser na Rua Viveiros de Castro, no Posto 2 de Copacabana. Participei, com Fernando Salgado, crítico de cinema, Ângela Maria, Esther de Abreu, Marly Sorel, Manoel Jorge e outros, da fundação do Clube de Cinema em espaço cedido pelo Barão Von Stuckart. Ali ao lado funcionava a Boate Vogue, de sua propriedade, cujo prédio veio a incendiar-se em 1955, deixando trágico resultado. Parece ser sabido o gosto de Silvio Caldas pela arte da culinária. O barão abriu no local um fino restaurante chamado Casa Grande e Senzala; Silvio assumiu a cozinha, área Brasil. Eu estava lá: era seu convidado às quintas feita.

Uma pequena casa noturna em frente ao Vogue, de nome Tasca, pilotada por seu proprietário, músico e compositor, Djalma Ferreira (D), era ponto obrigatóri
o das mais lindas mulheres. Eu estava lá. Foi transformada, mudou de nome: Boate Drinks. As lindas mulheres permaneceram. Entrou Miltinho (E), esbanjando sucessos musicais. A bola da vez era: Você, mulher/Que já viveu, que só sofreu/Não minta/Um triste adeus nos olhos seus/A gente vê, Mulher de Trinta/No meu olhar, na minha voz/Um novo mundo, sinta/É bom sonhar, sonhemos nós/Eu e você, Mulher de Trinta/Amanhã sempre vem/E o amanhã pode trazer alguém/

Eu fiquei lá...(continua)
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José Reynaldo Nascimento Falleiros (Garcia Netto), 81, é jornalista, radialista e escritor francano. Autor dos livros Colonialismo Cultural (1975); participação em Vila Franca dos Italianos (2003); Antologia: Os contistas do Jornal Comércio da Franca (2004) e Filhos Deste Solo - Medicina & Sacerdócio (2007). Cafeicultor e pecuarista, hoje aposentado. A Série Relembranças será editada em cinco capítulos semanais, às quintas-feiras, em que o profissional revisita, com sua memória privilegiada, flagrantes da vida que fazem parte da história de nosso país.
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