quarta-feira, 19 de agosto de 2009

PANTANAL: DOURADO FRITO E CERVEJA

J. MORGADO

Pela riqueza de sua fauna e recortada pelos afluentes do rio Paraguai, a planície pantaneira constitui-se no principal reduto para a prática da pesca esportiva e safáris fotográficos. Em meio a uma paisagem deslumbrante, toda a planície pantaneira é cortada por rios e banhada por lagoas sem fim. Aves das mais variadas espécies enriquecem com seu colorido as matas ciliares. Uma fauna riquíssima e bem diversificada habita uma região tão grande ou maior que o Estado de São Paulo. Durante muitos anos frequentei a região. Comecei pelo Rio Miranda a partir da cidade do mesmo nome. Anos depois, passava direto e ia até o ponto final da então Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, na cidade de Corumbá, considerada a “capital” do Pantanal. O Rio Paraguai, diferente da Amazônia, onde a paisagem muitas vezes chega a ser monótona em razão da espessa vegetação, mostra com toda sua pujança seus afluentes, flores, mamíferos, répteis e pássaros para serem vistos e fotografados.
Corumbá não é só pescarias; é história e comidas típicas das saborosas e tradicionais. O sarrabulho e a cabritada. O primeiro é uma comida típica de origem portuguesa feita com sangue, carne e miúdos de porco. Uma delícia! De 1865 a 1867, Corumbá, ficou de posse dos paraguaios. A Guerra do Paraguai criou esse episódio e outros mais e, em razão disso, até hoje pessoas sonham com tesouros escondidos nos velhos casarões existentes na parte baixa da cidade junto ao porto.
Alguém sonha com um fantasma. Um cara que viveu na época da invasão escondeu seus recursos, geralmente ouro, nas grossas paredes feitas com pedra, aparece e diz para encontrá-lo, do contrário ele não terá descanso. Alguns moradores antigos juram que é verdade! E é nesse porto que começamos nossa pescaria. Depois de viajarmos mais de 36 horas a partir de São Paulo (isso na década de 1950 a 1970). Nesse porto, alugávamos um barco com o respectivo piloteiro. No final dos anos 60, nosso costume era acampar em uma das margens do rio e ali ficar de 10 a 15 dias. Às vezes, encontrávamos uma casa abandonada de tropeiros ou fazendeiros. As cheias anuais “expulsavam” seus moradores. As barracas eram armadas no interior dessas casas, por causa dos mosquitos. O fogão ali estava disponível e a lenha era abundante.
Eu sempre procurava não me distanciar muito da cidade. Duas ou três horas de barco, quando muito. A razão principal era o congelamento dos peixes pescados. Depois de uma manhã de pescaria, o piloteiro se deslocava até a cidade e levava o pescado para a câmara frigorífica. Em pescarias onde o acampamento era mais distante, o recurso era a salga. Com sal grosso e facas bem afiadas, limpávamos e salgávamos os peixes deixando-os secar em varais. Nos dias de hoje, as pousadas e enormes barcos (hotéis flutuantes) com capacidade para muitos pescadores facilitam tudo. Os peixes são congelados e guardados até o final da pescaria.
Depois de providenciar todo o equipamento, combustível, alimento etc., eu e meus companheiros embarcávamos e subíamos o rio. O casario na margem esquerda (para quem desce) é interessante. Na pequena cidade de Ladário, o porto e o VI Distrito Naval. Uma sentinela avançada na fronteira. A partir daí, começávamos a pescaria de currico. Eu com minha carretilha e linha 0,50mm, colher de bom tamanho bem encastoado. Os outros dois com molinetes e linhas da mesma espessura. Um sentado na proa e outros a estibordo e a bombordo. As linhas eram soltas. 15 a 20 metros de fios esticados devido à velocidade do barco. A colher, imitando um peixe prateado, vez ou outra aparecia brilhando acima das águas pardas do rio. A ansiedade pela fisgada do primeiro dourado era comum a todos nós. Às vezes não era um dourado e sim uma “cachorra” (peixe-cachorro), com seu corpo alongado, prateado e longas presas. Esse peixe não oferece tanta emoção como o dourado. Luta pouco é tem muitas espinhas.
Manhã muito fria. Segunda quinzena de agosto. Os dourados ainda estavam dormindo (hihihihihihi) e o Pezão, um dos companheiros, primeira vez no Pantanal, já começava a reclamar. Dizia que o lugar era só fama, etc. Foi quando senti o tranco! E vi o dourado saltar! Gritei: " douraaaaaaado"! Uma exclamação de alegria toda vez que fisgava esse salmonídeo. Recolhido, continuamos a “curricar” até o local onde íamos acampar. Nenhum outro exemplar foi fisgado. Assim, enquanto ajeitávamos o pouso, o piloteiro, acendia o fogo e outro preparava o peixe.
Naquela imensidão tendo como fundo os gritos dos araquãs, o cantochão dos bugios e a beleza inigualável da natureza pincelada com o amarelo dos ipês em flor, companheiros de pescaria fartavam-se com postas de peixe frito e cervejas geladas. Uma delícia!
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*J. Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. Morgado escreve quinzenalmente neste blog, sempre às sextas-feiras. E-mails sobre esse artigo podem ser postados no blog ou enviados para o autor, nesse endereço eletrônico:
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