A primeira noite tudo transcorreu normalmente com o trabalho sincronizado entre os experientes locutores. O comando partia de Rolando Marques, que acionava, de acordo com determinado cronograma, os demais integrantes da equipe e cada um executava seu trabalho conforme o andamento do baile no salão onde estava e, claro, como rádio não tem imagem, com cavalar dose de imaginação do colorido das mais esdrúxulas fantasias e estereótipos dos foliões.
Na noite de domingo, no entanto, o panorama se transformou
radicalmente. O salão onde eu estava, na GM, na Avenida Goiás, em São Caetano, teve um princípio de incêndio, sem causar vítimas, mas provocou alvoroço e pânico geral. A transmissão da Rádio Diário, naquele instante, estava com Sidney Lima, no Clube Atlético Aramaçan. Do local privilegiado em que eu estava instalado na GM presenciei o início do fogo, originado nas serpentinas que enfeitavam o salão, próximo a uma das portas de saída. De imediato interrompi o companheiro que estava em Santo André e comecei a narrar o incêndio. Estava em pé sobre uma mesa num canto estratégico do salão. O povão, que lotava o clube, entrou em pânico, uma vez que as chamas atingiam algumas cortinas e outros adereços do salão. As pessoas se empurravam, gritavam histericamente e procuravam as portas. Como o estouro de uma boiada, derrubava tudo que encontrava pela frente, a procura do objetivo que era um vão para escapulir do imenso salão e das labaredas que se alastravam.
Eu seguia transmitindo do meu posto até o instante que uma turba, quase tresloucada, arrebatou minha mesa, meus papeis e, claro, fui atirado ao chão segurando apenas o microfone, já fora do ar. O rompimento da linha de transmissão provocou um forte e estranho barulho. Os companheiros ficaram entre apavorados e apreensivos, pois a forma abrupta em que eu havia saído do ar sugeria a todos um desenlace trágico. O chefe, Rolando Marques, na Associação de São Bernardo, chamava aos berros (como se isso fosse necessário) a presença dos bombeiros, ambulância e médicos no Clube da GM. Os demais postos de transmissão da rádio emudeceram, como em solidariedade e apreensão ao que estava ocorrendo em São Caetano.
Acionada, a Brigada de Incêndio da própria General Motors, cuja fábrica ficava cerca de 200 metros do clube, apagou o fogo, molhou alguns foliões, as mesas foram colocadas em seus lugares e a banda seguiu com as velhas e boas marchinhas carnavalescas. De um orelhão, depois de recomposto da queda e do pânico da possibilidade de ser pisoteado, entrei em contato com a rádio, onde o plantonista João Motta se encarregou de acalmar os companheiros e os poucos ouvintes que a transmissão deveria ter, até porque era um domingo de madrugada.
A Telefônica restabeleceu a nossa linha no salão da GM e o nosso trabalho prosseguiu, sem as preocupantes interrupções. Na pista, os foliões, felizes, cantavam: Lencinho Branco, Lata d'Água na Cabeça, Bandeira Branca, Jardineira, Máscara Negra, Me dá um dinheiro aí, Cabeleira do Zezé e outros inocentes e agitados acordes carnavalescos da época, até o amanhecer da segunda-feira. As cenas de pânico na GM foram, naturalmente, por mim relatadas inúmeras vezes aos companheiros, à direção da Rádio e para alguns ouvintes pessoalmente, nos dias posteriores. Um tanto assustado, mas seguro retornei ao Clube da GM nas noites seguintes (segunda e terça), afinal o samba e nosso trabalho não poderiam parar.
Os bailes realizados nos salões praticamente sucumbiram, mas a Rádio Diário prosseguiu com sua equipe transmitindo os desfiles de rua nas principais cidades do Grande ABC e, especialmente, na Capital Paulista. E assim foi durante muitos anos, também com fatos inusitados, hilários e pitorescos que poderão ser relatados neste espaço mais à frente. Afinal, a imortal marchinha: “Ô abre alas, que eu quero passar" ainda está sendo executada nas ruas ou mesmo nos simplórios salões de periferia.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC
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