domingo, 7 de junho de 2009

A INCANSÁVEL LUTA PELO PÃO DE CADA DIA

J. Morgado
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PESCADORES E A ORAÇÃO
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Caminhava pelo calçadão da praia pouco mais das seis horas da manhã. Os primeiros alvores do dia se faziam anunciar. Os pássaros agitados em busca de alimentos. Ali, um bando pombas buscando o que comer. Além, bem perto da última arrebentação, uma vintena de albatrozes com seu andar desengonçado. Pássaros das mais variadas espécies e cores ali se encontravam, mariscando. João-de-barro, bentevi, sabiá, pardais, gaviões, etc. Cada um deles tentando sobreviver com os alimentos trazidos pelo mar e os deixados pelos banhistas.
Alguns leitores poderão argüir, mas o que estavam fazendo o João-de-barro, bentevi e as outras aves mencionadas acima, afora os albatrozes, na praia? Respondo: A Serra do Mar está bem próxima com sua mata exuberante. A cidade é bem arborizada daí, há uma profusão de pássaros que não se vê com tanta freqüência em muitas cidades do interior.
Nessa hora, pescadores com seus barcos partem para sua faina diária. Suas tendas são armadas na praia quase junto ao calçadão. Ai é comercializado a “colheita do dia”.
Há muitos anos observo essa mesma prática e não me canso. Por incrível que possa parecer, dentro dessa rotina há sempre novidades; um paradoxo? Outras pessoas fazem a caminhada matinal. Já são meus conhecidos. Cumprimentos com a cabeça ou em voz alta, dependendo do grau de conhecimento ou amizade.
Nesse ambiente a beira-mar, parece que as pessoas e a natureza se integram, pelo menos nessas primeiras horas da manhã. Penso, seria tão bom se fosse sempre assim.
Conheço até os cães vagabundos que perambulam pela orla. São todos mansos e simpáticos. Chamo-os pelo nome que eu mesmo inventei; branquinho, pretinho, malhado, feio... Falo até com os pássaros. O João-de-barro é Joãozinho, o bentevi é amarelão, o pardal é português e por aí a fora. Não fogem a minha aproximação. Ninguém lhes faz mal. À mentalidade do homem está mudando, penso eu. Antigamente, os garotos viviam com os estilingues na mão. Não se vê mais essa “terrível arma” de minha infância.
O mar está manso. Pequenas ondas espumosas esparramam-se pela praia. Os barcos de pesca não têm dificuldades para vencer a primeira barreira. Partem velozes devido aos motores possantes. As redes serão lançadas alguns quilômetros mar adentro e uma ou duas horas depois estarão de volta.
Observando tudo isso é que pela primeira vez em minha longa vida vi um grupo de quatro pescadores praticarem uma ação incomum!
Sim incomum! Junto ao barco que se encontrava em um carrinho de duas rodas, pronto para a primeira pescaria do dia, o grupo, de mãos dadas, cabeça abaixada junto ao peito oravam em voz alta. Não tão alta que se pudesse ouvir qual seria a oração, mas a postura e demais atitudes daqueles homens sugeriam que o ato era feito com muita devoção e fé. Em seguida, empurraram o carrinho em direção as ondas e ali soltaram o barco. Um daqueles quatro ficou em terra e os demais embarcados, arrancaram para buscar o “pão nosso de cada dia”! Acompanhei-os com o olhar até perdê-los de vista e só então prossegui minha caminhada.
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*J. Morgado é Jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. Morgado escreve quinzenalmente neste blog, sempre às sextas-feiras. E-mails sobre esse artigo podem ser postados no blog ou enviados para o autor, nesse endereço eletrônico: jgacelan@uol.com.br

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