quarta-feira, 17 de novembro de 2010


Ao nascer em 22 de abril de 1901, Adhemar de Barros encontra um mundo de prosperidade açulado pelas plantações de café e pelo funcionamento da Light – Serviços de Eletricidade, uma empresa do Canadá autorizada, por decreto, a funcionar no Brasil pelo presidente Campos Salles. De hidrelétrica em hidrelétrica, de represa em represa, a Light – hoje Eletropaulo – iluminaria São Paulo e seria ponto de referência do progresso do povo paulista.

Nesse ano, o estado produziria 10 milhões 334 mil 272 sacas de café (Affonso de Taunay, História da Cidade de São Paulo) e responderia sozinho por 90% das exportações brasileiras do produto a preços jamais alcançados. E um dos mais importantes plantadores era Antônio Emygdio de Barros, proveniente de família de origem portuguesa, a qual passou pela Bahia e chegou a São Paulo no Século XVII. Casado com a dona Elisa Pereira de Barros, de origem francesa, “seu” Tunico, como era conhecido, possuía fazenda em São Manoel e propriedades em Piracicaba. Por ser uma cidade mais avançada, Piracicaba serviu de berço para Adhemar, que passou a infância em São Manoel, na fazenda do pai, onde lhe ocorreu a seguinte história:

“Eu e meu pai andávamos a cavalo e ele tinha o hábito de apear após percorrer alguns metros para, com a ponta de uma faca de prata, fazer pequenos buracos no chão, à margem da estrada. Feito o buraco, retirava do bolso uma semente e ali plantava. Ao transpor os limites da sua propriedade e entrar em terras dos vizinhos, continuava a plantar, eu então certo dia resolvi interrogá-lo:
- Pai, o senhor está plantando nas terras dos outros, em propriedades dos nossos vizinhos?
Ele respondeu:
- Escuta filho, se você quer colher bons frutos na vida, precisa plantar para os outros, pois ninguém recebe nada, sem dar alguma coisa.”

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Em 1913, o governador Albuquerque Lins adquire o Palácio dos Campos Elísios (foto) e Adhemar, ao chegar à capital para cursar o ginásio, não poderia presumir que esse palácio seria a sua morada. Afinal, era ainda um menino tão mimado que, ao realizar no recreio a prova de salto e aprender a jogar futebol, escorregava, caía e ficava ruborizado. Não suportava as dores da queda e chorava, chorava, até o dia em que o diretor, um inglês chamado mister Sadler, disse-lhe em tom de advertência:
- Se você cair nove vezes, levante nove vezes, acreditando que irá conseguir. E, se não conseguir, tente de novo nove vezes nove, 81 vezes. De tanto insistir, Adhemar consegue realizar os saltos sem cair e assimila o conselho, que aplicaria na política.

Realizados os estudos médios, ele segue ao Rio de Janeiro para cursar medicina por ordem do pai, que lhe oferece um veículo produzido pela Ford, primeira montadora de automóvel a se instalar em São Paulo em 1919 na Rua Florêncio de Abreu e que pavimentou o caminho no Brasil para a General Motors e nesse empresa Adhemar de Barros viria fazer uma compra que germinaria o explosivo “caso dos Chevrolets,” do qual o homem quem ele elegeu governador, Lucas Nogueira Garcez e o sucessor, Jânio Quadros (foto), instigados pelo jornalista Paulo Duarte, de O Estado de S. Paulo, se aproveitariam para processá-lo, condená-lo à prisão e obrigá-lo a fugir do país para não ser preso.

Dono do melhor carro do Rio, Adhemar forma círculos de amizade e, com o diploma de médico na mão, faz um curso experimental no Instituto Manguinhos, hoje Instituto Oswaldo Cruz. Impelido pelo desejo de ampliar os conhecimentos científicos, ele realiza uma viagem à Europa no melhor transatlântico da época para estagiar em clínicas de Paris, Londres e Berlim e passa pelos Estados Unidos.

Ao retornar, Adhemar recebe de presente do pai um consultório na Praça da Sé e conhece Leonor, moça proveniente da família Mendes. Ela viria ser a sua esposa, germinaria a expressão primeira dama e lhe daria solidariedade em ação nos seus momentos mais difíceis, inclusive na hora da fuga, durante a madrugada, para não ser preso pela polícia de Jânio Quadros.
- Eu vou com você! – diria ela.
- Não, não, eu posso ser preso.
- Eu serei também.
- Mas, eu posso morrer.
- Morrerei também.


Em 1929, já casado, Adhemar manifesta simpatia pelo Partido Republicano que funcionava em cada estado com o nome relativo a cada um desses estados: Partido Republicano Paulista (PRP), Partido Republicano Mineiro (PRM) e assim sucessivamente. Proveniente do Império, essa agremiação partidária passou a dominar o poder durante a Primeira República em função da política do café com leite, por meio da qual o PRP, como representante do maior estado produtor do café, indicava o candidato a presidente e o PRM, como representante do estado maior produtor de leite, indicava o candidato à vice. O de oposição era o Partido Democrático.

Um ano depois, em 1930, os perrepistas como eram chamados os seus adeptos elegeram presidente da República o governador paulista Júlio Prestes (foto) mas, com o assassinato do governador da Paraíba, João Pessoa, candidato a vice na chapa da oposição liderada pelo gaúcho Getúlio Vargas, este promoveu uma revolução com a qual impediu a posse de Júlio Prestes, quem ele enviou para o exílio e assumiu a presidência da República. O novo presidente mandou o capitão do Exército João Alberto Lins de Barros, originário de Pernambuco, governar São Paulo e acabou com a política do café com leite, então os paulistas passaram a exigir uma constituição e como Getúlio não lhes deu bolas, eles fizeram uma revolução, a chamada Revolução de 1932, na qual Adhemar de Barros atuou como médico.

Vargas derrotou os paulistas e Adhemar de Barros (foto) exilou-se na Argentina. Em 1933, ele retorna do exílio e convidado pelo general Ataliba Leonel, que havia sido deputado federal por São Paulo e um dos organizadores da Revolução de 1932, aceita sair candidato a deputado para a Assembléia Constituinte Estadual de 1934. O Bispo de Botucatu, Dom Carlos Eduardo da Costa, tenta impugnar a sua candidatura, mas ele sai candidato e consegue eleger-se como o quarto mais votado.
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A rigor, o cinquentenário de vida pública de Adhemar Pereira de Barros ocorreu em 1984, mas a família prefere considerar o início da sua vida pública a partir da sua indicação para Interventor de São Paulo, em 1938. É do que falaremos no próximo capítulo em que Getúlio Vargas dá o golpe e implanta a ditadura do Estado Novo; prende Armando de Salles Oliveira, (foto) que segue para o exílio com o cunhado Júlio de Mesquita Filho; os estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco revoltam-se; Vargas intervém no jornal O Estado de S. Paulo; a família Mesquita pede ao Interventor Adhemar de Barros para não permitir a intervenção; sem dinheiro, Júlio de Mesquita prefere retornar e ser preso no Brasil, enquanto Armando de Salles Oliveira só retorna às vésperas da morte.
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*Carlos Laranjeira é jornalista, diretor do POLÍTIKA DO ABC e autor de vários livros, o mais recente, Política para Principiante.
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Não deixe de acompanhar, na próxima quarta-feira, o terceiro capítulo de "Histórias de Adhemar", nova série exclusiva apresentada neste blog. (Edward de Souza)
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