sexta-feira, 4 de março de 2011

QUINTA-FEIRA, 3 DE MARÇO DE 2011



No começo dos anos 70, o rádio AM estava incluído entre as instituições consideradas subversivas, mas sua popularidade e credibilidade continuavam intactas. A juventude ouvia as emissoras AM, mesmo tendo o rádio FM, que surgiu em 67, como segunda opção. Os meios de comunicação do Grande ABC sofriam influência direta da imprensa da Capital Paulista, devido à proximidade territorial, tanto que possuía, naquele tempo, apenas quatro emissoras de rádio em sete das suas cidades, duas delas, Rádio Emissora ABC e a Clube, em Santo André. A Rádio Diário, antiga Independência, estava em São Bernardo e a Cacique, em São Caetano. Na década de 70, a região do ABC Paulista era uma das mais ricas do país, detinha praticamente a totalidade da produção nacional de veículos. O sonho de muitos trabalhadores era estar empregado numa grande empresa metalúrgica da região.

Neste clima favorável, a Rádio Clube, onde eu estava a espera de conseguir meu primeiro emprego, depois que cheguei do interior, tinha um bom faturamento e liderava, ao lado da Rádio Diário, a audiência na região. Subimos alguns degraus até chegarmos às instalações da Rádio Clube, no primeiro andar de um prédio localizado na Rua Coronel Oliveira Lima, próximo ao Largo da Estátua, centro da cidade. Não havia elevador. José Astolphi mostrou todas as dependências da rádio antes de entrarmos em sua sala. Percebendo que melhor seria deixar-nos a sós, meu tio Ivan inventou uma desculpa qualquer e despediu-se do diretor e sócio da rádio. Conversei durante alguns minutos com Astolphi, contando sobre as experiências que tive em rádio. Ele nunca me encarava, parecia até que nem estava ouvindo. Mantinha a cabeça baixa, ar debochado (com o tempo notei que era esse mesmo seu jeito, nada mudaria), até que se levantou e convidou-me a fazer um teste.

Seguimos para um estúdio de gravações especiais, desocupado naquele momento, onde nos esperava um senhor de óculos, pouco mais de 1,50 de altura, operador de som da Clube. Chamava-se Simão, uma simpatia. Seria ele o responsável pela gravação do teste. O diretor da rádio entregou-me um texto, em português, nada de outros idiomas e desejou-me boa sorte. Enquanto eu desempenhava o meu trabalho no estúdio, Astolphi conversava com Simão e gesticulava sem parar. Deixei de olhar na direção onde estavam, poderia ficar nervoso e colocaria tudo a perder. Terminei a gravação e saí do estúdio. Simão não se conteve, e mesmo com o olhar de reprovação do diretor da rádio, exclamou: “o menino é bom demais”. Voltamos para a sala de Astolphi e recebi a proposta que não esperava.

Para começar, teria um programa somente aos sábados, no período da tarde e durante a semana seria o responsável pela redação dos noticiários daquela emissora. Claro estava que o meu papel seria cobrir a folga no fim de semana do locutor do horário e assumiria a responsabilidade de redigir os noticiários da rádio, que estava carente no setor. Levantei-me para recusar a proposta, tinha pouca experiência como redator de notícias, quando um vozeirão se fez ouvir na sala. Um sujeito bonachão, alegre, invadiu a sala da direção e entregou uma pasta ao Astolphi, que agradeceu. Em seguida, esticou a mão em minha direção e se apresentou: “como vai, eu sou o Lombardi”. O nome nada significava para mim, afinal, quem era o tal Lombardi? Um locutor da Clube, isso era certo, pela voz clara e possante. Astolphi percebeu minha dúvida e esclareceu: “Luiz Lombardi apresenta um programa em nossa rádio, é o chefe dos locutores da TV Globo e participa do programa do Silvio Santos naquela emissora. Tomamos um café, esperei o Lombardi sair e perguntei ao Astolphi quanto eu ganharia se aceitasse a sua proposta. Era um bom salário, além do registro em carteira. A ideia de recusar a oferta desapareceu, assim que soube quem era Luiz Lombardi. O futuro mostrou que eu estava certo.
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Fui encaminhado até a uma pequena sala, nos fundos dos estúdios da rádio, onde havia um enorme gravador, aparelhos de rádio, mesa e uma máquina de escrever Olivetti (foto). Seria ali o meu local de trabalho durante a semana e a minha função, gravar os noticiários das grandes emissoras, principalmente o Jornal da Jovem Pan, onde Antonio Del Fiol, sócio de Astolphi, era o apresentador. Depois passaria para o papel as principais notícias e as levaria para o locutor- noticiarista, na época Marcio Santos. A primeira semana foi um desespero, imagine só deixar pronto um noticiário de hora em hora, sem atraso! Com sacrifício e apanhando, dei conta do recado, contando com a ajuda do Marcio Santos, que se transformou numa grande amigo que tive naquela emissora. O outro, Reinaldo Nascimento, operador de som, que mais tarde seria também meu companheiro na Rádio Diário do Grande ABC.

Sábado, o dia da apresentação do meu primeiro programa na rádio. O operador de som era o Reinaldo Nascimento, mais tarde apelidado pelo Jurandir Martins, repórter esportivo da Rádio Diário, de “Bisão”. Para quem não sabe, bisão é um dos grandes mamíferos ruminantes da mesma família do boi e da vaca. Pode chegar a quase quatro metros de comprimento e pesar mais de uma tonelada. Tem os olhos vesgos e da cor marrom, daí o apelido colocado pelo Jurandir em Reinaldo. Percebendo meu nervosismo na estréia, Reinaldo Nascimento procurou tranquilizar-me e deu enorme força para o sucesso do programa, que passou a ser um dos líderes de audiência da emissora. Era isso que pretendia Astolphi. Preparar-me, para depois que eu estivesse adaptado ao esquema da rádio, poder oferecer um programa diário. Não tinha ainda total confiança naquele “menino”, como sempre fui chamado por ele. Quando queria falar comigo, gritava para o “Joãozinho”, Office-boy da rádio. “vá à redação e peça para o menino vir aqui, agora”.
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Já acostumado com o noticiário, eu não mais gravava e copiava as notícias de outras emissoras para levar ao ar. Passei a manter contato com a Polícia Militar, Bombeiros e delegacias. Notícias "frescas" da região eram levadas ao ar, aumentando com isso a audiência da Clube. As poucas notícias de fora, eu as modificava, não o sentido, mas o texto. E criei um modelo para anunciar a temperatura que Del Fiol, mais tarde, introduziu na Jovem Pan, com real sucesso. Ao invés de, “tempo ruim, chuva e temperatura registrando tantos graus”, comum em todas as emissoras de rádio, eu escrevia: “use guarda-chuvas ou sombrinhas, vai chover hoje em São Paulo e na Região do ABC Paulista. Previna-se e agasalhe-se bem, promessa de vento e frio”. E assim era com o trânsito e outras informações de utilidade pública. O sucesso na redação desta rádio levou Del Fiol a prometer que eu teria uma vaga na Cásper Líbero, para cursar jornalismo, no próximo ano...
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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista.
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*Em virtude das festividades do Carnaval, o quinto capítulo da série “O dia em que gravei o Jornal Nacional”, será apresentado apenas na próxima quarta-feira de cinzas. Mas, nossa programação continua, com o blog sempre atualizado.
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