domingo, 24 de maio de 2009

CHEGOU O DOMINGO, PÉ DE CACHIMBO...

Edward de Souza
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A GOSTOSA ROTINA DE DOMINGO
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... O cachimbo é de barro bate no jarro, o jarro é fino bate no sino, o sino é de ouro bate no touro, o touro é valente, bate na gente a gente é fraco cai no buraco, o buraco é fundo, acabou-se o mundo. Todos os domingos pela manhã meu pai fazia questão de recitar esses versos. Eu tinha 4 ou 5 anos e isso marcou. Essas frases ficaram gravadas em meu cérebro e nunca mais as esqueci. Passei boa parte de minha infância imaginando como seria um pé de cachimbo. Sonhava com uma enorme árvore retorcida cheia de cachimbos pendurados, pode isso? Imaginação fértil de uma criança. A beleza desses versos de infância é que, através deles, a gente se comunica, se anuncia, deixa sinais de que viveu um tempo feliz. São marcas, pegadas, trilhas, caminhos e estradas que vão sendo abertas através de um movimento circular de produção de conhecimentos que, desde os saudosos tempos de Mário de Andrade, chamamos de bens culturais: dizeres e saberes que promovem todo um conjunto de discursos que, incorporados ao dia-a-dia de uma comunidade, organizam e elaboram os mitos, as lendas, as histórias, brincadeiras, as crenças, os valores e os conceitos que configuram a identidade de um determinado grupo social. A isso denominamos cultura. E é através da cultura que nos conhecemos, conhecemos o outro e formamos nossa identidade, pessoal e coletiva, criando raízes.
Porque tudo isso me veio à mente? Ora, porque hoje é domingo, dia de sair da rotina, de acordar mais tarde, ou mais cedo, dependendo do programa. É dia de reunir os amigos para jogar conversa fora, avaliar a vida, recordar o passado que não volta mais, contar vantagem e planejar o futuro. É dia de almoçar com a família, de dormir depois do almoço e demorar-se mais na leitura do jornal. É um dia preguiçoso, com menor movimento nas ruas, e silencioso, desde que longe dos estádios de futebol e dos bares.
Para muitos é um dia triste, para outros é o dia de ir à missa, de jogar bola, de ir ao cinema ou ao teatro. Triste mesmo é ficar o dia inteiro na frente da televisão, aí não é opção, é falta de criatividade, é reconhecer a derrota, é render-se à mediocridade. Um domingo por semana é pouco para tanta coisa que temos de fazer, para tantas providências que adiamos no aguardo de que venha o intervalo domingueiro. Ele acaba e não atingimos nossas metas dominicais, mas isso já é jargão empresarial e conversa de segunda-feira.
Domingo bom é o que passa rápido, é o que ninguém se machuca, e que o seu time de futebol ganha o jogo. É aquele em que conseguimos terminar a leitura de um livro e começar um novo. É dia de macarronada, de churrasco e de pensar no regime que prometemos que começará na segunda-feira. Muita gente fica desorientada num dia assim. São os que não dão conta de não fazer nada, que não conseguem deixar de pensar no serviço, que se recusam a diminuir o ritmo, a correria. Estes se chateiam com a chuvinha que cai tranqüila e estimula o descanso, ou com o sol forte que premia os que se aventuram num programa diferente, que vão acampar, viajar, fazer uma caminhada.
Bobagem pensar no dia seguinte. Pra quê? Ele vai acontecer mesmo. É melhor aproveitar o dia para ir a um restaurante que ainda não conhecemos, ou ajeitar a estante que caiu, consertar a torneira que está pingando ou arrumar gavetas. Se arranjarmos bons parceiros dá até para jogar baralho, atividade que o sentimento de culpa não permite nos dias de semana.
Domingo bom é quando conseguimos reunir os amigos ao redor de uma boa mesa para trocar informações e receitas. Conversar sobre temperos, sobre preferências culinárias, sobre quais as pimentas que mais agradam ao paladar e qual o melhor jeito de usar o alho no preparo de diferentes tipos de arroz. De pimentas, alhos e cebolinhas vamos aos livros lidos e aos que não temos vontade de ler, aos filmes da temporada e às contradições do cenário político. Podem-se comentar as separações, os desentendimentos conjugais e a ousadia das mocinhas. O dia rende, a conversa flui, a gente custa a levantar-se da mesa. Até abusa, come uma sobremesa, um doce de pêssego, repete, aceita mais uma xícara de café e depois se estica numa gostosa cadeira de balanço e recorda dos tempos felizes da infância, quando inocentemente sonhávamos com um pé de cachimbo. Tem coisa melhor?
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*Edward de Souza é Jornalista e radialista. Trabalhou nos jornais, Correio Metropolitano, Folha Metropolitana, Diário do Grande ABC e O Repórter, da Região do ABC Paulista. Em São Paulo, na Folha da Tarde, Gazeta Esportiva, Sucursal de "O Globo", Diário Popular e Notícias Populares, entre outros. Atuou nas Rádios: Difusora de Franca, Brasiliense de Ribeirão Preto, Rádio Emissora ABC, Diário do Grande ABC, Clube de Santo André, Excelsior, Jovem Pan, Record, Globo - CBN e TV Globo de São Paulo. Participou de diversas antologias de contos e ensaios. Assina atualmente uma coluna no Jornal Comércio da Franca, um dos mais tradicionais do interior de São Paulo.
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