quinta-feira, 15 de outubro de 2009

AFINAL, NEM TUDO É CULPA DO GOVERNO

Historicamente, até por questões culturais, quando as coisas não estão indo muito bem para o seu lado o brasileiro coloca a culpa do infortúnio no governo, seja federal, estadual ou municipal. Problemas na área da saúde, da cultura, do transporte, do lixo, da energia, da chuva, excesso ou falta, do desmatamento, enfim, o culpado é o governo. Plagiando o espanhol, o brazuca atira antes de perguntar: "ai gobierno, io soi contra" e fim de papo.
De uns tempos pra cá a coisa engrossou no exercício de malhar governantes: o cara não tem onde morar, invade uma área, constrói um barraco, convida outros amigos e forma uma favela, que agora chamam de núcleo ou comunidade; não coloca o filho na escola, sabe que o garoto ganha alguns trocados trabalhando para traficantes, acha que está de bom tamanho e toca o barco. Reclama que o governo deveria ajudá-lo dando casa, comida e lazer; diz que não tem nada, vive a míngua, mas quando o morro desmorona ou um incêndio arrasa os baixos do viaduto onde mora, berra que perdeu tudo. Porém não é desse pessoal a mira deste artigo. A seta aponta para o comodismo da grande maioria, onde a aula de cidadania passou longe de sua casa e cujo descalabro de suas atitudes coloca as lambanças do governo na pia de água benta da mais impoluta das igrejas, cristãs ou não. Senão, vejamos: que culpa tem o governo se o cidadão... Coloca um inútil reboque na traseira de seu carro de passeio, instrumento que não tem serventia outra senão prejudicar o próximo, que por sua vez gosta da idéia e também instala um em seu veículo para ferrar quem está atrás?
- Sobe escada rolante pulando degrau por degrau, empurrando meio mundo?
- Entra no estacionamento do supermercado ou do shopping e deixa seu carro bem próximo a porta, claro, na vaga reservada ao deficiente ou idoso, mesmo que o motorista não tenha ainda, digamos, 30 anos de idade?
- Ainda no supermercado pega o carrinho e com ele, cheio ou vazio, vai à praça de alimentação e enfia o dito cujo entre as mesas, empatando a passagem, quando poderia almoçar primeiro e depois fazer as compras ou comprar, ir até o carro, esvaziar o carrinho e em seguida almoçar?
- Leva criança ao restaurante e o guri (a) depois de se refestelar, deixa os pais e os avós batendo papo e sai correndo entre as mesas com a irritante observação do pai ou da mãe: "Juninho, cuidado não vá perturbar os outros fregueses"? Em cinco minutos ouve-se um barulho de pratos espatifados no chão, uma toalha com legumes e verduras no colo de um cara furioso que ainda tem que escutar do pai: "desculpe, criança é assim mesmo".
- Vai à padaria e tenta entrar com o cachorro de estimação, mesmo sendo um pitbull ou pastor alemão?
- Estaciona em guia rebaixada e diz ao dono da casa que volta logo?
- Segura o elevador em seu andar com a justificativa de que vai sair em seguida ou que sua filha (o) está chegando?
- Na pescaria, tipo "cabeça fria", joga a predadora tarrafa a dois metros da inocente varinha pra lambari de outros pescadores?
- Pra mostrar o som importado do carro, liga o aparelho acima de 150 decibéis, ou trafega com o cano do escapamento aberto de dia ou a qualquer hora da noite sem se importar com residências ou hospitais?
- Exige que o zelador ou síndico do prédio ajeite a antena coletiva de acordo com a melhor captação do aparelho de TV de seu apto, mesmo que os demais moradores só vejam imagens salpicadas de chuviscos?
- Incentiva o filho (a) pródigo que estuda guitarra, bateria, violino ou acordeon a praticar sua vocação à noite no apto e não está nem se "lixando" se existe vizinhos próximos?
- Resolve - isso é fatal - bater martelo na talhadeira para remover lajotas de sua cozinha exatamente às 8 horas de um domingo?
Para finalizar, que culpa tem o governo se o casal decide resolver suas pendengas na madrugada, com gritos, palavrões e ameaças, e na manhã seguinte, depois de perturbar toda a vizinhança, sai abraçadinho para o trabalho e deixa as pinimbas para serem resolvidas na noite seguinte?
Claro que as comparações citadas são pequena parcela do que ocorre no dia a dia, mas algumas delas ou similares são presenciadas e, por que não, também praticadas por todos nós. Certamente os amigos (as) bloguistas têm intensa lista para acrescentar aos exemplos acima, porém uma coisa é certa: o governo, nesses casos, não tem culpa e nada pode fazer.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista e radialista, radicado no Grande ABC
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